Comecei a dançar balé desde muito cedo, lá pelos 7 anos. Durante a infância e a pré-adolescência, eu tive aquele corpinho sequinho, bem padrãozinho e amado pelo balé clássico. Entretanto, aos treze anos eu menstruei pela primeira vez e com isso o me corpo mudou, ganhei coxas mais grossas, meu quadril aumentou e o meu peito ficou mais volumoso. Eu saí daquele corpo magrinho infantil para um corpo de uma adolescente.
E, com isso, as pessoas à minha volta começaram a criticar muito o meu corpo, principalmente no ambiente do balé, as cobranças para eu emagrecer sempre eram muitas. Fui atrás de modos de como perder peso na internet, nos anos 2000 era muito comum ter inúmeras dicas e dietas que prometiam perder 5 quilos de forma muita rápida. Consumindo todos esses absurdos sobre emagrecimento, daquela época, passei quase dois meses sem comer direito, mas consegui emagrecer.
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A reação das pessoas com a minha perda de peso foi o que girou uma chavinha na minha cabeça. Sentia que ser magra era sinônimo de ser amada, de carinho e elogios e com isso eu fui querendo ficar cada vez mais magra, pesquisando na internet formas de como emagrecer.
Naquela época, tinha muitos blogs sobre emagrecimento, que ensinavam formas perigosas de emagrecer e controlar cada caloria que você comia. Também descobri blogs sobre anorexia e bulimia que diziam para ficar dois ou quatro dias sem comer e foi o que eu fiz. O meu comportamento era ainda mais endossado pelas pessoas ao me redor, a minha coreografá da época controlava toda a minha alimentação, eu só podia comer duas castanhas por dia. Além disso, seguindo esses blogs, eu ficava dias sem comer, quase até desmaiar, era como um vício.
Lá para os meus 15, 16 anos a minha anorexia estava mais grave e passei a ter episódios de compulsão alimentar e, devido a isso, comecei a induzir vômitos e a usar laxantes. Para mim, vomitar era quase como um ritual, era como se eu expulsasse todos os sentimentos conflitantes que estava sentindo e não queria lidar. Chegou ao ponto de eu ficar me cortando no braço.
Eu tinha desejos suicidas, porque acreditava que se não tivesse aquele corpo capa de revista, não poderia encontrar a felicidade. Aquilo que era vendido como felicidade na época. Precisamos ter muito cuidado com aquilo que é nos vendido como belo, eles vendem coisas que colocam a nossa vida em risco e um padrão completamento inatingível.
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Quem descobriu o que estava acontecendo comigo foi o meu pai, ele já morreu há algum tempo, mas nós eramos muito próximos. O meu pai notou que toda vez que eu ia almoçar, eu saia da mesa correndo, com a desculpa que iria tomar banho. Ele veio até mim e me perguntou o que estava acontecendo.
Quando você sofre com transtornos alimentares, a última coisa que você quer é chamar a atenção, a gente tenta disfarçar ao máximo a situação. Existe um padrão de comportamento, eu só usava roupas largas e sempre cobria os meus braços, apenas no balé eu deixava as pessoas perceberem que estava perdendo peso.
Eu revelei tudo para o meu pai e ele prontamente me encaminhou para a terapia. Fiz um ano de tratamento e a ideia de expurgar tudo de dentro de mim, através dos vômitos, melhorou muito. No entanto, eu cometi um erro, acreditei estar curada. Acho importante falar que anorexia e bulimia não tem cura, você apenas aprende a lidar com elas, para não cair nesse padrão de comportamento novamente.
Por um tempo eu fiquei muito bem, contudo, quando fui estudar e trabalhar em São Paulo sozinha, novamente traços dos meus antigos hábitos voltaram a aparecer. Eu não estava vomitando, mas ainda estava fazendo dietas malucas, acompanhadas do uso de remédios, o que me causou, durante anos, diversas dores, tontura, pressão baixa e cãibras.
Porém, foi na pandemia que tudo piorou. Foi um período horrível, fomos abandonados pelo governo, muitas pessoas morreram e o sentimento era de constante medo. E foi nesse momento que a minha bulimia retornou, como resultado da minha ansiedade.
Mas eu também percebi que eu nunca havia me curado, eu estava doente desde a adolescência até os 30 anos e só não queria admitir. Tomei coragem e comecei a fazer terapia multidisciplinar, com uma nutricionista e uma terapeuta comportamental alinhadas e com esse tratamento eu finalmente me vi livre dos meus comportamentos tóxicos.
Voltando para as gravações
Depois do meu tratamento, durante a pandemia, eu voltei para as gravações com uma nova mentalidade, não estava mais dependente de uma alimentação extremamente regrada, voltei até mesmo a comer pão com tranquilidade.
Atualmente eu tenho uma relação muita próxima com a minha personagem, (Bruna na série, Vale dos Esquecidos, da HBO Max), nós duas vivenciamos situações muito parecidas, como a violência sexual em um relacionamento. Há muitos anos, eu vivi um relacionamento em que eu sofria violência sexual, entretanto, eu estava tão absorvida pelo transtorno alimentar que eu não conseguia enxergar o que estava acontecendo comigo.
Eu só fui entender isso quando eu comecei a fazer parte de um coletivo de mulheres feminista e, lá, uma das meninas deu um relato sobre violência sexual e ali eu vi a minha própria história, foi o momento em que a ficha caiu para mim. Com a ajuda dos meus amigos e familiares consegui sair daquele relacionamento.
Concluindo, eu só gostaria dizer para as pessoas que passam por transtornos alimentares, que elas não estão sozinhas e que o que elas estão passando é mais comum do que elas imaginam. Para elas buscarem tratamento, porque uma vida além do transtorno é possível, elas podem ter uma vida feliz e livre.