A cada ano, mais mulheres estão sendo diagnosticadas com problemas relacionados à dependência do álcool
Foto: Reprodução/Unsplash
A cada ano, mais mulheres estão sendo diagnosticadas com problemas relacionados à dependência do álcool


Cada vez mais mulheres estão consumindo álcool no Brasil. É o que mostra a última edição da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019. Segundo a pesquisa, 17% das mulheres brasileiras consomem bebida alcoólica todas as semanas.

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Os dados revelam que uma em cada quatro mulheres que bebem consomem álcool de maneira abusiva, e 1 a cada 50 cria um grau de dependência na bebida. Um relatório produzido pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) quantifica esse problema: entre 2010 e 2018, houve um aumento de 19% na quantidade de internações relacionadas ao uso de álcool entre as mulheres.

O alcoolismo, termo geral que define a dependência de um ser humano ao álcool, afeta a saúde humana intensamente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o uso nocivo do álcool pode causar mais de 200 doenças e lesões, como alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares, hepáticas e infecciosas, além dos extensos danos sociais e psicológicos.

Para as mulheres, ainda existem riscos específicos. “A gama de complicações que a mulher pode ter por conta do consumo nocivo de álcool é, realmente, muito ampla, com muitas especificidades, como variações de acordo com o ciclo menstrual, gestação e amamentação”, explica Olivia Pozzolo, psiquiatra e pesquisadora do CISA .

A psiquiatra explica que dependência do álcool entre mulheres cria um “efeito telescópio”, termo usado para indicar que mulheres tendem a ter a dependência de álcool mais cedo do que os homens. “Desde o primeiro episódio de consumo, o tempo que se passa para a mulher ser diagnosticada com dependência tende a ser menor. A razão disso está na própria questão de o álcool ser mais danoso no corpo feminino.”

É fato que as mulheres têm mais sensibilidade ao álcool. “Isso é devido a menor quantidade de água [no corpo feminino], além de menor quantidade de enzimas que metabolizam o álcool no fígado; essa combinação faz com que a mesma quantidade de álcool fique mais concentrada e demore mais para sair do corpo da mulher”, detalha a médica.

Doenças mais incidentes no sexo feminino têm grande aumento quando se consome álcool de forma abusiva: a Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC), revelou, em pesquisa, que a probabilidade de se desenvolver câncer de mama aumenta de 7% a 10% a cada dose de bebida consumida.

A saúde reprodutiva também é prejudicada, pois, além de dificultar a concepção, o álcool ingerido por uma mulher gestante pode lesar o feto, causando, transtornos do espectro alcoólico fetal. “Os problemas podem ser muito sérios, e, além disso, são completamente evitáveis”, diz Olivia.

E, segundo o National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA), doenças hepáticas também são mais comuns entre o sexo feminino - a cirrose, por exemplo, tem três vezes mais chance de acometer mulheres do que homens.

Mas não é apenas a saúde física que é comprometida pelo uso abusivo do álcool: a saúde mental também é sensibilizada pela bebida. Pozzolo atesta que quase todos os problemas psiquiátricos podem se agravar quando se insere o consumo nocivo de álcool. “Mesmo para a saúde mental das mulheres que não possuem transtornos, o álcool pode mexer com o padrão de sono e com os padrões hormonais, gerando impactos negativos a médio e longo prazo.” 

É o que reitera a fundadora da Associação Alcoolismo Feminino (AF) e alcoolista em sobriedade há mais de 13 anos, Grazi Santoro. “A maioria de nós [mulheres alcoolistas] já tinha doenças mentais não tratadas quando começamos a consumir bebidas alcoólicas ou histórico de abusos na infância e adolescência dentro da própria família.”

Segundo Grazi, a grande maioria das mulheres desconhece que o álcool é um depressor do sistema nervoso central. “Ele não ajuda a tratar a depressão, pelo contrário, ele só a piora”, reflete a diretora do projeto.

Além da depressão, Santoro cita que os transtornos mais comuns entre as mulheres que se envolvem com o alcoolismo são o Transtorno de Ansiedade Generalizado (TAG) e o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB). “Quando começamos a beber para lidar com as nossas dores, fazemos uma bagunça em nossa mente, misturando remédios com álcool”

Mas por que isso vem afetando o gênero feminino de uma forma tão extensa? Existem diversas causas em estudo, disserta Mariana Thibes,  socióloga  e  coordenadora  do  CISA. Segundo a especialista, uma das principais hipóteses é o estresse e a exaustão. O trabalho doméstico e de cuidado, que ainda é pouco dividido com os homens, toma tempo e energia considerável das mulheres, além de ser conciliado com as demandas do mercado de trabalho e de cuidado pessoal.

“De  maneira  resumida,  esta sobrecarga  aumenta  o  estresse  do  cotidiano  e  pode  deteriorar  a  saúde  mental, e  o consumo nocivo de álcool é um dos sinais de que as coisas não andam bem. Nesse caso, é importante buscar suporte.”

A ajuda, é claro, pode vir de familiares, amigos e organizações de saúde. E é nessa campo que a Associação Alcoolismo Feminino entra em campo. Desde 2020, a AAF já acolheu 1,2 mil mulheres alcoolistas do Brasil em grupos específicos como codependência, transtornos alimentares, prevenção de recaídas, violência contra mulheres e maternagem.

“A primeira coisa que falamos para a mulher que chega é que vamos ajudá-la, sem julgamentos nem preconceitos, num ambiente acolhedor e seguro. Dizemos para ela que é muito possível que ela recaia durante o seu processo de mudança de vida e que ela não deve carregar mais essa culpa. Tentamos associar o tratamento da abstinência alcoólica com o seu empoderamento.”

Grazi reflete que é importante, para qualquer pessoa que lida com uma mulher alcoolista, tratar as diferenças do sexo feminino como a questão da raça, da empregabilidade, da maternagem, das violências e autoestima. “É necessário levar em consideração um melhor acolhimento, a questão dos filhos, as especificidades como menopausa, TPM, cirurgia bariátrica, violências, desemprego, e por aí vai”, finaliza.

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