Tradicionalmente, as pessoas associam o termo “disfunção sexual” aos homens: impotência, disfunção erétil, ejaculação precoce, entre outras. Mas esse é um assunto que deve ser discutido pelas mulheres, pois surge nelas também e requer atenção e tratamento.
Leia também: Vontade de fazer muito sexo o tempo todo é um transtorno? Psicólogo explica
A ginecologista e obstetra Maria Elisa Noriler, responsável pelo setor de Ginecologia Endócrina InfantoPuberal e Climatério do Hospital Municipal Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, explicou para o Delas o que é uma disfunção sexual feminina, quais são as mais comuns, suas causas e como funcionam os tratamentos.
Segundo ela, as disfunções sexuais femininas são doenças que surgem na forma de bloqueios que prejudicam diretamente as interações sexuais da mulher e impedem-na de sentir prazer.
Normalmente, qualquer disfunção sexual começa a se manifestar com a diminuição da libido . “Se isso começa a acontecer e essa diminuição se mantém por mais de três meses, principalmente em uma relação estável que estava saudável antes e que tinha uma rotina de sexo que a mulher gostava e com a qual se sentia confortável, tinha desejo, é um sinal de alerta”, esclarece Maria Elisa.
Leia também: Queda na libido pode ser um transtorno de causas físicas e até psicológicas
Seguida da perda da vontade, aparecem dores, incômodos e ardências durante o sexo, que fazem com que a mulher não suporte a penetração ou, mesmo suportando e gostando até certo ponto, impedem-na de atingir o orgasmo. “Muitas mulheres vivem isso, mas elas acham que é normal, que é delas. Não sabem que isso pode estar atrelado a uma questão hormonal ou psicológica que pode ser tratada”, afirma.
As razões para o desenvolvimento de uma disfunção sexual feminina são várias, mas existem três principais. Elas podem ter origem orgânica, hormonal e/ou psicológica.
As origens de uma disfunção sexual
As causas orgânicas são aquelas do próprio corpo da mulher. Fisicamente, o corpo não está saudável ou passou por um trauma físico muito grande e então ele mesmo acaba se fechando para o sexo, ainda que a mulher queira ter relações.
“Uma paciente que tem endometriose, por exemplo, acaba sentindo dor durante a relação e então acaba desenvolvendo uma rejeição ao sexo com medo de sentir dor. Um câncer de ovário ou colo de útero é outro motivo. A quimioterapia e a cirurgia de remoção dos ovários e útero podem provocar uma castração química na mulher, que vai perder a vontade de fazer sexo”, exemplifica a médica.
Leia também: Mulher também broxa: combatendo a impotência sexual feminina
Alterações hormonais também podem gerar uma disfunção sexual. A pílula anticoncepcional, por exemplo, é conhecida por reduzir drasticamente a libido e a lubrificação natural feminina. “A menopausa é outra, que também reduz a libido e leva à secura vaginal. Distúrbios graves na tireoide também podem influenciar”.
Mas a causa mais comum do desenvolvimento de uma disfunção é a psicológica. Traumas criam um bloqueio no inconsciente e no corpo da mulher e podem aparecer de várias formas. "Isso além da mulher que passou por um abuso ou algo mais violento, não necessariamente com penetração, mas só com o toque ou uma situação em que houve a tentativa de fazer alguma coisa contra a vontade dela. Uma mulher que teve uma educação muito conservadora dentro de casa também pode ter essa trava”.
Leia também: Saiba como a menopausa causa dor na relação e como resolver esse problema
Com causas tão variadas, o primeiro passo no tratamento de qualquer disfunção sexual é identificar a origem do problema. “A primeira coisa que fazemos é tentar identificar o momento em que o problema surgiu. Se antes ela tinha uma vida sexual normal, com desejo; se atingia o orgasmo de alguma forma ou se ela nunca teve nada disso e de que forma ela encara essa situação e essa mudança”, afirma.
Identificar a origem é essencial para, junto com o diagnóstico correto, direcionar o tratamento de forma adequada. Lembrando que quanto mais cedo a mulher buscar um profissional ao sentir qualquer alteração que persista por mais de três meses, especialmente a queda na libido, mais fácil fica tratar.
As disfunções sexuais femininas
Pesquisas indicam que 19% a 50% das mulheres vão ter uma disfunção sexual feminina em algum momento da vida. Por isso, conheça quais são e saiba um pouco mais sobre as que mais atingem mulheres.
Anorgasmia
A mulher não consegue atingir o orgasmo por algum motivo. “Nesses casos, a gente precisa descartar algumas coisas: se ela tem desejo ou não; se ela não atinge o orgasmo só com a penetração, o que é comum em muitas mulheres, mas aí estimular o clitóris junto resolve; se tem alguma questão hormonal envolvida ou se é psicológico e aí encaminhar para uma psicoterapia”.
Leia também: Um terço das mulheres não têm orgasmos; saiba como lidar com anorgasmia
Maria Elisa afirma que o pompoarismo costuma ser recomendado como tratamento dessa disfunção sexual em muitos casos. “É mais no sentido de ensinar a paciente a realizar o auto-toque. Se tocar e descobrir quais zonas erógenas ela mais sente prazer, quais movimentos prefere”, explica, dizendo que muitas vezes as mulheres têm dificuldade em atingir o orgasmo porque não conhecem o próprio corpo e, assim, não sabem do que gostam.
Hiper-excitação
A mulher têm uma libido descomunalmente alta que faz com que ela pense em sexo o tempo todo e sinta a necessidade de se masturbar várias vezes por dia, chegando a atrapalhá-la em sua rotina.
Vaginismo
Quando a vagina rejeita qualquer tipo de toque e sua musculatura se contrai ao menor sinal de contato. Nesses casos, a contração é tão forte que o pênis não entra e não acontece a penetração de forma alguma. Também fica impossível inserir os dedos, por exemplo, impedindo outras formas de estímulo.
Leia também: Vaginismo: entenda a disfunção que pode afetar a vida sexual feminina
O vaginismo está associado normalmente a questões psicológicas, de uma criação conservadora ou até resultado de um abuso, e físicas, de insegurança da mulher. Além do acompanhamento com psicoterapeuta, também é recomendado que as mulheres que sofram com essa disfunção pratiquem o auto-toque para se acostumarem com a sensação e aceitarem que podem sentir, ou voltar a sentir, prazer de forma segura.
Vulvodínia
A mulher sente dor durante a penetração. Esta ocorre, mas o ato deve ser interrompido porque a mulher sente muita dor. Segundo Maria Elisa, nestes casos, a dor que a mulher sente pode estar atrelada a um problema neurológico, não necessariamente a algo que realmente a machuca durante o sexo. “Muitas vezes, o tratamento inclui antidepressivos e analgésicos”, revela.
Dispareunia
Relacionada à profundidade, é uma contração involuntária do períneo (o músculo entre a vagina e o ânus) que acontece quando o pênis atinge o fundo do canal vaginal, o que acaba machucando a mulher. De acordo com a ginecologista e obstetra, esta condição é especialmente comum em mulheres com endometriose, nas quais a penetração muito profunda realmente acaba machucando devido à sensibilidade que já possuem no útero por conta do distúrbio.
Atrofia vulvar
A vagina vai perdendo sua capacidade de se lubrificar, de modo que a vulva fica extremamente ressecada e o epitélio da mucosa do canal vaginal fica muito fino. Por conta disso, durante a penetração, o atrito causado pelo movimento gera fissuras e cortes, que provocam dor.
Esta difunção sexual está diretamente associada a alterações hormonais, principalmente em mulheres na menopausa, momento que provoca uma queda dramática dos hormônios femininos que estimulam a lubrificação da vagina. Entretanto, mulheres que tomam a pílula anticoncepcional também podem sentir esses sintomas em menor intensidade.
Leia também: Verdade ou mentira: a pílula anticoncepcional também serve como tratamento?
Em ambos os casos, vale procurar um profissional. No caso do climatério, a reposição hormonal pode ser considerada. Já no caso do anticoncepcional, vale pensar em mudar o remédio ou mesmo buscar outras formas de lubrificar a vagina, o que inclui utilizar lubrificantes - sempre à base de água - para ajudar na hora do sexo.
Puerpério imediato
Logo que a mulher dá à luz, seus níveis de prolactina se elevam drasticamente, principalmente para que seu corpo produza o leite. Esse hormônio faz com que a libido diminua muito e torna as primeiras relações sexuais, que só devem ocorrer 40 dias após o parto, dolorosas.
Leia também: Pós-parto: corpo, sexualidade e contracepção após a chegada do bebê
“Ocorre uma atrofia transitória da vulva. A primeira, segunda, até terceira vez que o casal tentar realizar a penetração, a mulher vai sentir doer um pouco e arder. Mas nesse caso é só ter paciência mesmo, porque o corpo volta ao normal. Ela só deve monitorar para ver se ela realmente para de sentir dor durante o sexo depois de alguns meses”, diz Maria Elisa.
Fobia ou aversão sexual
Leia também: "Cinquenta Tons de Cinza" é como diário do meu namoro abusivo, diz britânica
Totalmente psicológica, esta disfunção sexual é resultado de alguma vivência que a mulher teve e foi de alguma forma traumática. De acordo com a médica, a “experiência traumática” varia de mulher para mulher. Pode ser desde uma traição até uma violência física. “Isso gera um bloqueio na mulher, que não vai conseguir ter uma vida sexual normal enquanto não enfrentar e resolver o problema com psicoterapia”.