Foi com apenas 7 anos que Tainá* descobriu que a família passaria por um demorado divórcio por conta do alcoolismo de seu pai. Depois de testemunhar a irmã, Lúcia*, sendo vítima de violência doméstica pelo genitor, a criança entrou em pânico e não conseguiu mais socializar com os amigos e parentes, além de ter pesadelos constantes com o acontecimento.
Desesperada com a repentina mudança de comportamento da filha, a assessora de imprensa Carla* percebeu que a menina precisava de ajuda profissional. “Eu senti que não conseguia mais lidar sozinha com esse problema. Era hora de soltar o controle da situação”.
Alguns meses depois, o diagnóstico: Tainá* sofria de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e, em decorrência do trauma, também tinha transtorno de ansiedade. “Foi terrível, é claro que foi. Mas senti que, a partir dali, a minha filha ia conseguir aceitar ajuda. Foi ali que começamos oficialmente a psicoterapia com ela”. Com ajuda da psicóloga, a criança agora consegue lidar com alguns aspectos de seu passado. “Ela agora voltou a socializar, e está sorrindo de novo”.
O diagnóstico de Tainá* não é único. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das crianças e jovens de 5 a 16 anos têm um problema mental clinicamente diagnosticável, e a maioria não consegue buscar ajuda para a melhora desse quadro.
Saúde mental infantil
A discussão ao redor da saúde mental como necessidade ainda é recente, ainda mais se considerada na ótica da psicoterapia infantil. Dados da OMS constatam que metade das doenças mentais começam a se desenvolver até os 14 anos de idade.
Crianças e adolescentes têm o direito de receberem ajuda psicológica, como afirma o Guia de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS). O documento retrata que se deve acolher, escutar, cuidar e enfrentar estigmas relacionados a esse público, reconhecendo-os “como seres integrais com direito à plena participação e inclusão em sua comunidade”.
Na busca por equilíbrio da saúde mental de uma criança, a principal alternativa é buscar por ajuda profissional com um psicólogo especializado. “A terapia é uma intervenção extremamente importante, principalmente em comparação com outros tipos de intervenções do senso comum”, afirma o psicólogo especialista em orientação parental e atendimento de crianças, Filipe Colombini.
Os terapeutas infantis buscam auxiliar os pacientes na busca por equilíbrio mental, ajudando as crianças a lidarem com problemas emocionais e não levarem essas dificuldades para a vida adulta. Entre os principais problemas enfrentados pelos mais jovens, estão o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), problemas de ansiedade, problemas de comportamento e depressão.
Meu filho precisa de terapia?
De acordo com o psicólogo clínico infanto juvenil, Miguel Bunge, cada doença mental tem suas características, mas existem fatores que podem facilitar o entendimento dos responsáveis na busca por ajuda profissional.
Existem sintomas e sinais que demonstram que uma criança pode estar sofrendo psicologicamente, como mudanças repentinas de humor, notas baixas, explosões de raiva, tristeza extrema, medo extremo, isolamento e falta de energia.
Acontecimentos traumáticos também podem desencadear problemas mentais, como mortes na família, bullying, divórcio, violência física, psicológica e sexual.
“Os pais podem observar se a criança tem um comportamento que está trazendo sofrimento para o entorno social dele, se ela briga muito com os amiguinhos, bate nos coleguinhas, xinga a professora, não respeita as normas da escola ou se ela tem comportamentos que faz mal ela mesma, como a timidez ou o a auto mutilação”, detalha.
A atenção é essencial nesse momento, como explica Filipe Colombini. “Os pais devem ser treinados a observarem isso. É uma habilidade que eu chamo de responsividade, de estarem sensíveis às demandas atuais do filho, estarem conectados com o que ele precisa e como ele está se expressando, sentindo e pensando. É importante esse treino de observação de sensibilidade. Não adianta só ter um tempo de qualidade, e sim ter frequência”, diz.
Após observar fatores que podem indicar problemas psicológicos nos pequenos, é a hora do responsável decidir buscar ajuda profissional.
Como a terapia funciona?
A terapia de crianças engloba três esferas principais, como afirma Miguel. “Ela retrata o próprio indivíduo, que é a criança, a escola e a família, então a gente busca entender como que a criança se comporta em cada um dos ambientes, como a escola e em casa com a família”.
O primeiro passo do processo de terapia é uma avaliação global que pretende esmiuçar a situação do paciente: “A primeira etapa da terapia é uma avaliação, e essa avaliação vai dizer se essa criança precisa ou não de terapia. Muitas vezes, o pai está com alguma dúvida, alguma suspeita, e leva no psicólogo, e os psicólogos de maneira geral da infância fazem uma avaliação que dura em torno de um mês e meio”.
Cada psicólogo trabalha de uma forma diferenciada e com diferentes métodos de abordagem, mas depois das primeiras sessões, a maioria aposta em atividades lúdicas para captar a atenção dos pequenos. A imaginação da criança, então, ajuda o profissional na busca por equilíbrio mental do paciente.
“Falamos de uma maneira menos rebuscada como a gente falaria com os adultos. A terapia pode ser feita com jogos e brincadeiras, então a gente acaba até tendo mais recursos com as crianças do que a gente tem com os adulto”, declara. Com o avanço das atividades, os profissionais conseguem entender melhor sobre como podem ajudar a saúde mental da criança em questão.
E os pais?
A participação da família é essencial para o progresso das atividades terapêuticas da criança. Filipe explica que alguns momentos da terapia com a criança são discutidos e abertos para os pais, mas nem todos os momentos são expostos. “Os pais também precisam ter passado por um trabalho de orientação e treinamento parental para receber [as informações sobre o filho na terapia] e tratá-las de maneira bastante cuidadosa”.
De acordo com Miguel Bunge, existe uma relação de confidencialidade entre o paciente menor de idade e o psicólogo. “Quando uma criança, por exemplo, fala de quem que ela é apaixonada, por exemplo, a gente nunca vai contar para os pais. Não fazemos fofoca, e sim falamos apenas aquilo que é relevante para o desenvolvimento do quadro clínico”
“Não necessariamente descrevemos as falas da criança, mas a gente descreve agora os comportamentos para orientarmos os pais a seguirem alguma conduta em casa. A única questão que vai fazer a gente quebrar nosso sigilo é se a criança estiver na situação de risco”, finaliza.