Vana Lopes, fundadora do coletivo Vítimas Unidas e uma das 56 vítimas de abuso sexual do médico Roger Abdelmassih
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Vana Lopes, fundadora do coletivo Vítimas Unidas e uma das 56 vítimas de abuso sexual do médico Roger Abdelmassih

Um dia depois do  Dia Internacional da Mulher, acontece uma reunião com autoridades para apresentação do portal informativo sobre os direitos da vítima, do Conselho Nacional do Ministério Público. Entre as pessoas que vão prestar depoimento, está Luiza Brunet, empresária, atriz, modelo, ativista e vítima de violência doméstica. Sua presença é fruto do trabalho dentre tantas mulheres,  Vana Lopes,  fundadora do coletivo Vítimas Unidas e umas das 56 vítimas de abuso sexual do médico  Roger Abdelmassih.

O coletivo nasceu com o nome de "Vítimas de Roger Abdelmassih". Entretanto, por ser ativista e se engajar a outras  vítimas de outras violências, Vana aceitou a sugestão de alterar para "Vítimas Unidas". Atualmente, ela processa o Brasil na Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH) pela prescrição de parte dos crimes e os sumiços dos óvulos entregues ao ginecologista, após o fechamento da clínica. No Brasil, não existe regulamentação sobre a guarda deste tipo de material. 

Esta não é a primeira vez que o país é réu e condenado pela CIDH. O Brasil responde a 12 sentenças sobre negligenciar direitos de vítimas dos mais variados crimes, e agora está prestes a aprovar o Estatuto da Vítima, que torna obrigatório o acolhimento, o atendimento social e de saúde deste grupo.

Estatuto da vítima

Um levantamento do promotor Pedro Ivo De Sousa, presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP), mostra que o Legislativo acumulou 34 projetos nos últimos 20 anos para definir diretos de vítimas e até a criação de fundos de assistência, mas que nunca saíram do papel.

Com a pandemia pela Covid-19 e tantas vítimas - aqui, em especial as que não conseguiram se despedir nem por vídeo chamada -, tramita em ritmo acelerado na Câmara dos Deputados o  PL 3890/20. A previsão é que seja votado até o final de março. Além de criar mecanismos de proteção das vítimas diretas e indiretas, o texto inclui vítimas de calamidades como a vivida pelos moradores de Petrópolis (RJ), que já soma mais de 200 mortos.

O Estatuto da Vítima foi elaborado por um grupo de especialistas liderados pela promotora Celeste Santos, uma das fundadoras do Projeto Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc), que funciona desde 2018 em São Paulo, e chegou à Câmara pelas mãos do deputado Rui Falcão (PT-SP). No ano passado, ganhou o apoio da deputada Eronildes Vasconcelos Carvalho (Republicanos-BA), conhecida como Tia Eron, que hoje coordena o Grupo de Trabalho criado para dar agilidade à aprovação.

Como é hoje?

"A vítima hoje não passa de um rodapé no Código de Processo Penal", diz a deputada. Com o Estatuto, o país passa a reconhecer que a vítima tem direitos fundamentais, que vão desde a assistência devida à saúde, atendimento psicológico e social; e não apenas uma justiça que se limita à condenação do réu, num processo que leva anos e pode não acontecer.

A promotora Celeste diz que o Estatuto muda a lógica do sistema - focado nas garantias processuais e penas e direitos dos acusados. "Com o Estatuto, o país passa a reconhecer que a vítima tem direitos fundamentais, que vão desde a assistência devida à saúde, atendimento psicológico e social", explica.

O que muda?

Sigilo de dados

Dados pessoais da vítima, como telefones e endereço, devem ser protegidos. Hoje essas informações ficam disponíveis no Boletim de Ocorrência, que é entregue ao advogado dos réus.

Informação

Ao prestar queixa numa delegacia, a vítima deve ser informada sobre seus direitos e sobre os próximos passos da investigação até à execução. Na Justiça, ela deve ser comunicada sobre cada passo do andamento do processo contra o acusado, como sentenças, acórdãos e soltura, assim como ter o risco explicado.

Atendimento multidisciplinar

As vítimas de crimes ou calamidades devem receber atendimento não discriminatório e integral, de saúde, psicológico e apoio social. O atendimento deve ser imediato e estendido com ações a médio e longo prazo.

Treinamento

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Os profissionais de delegacia e outros órgãos públicos devem ser treinados para que possam fornecer as informações e ter empatia com as vítimas, humanizando o atendimento.

Reparação de danos

A vítima deve ter direito à reparação do dano causado pelo criminoso, com ressarcimento do prejuízo. É reconhecido o direito da vítima a indenização relativa a danos materiais, morais e psicológicos causados por parte do criminoso na sentença condenatória.

Coletivo

O Estatuto amplia o conceito de vítima ao incluir vítimas de situações de calamidade. O Estado deve ter ação ativa e qualificar os serviços, hoje estanques em diferentes áreas

Vítima indireta

Além da vítima direta, o Estatuto inclui as vítimas indiretas no rol de proteção nos casos de morte ou desaparecimento – parentes de até terceiro grau desde que convivam e dependam da vítima.

Depoimentos

Os relatos em delegacias devem ser registrados em mídia digital para que possam ser usados pela Justiça, evitando que vítimas tenham de repetir por diversas vezes. Os relatos gravados passam a servir como prova.

Vulneráveis

Vítimas de tráfico de pessoas, terrorismo, delitos que atentem contra a dignidade e liberdade sexual, raça, violência contra mulheres, pessoas com deficiência, idosos ou outros coletivos vulneráveis, têm direito a escuta especializada.

O que o Estatuto da Vítima significa para as mulheres?

É importante entender que boa parte das vítimas são compostas por mulheres e crianças, prestando atenção em recortes de raça, orientação sexual, econômico, maternidade, idade e demais detalhes. Ainda que os números tenham crescido nos últimos anos, um dos medos principais na pandemia foi a diminuição de denúncias pelas vítimas estarem presas com seus violadores - seja de violência física, sexual, psicológica, patrimonial, entre outras.

Como o próprio abaixo-assinado pedindo a aprovação do Estatuto da Vítima fala: "O medo é um sentimento que acompanha tanto a mulher que denuncia, quanto a que não denuncia. Quando você chega perto da morte, descobre que só o que quer é continuar respirando e que a vida é uma dádiva. Aí, a coragem surge. Até porque continuo na luta e me recuso a ser calada!”, diz Cristiane Machado, vítima de violência doméstica e membro do Grupo Vítimas Unidas.

Até o momento, a petição tem mais de 5 mil asssinaturas e meta atual de 7.500 pessoas pedindo pela aprovação do PL 3890/20. O link para assinar é este aqui .

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