Data celebra a importância do gênero feminino na pesquisa
Foto: Reprodução/Freepik
Data celebra a importância do gênero feminino na pesquisa

O Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências é comemorado neste sábado (11). Celebrada desde 2016, a data foi desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para destacar e reivindicar a participação feminina na comunidade científica.

Segundo o Instituto de Estatística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), as mulheres representam mais da metade dos estudantes em nível universitário, mas menos de 30% dos pesquisadores. Em setores relacionados ao modelo de ensino STEM, que engloba ciência, tecnologia, engenharia e matemática, esse valor é ainda menor: apenas uma em cada quatro pessoas empregadas nessa área é do gênero feminino.

A pequena presença de mulheres na STEM revela um dado importante sobre a falta de diversidade na comunidade científica, já que esse modelo de ensino representa profissões de grande importância para o desenvolvimento de um país, como Agronomia, Bioquímica, Programação e Estatística. 

No Brasil, os principais institutos de pesquisa desenham o mesmo cenário. Dados da  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) apontam que, por mais que as mulheres representem 52% das bolsas de pesquisa do estado, elas ainda são minoria em cursos relacionados à STEM. Nas Engenharias e em Ciências Exatas e da Terra, apenas um a cada três bolsistas da FAPESP se identifica como mulher.

Para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a situação é a mesma. Um estudo da revista Configurações afirma que entre os anos 2010 e 2021, o órgão ofereceu 184.728 bolsas de produtividade em pesquisa, reservadas apenas para pesquisadores que demonstram excelência e destaque na produção científica. Desse valor, 64,7% bolsistas são homens e 35,3% são mulheres.

Esse cenário não é recente: fatores como estereótipos de gênero, desigualdade, machismo e falta de ações afirmativas resultam em poucas mulheres na ciência.

Karla Bessa, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), explica que a falta de mulheres na ciência envolve um imaginário persistente de divisão de gênero, que ainda liga áreas de cuidado, como educação, psicologia, medicina, serviço social como profissões movidas por uma suposta ‘sensibilidade feminina’.

"Essa ideia também liga áreas que envolvem gestão de conflitos, raciocínios lógicos e que são pouco emotivas, que exijam esforços ou exposição físicas, investimentos de longas horas de trabalho ou até mesmo de ausência do lar, como algo que se conforma melhor aos homens (engenharias, oceanografia, química,física, enfim, várias áreas entrariam nessa primazia masculina por aptidão natural”, atesta.

Para Marystela Ferreira, docente e pesquisadora da área de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o preconceito estrutural é o principal culpado pela baixa porcentagem de mulheres pesquisadoras. Segundo a química, o ‘lugar das mulheres’ como donas de casa, mães e esposas foi um fator que as afastou da ciência.

Figura presente na comunidade científica desde os anos 90, Marystela já vivenciou grandes situações que revelam a disparidade de gênero. “Num tempo não muito distante, cerca de 30 anos, conheci homens em posição de liderança que não queriam mulheres pesquisando em seus grupos porque elas poderiam engravidar e assim, ‘atrasar’ a pesquisa”, conta a especialista.

Entre as principais dificuldades enfrentadas por mulheres na ciência, a docente cita a pouca representatividade das mulheres em cargos de liderança, microagressões machistas e sexistas, assédio e a necessidade de conciliar a carreira com responsabilidades familiares. 

Existe um movimento, no entanto, que busca reverter essa situação. É o que reflete Karla: “vejo que houve conquistas importantes ao longo das últimas três décadas de modo geral, melhor estruturação dos programas de pós-graduação no país e, por algum tempo, houve incentivo de editais voltados para pesquisas sobre as questões sociais, políticas e culturais que afetam diretamente mulheres cis, trans, negras, indígenas e periféricas.” 

A pesquisadora explica que nos últimos trinta anos, ocorreram importantes revisões de currículos, “com maior atenção para os resultados de pesquisas de mulheres, incorporando também os debates sobre a colonialidade do conhecimento.”

“A invisibilidade [da produção feminina na ciência era tácita e agora percebemos a necessidade de importantes revisões na formação acadêmica como um todo, para que as novas gerações levem consigo para seus exercícios profissionais muitas reflexões e experiências que não estavam no rol dos conhecimentos legitimados pelos pares”, finaliza.

Um exemplo real

A bióloga Jaqueline Goés foi destaque internacional pelo protagonismo de suas pesquisas na pandemia
Arquivo pessoal
A bióloga Jaqueline Goés foi destaque internacional pelo protagonismo de suas pesquisas na pandemia

Quando se fala de ciência e saúde, pode ser difícil entender a importância e o impacto do trabalho dos pesquisadores na vida real. Mas, durante a pandemia de Covid-19, o Brasil teve uma figura única, marcante e de reconhecimento internacional: a biomédica baiana Jaqueline Goés.

Graduada em Biomedicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e Doutora em Patologia Humana pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), olhos de todo planeta se voltaram para Góes em 2020, quando a pesquisadora fez parte da equipe que sequenciou o genoma do coronavírus 48 horas depois da detecção do vírus no Brasil.

Ao descrever sua trajetória como mulher na ciência, ela reflete: “não foi fácil”. “Por muito tempo, eu enxerguei certas coisas como normais, inclusive preconceito, descrédito e racismo reproduzido por outros pesquisadores. Para mim, aquilo era o modus operandi, era dessa forma, então eu simplesmente me silenciei”, diz Góes.

A mudança desse cenário ocorreu não pela transformação da comunidade científica, mas por um letramento racial e de gênero da biomédica. “Desde que eu entendi que o preconceito não era normal, eu já não conseguia mais me calar diante das injustiças, então eu comecei realmente a me posicionar.”

Jaqueline cita que, na área científica, é comum que mulheres sofram com o descrédito dos colegas de pesquisa. “Duvidam do nosso trabalho, da nossa capacidade, da nossa habilidade. Tem quem acredite que uma mulher não consegue fazer o mesmo trabalho que um homem e isso obviamente não faz nenhum sentido. São microviolências que a gente vive no nosso ambiente acadêmico.”

Enfrentando obstáculos com dedicação, estudo e rigor, a cientista se consagrou como um dos principais nomes da biomedicina no Brasil. Reconhecida pelo protagonismo na luta contra o Coronavírus, Jaqueline virou até Barbie: por conta de seu papel na ciência para as mulheres, a biomédica foi homenageada pela Mattel em uma coleção com outras cinco cientistas.

Representante das mulheres, principalmente negras, na produção de pesquisa, ela confessa que demorou para compreender o impacto de suas ações, já que não teve tantas referências na ciência. “Eu comecei a estudar referências femininas e negras depois de muito tempo”

Assim, ela conseguiu perceber a importância da presença feminina (e negra) na sua área. “Quando escuto os feedbacks de meninas 13 e 14 anos que pensam em ingressar numa universidade, que querem fazer ciência, que querem estudar, é quando eu vejo o efeito disso”

“O que espero que eu seja o exemplo para elas entenderem que é possível sim, né? Chegar como mulher, com a pele da cor que elas têm, com o cabelo na textura que elas têm, é possível se enxergar no ponto de sucesso. Isso sim é representatividade”, finaliza.

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