Dismorfia corporal: transtorno leva à busca extrema pela perfeição

Entenda mais sobre a dismorfia corporal, um transtorno de saúde mental que afeta milhões de pessoas em todo o mundo

Foto: FreePik
Entenda mais sobre a dismorfia corporal, um transtorno de saúde mental que afeta milhões de pessoas em todo o mundo


Quando completou 18 anos, Evelyn* implorou aos pais por uma lipoaspiração. Determinada a ganhar seu presente de aniversário, ela marcou uma consulta com um famoso cirurgião plástico de Higienópolis, um dos bairros mais ricos de São Paulo (SP): “eu me enxergava como uma pessoa totalmente acima do peso. Eu estava convencida que precisava de uma intervenção cirúrgica para sobreviver”.

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O profissional, no entanto, não topou fazer a intervenção. “Depois de conversar comigo sobre o que eu queria, ele indicou uma consulta com uma psiquiatra. Quando fui, recebi um diagnóstico que não imaginava: eu tinha transtorno de dismorfia corporal.”

O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é uma condição mental marcada por uma excessiva preocupação com a aparência física, levando a uma busca por imperfeições e defeitos do corpo. Esse comportamento pode levar a um sofrimento significativo e também interferir na vida social, familiar e profissional do indivíduo.

Desde 1980, o TDC é um transtorno registrado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, documento de padronização de diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Atualmente, ele faz parte do espectro do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).

A dismorfia corporal pode levar a diversos comportamentos prejudiciais, como a preocupação excessiva com uma parte do corpo, horas perdidas olhando para o espelho e a procura por cirurgias plásticas e tratamentos estéticos invasivos, como foi o caso de Evelyn*. “Eu queria perder um peso que nem tinha. Inventava que precisava de botox, lipo, implante. Quando olho para trás, consigo enxergar com clareza que meu corpo não era daquela forma.”

“O indivíduo dedica várias horas por dia para “amenizar” as supostas alterações, fazendo com que pensem que os outros estão reparando, julgando ou menosprezando sua aparência, o que também pode levar à busca por procedimentos, bem como abuso de maquiagem, roupas e adereços para tentar disfarçar as ‘imperfeições’”, explica Fabiano de Abreu, psicólogo, pós-doutor e especialista em Neurociência.

O funcionamento social é afetado por esses comportamentos, já que o paciente pode sofrer com ansiedade e vergonha de seus supostos defeitos, levando-o a evitar situações sociais e a uma dificuldade de estabelecer e manter relacionamentos concretos.

“A pessoa se sente constrangida e evita contato social. Ela pode faltar no trabalho, num aniversário, faltar a escola, e até evitar sair de dia e optar pela noite para não ser tão vista. Isso dá origem a um isolamento social”, pondera Lala Fonseca, pós graduanda em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP) e terapeuta há 14 anos com abordagem cognitiva comportamental. 

“Outro sintoma que a gente enxerga também é um comportamento repetitivo, porque a pessoa acaba criando algumas manias, como se olhar repetitivamente no espelho ou arrumar o cabelo de determinada maneira”, explica a profissional.

Outros transtornos também podem ser desenvolvidos com a dismorfia corporal: segundo Lala, 80% das pessoas com TDC sofrem com ideações suicidas. “Esse problema leva a diversos outros transtornos inter-relacionados, como depressão,  ansiedade e abuso de álcool e drogas, além do comportamento voltado para o suicídio.”

O TDC pode afetar até a saúde física, retoma Abreu: é comum enxergar, nesses pacientes, a adesão a dietas super restritivas, vômitos forçados, excesso de exercícios físicos e uso abusivo de medicamentos inibidores de apetite, o que pode desencadear transtornos alimentares, como bulimia e anorexia.

Diagnóstico

"O diagnóstico de TDC pode ser bastante difícil”, afirma Abreu. “Muitas vezes a própria pessoa não consegue identificar o problema, podendo persistir na condição por anos” De acordo com o DSM-5, os critérios diagnósticos para TDC incluem:

  • Preocupação com um ou mais defeitos percebidos ou falhas na aparência física que não são observáveis ou são insignificantes para os outros.
  • A preocupação causa sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas do funcionamento.
  • A preocupação não é melhor explicada por preocupações com a gordura corporal ou peso em um indivíduo cujos sintomas atendem aos critérios diagnósticos para um transtorno alimentar.
  • A preocupação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (por exemplo, insatisfação com a forma e o tamanho do corpo em um indivíduo com anorexia nervosa).

Para fazer um diagnóstico de BDD, um profissional de saúde mental normalmente realiza uma avaliação completa, incluindo uma entrevista clínica, além de questionários padronizados ou escalas de classificação para avaliar a gravidade dos sintomas.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o tratamento mais comum para o TDC, já que é uma abordagem centrada no presente, que ajuda as pessoas a identificar e mudar pensamentos e comportamentos negativos que afetam seu bem-estar emocional. 

Os medicamentos, como os antidepressivos, também podem ser úteis no tratamento do TDC, especialmente se o paciente tiver sintomas de depressão ou ansiedade. 

Além disso, é importante lembrar que o tratamento para o TDC é altamente individualizado e pode variar dependendo do paciente e da gravidade dos sintomas. O tratamento pode incluir terapias complementares, como a terapia ocupacional ou terapia de grupo.

A recuperação completa do TDC pode levar tempo, mas com o tratamento adequado e o apoio de um profissional de saúde mental, a maioria dos pacientes pode ver melhorias significativas em seus sintomas e qualidade de vida. É essencial procurar ajuda profissional se você ou alguém que você conhece está lutando com TDC ou qualquer outro problema de saúde mental.

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“No tratamento é muito importante que o paciente perceba que ele tem um transtorno e não um problema com a própria imagem, que a questão não é algo que as outras pessoas percebem. Então ele percebe que ele tem uma doença e partir consegue participar do tratamento, consegue perceber as próprias distorções”, detalha Lala.