Nos últimos anos, as mulheres estão ganhando um pouco mais de espaço no mercado editorial. De acordo com dados do site de autopublicação Clube de Autores, em abril deste ano 44% dos autores publicados pela plataforma eram mulheres, contabilizando um aumento de 10% em comparação ao ano de 2021.
O dado revela um aumento considerável de autoras publicadas no Brasil. Um mapeamento da pesquisadora Regina Dalcastagnè aponta que, entre 2005 e 2014, apenas 29,4% dos livros das três principais editoras do Brasil (Rocco, Record e Companhia das Letras) foram publicados por mulheres.
No entanto, o aumento apontado pela pesquisa do site Clube de Autores ainda não reflete a presença da mulher no mercado editorial: em 2012, o Instituto Pró-Livro apontou que 57% dos leitores brasileiros são mulheres. Mesmo como maioria na procura por livros, as mulheres ainda não dominam a produção de obras no país.
Mercado editorial
Para a Cecília Castro, fundadora e diretora editorial da editora Luas, a história da literatura revela, desde o início, uma discrepância entre o número de mulheres e homens publicados.
A tripla jornada, a desigualdade no mercado de trabalho, a invisibilidade e os papéis sociais pré-estabelecidos são alguns dos principais desafios enfrentados pelas mulheres que desejam se tornar escritoras no Brasil.
“Socialmente, as mulheres têm menos tempo para si e menos tempo para poder se dedicar à leitura, fator que muitas vezes é o que se exige de um bom escritor’’, declara.
Com tantos contratempos, a publicação se torna inviável para muitas mulheres. ‘’Muitas escrevem, mas poucas publicam’’, afirma Cecília.
Na tentativa de reverter essa problemática, a profissional fundou a editora Luas, que tem como objetivo ‘’encontrar, publicar e unir mulheres em torno da linguagem escrita, da produção editorial, da arte, de estudos e pesquisas em todas as áreas com foco no universo da mulher’’.
Desde a fundação, a editora Luas já publicou treze obras completas. Entre eles, estão as obras ‘Memorial do Memoricídio – escritoras esquecidas pela história’ e ‘Mulheres e imprensa no século XIX’.
Por mais que a iniciativa já conte com diversos livros publicados, Cecília afirma que ainda existem muitos obstáculos nesse processo. ‘’Nosso maior desafio é a divulgação e distribuição das obras. Isso é um desafio para todas as editoras, já que a tiragem é pequena e as livrarias cobram um preço bem alto’’.
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Cecília também aponta que existem soluções para a presença feminina na produção de livros. “Eu acho que faltam oportunidades e possibilidades para que as mulheres sejam publicadas. É necessário que haja um compromisso, das grandes editoras, de se publicar pelo menos metade de seus livros de autorias femininas’’.
‘’Esse compromisso pode reverberar nas leitoras que querem se tornar autoras, né? Porque elas irão ver que existem possibilidades e que o mercado não é tão difícil assim. Precisamos falar sobre isso’’, declara.
Escritoras
Entre a nova onda de mulheres no mercado editorial está Ray Tavares. Como escritora, Ray já publicou diversos livros: entre eles, estão os sucessos “Os 12 Signos de Valentina”, “Confidências de Uma Ex-Popular” e ‘’As Vantagens de Ser Você’’.
O mundo da escrita, para a jovem, começou desde cedo. Incentivada pelo universo de fanfics, a paulistana começou a produzir fanfics: ‘’Eu comecei a escrever quando tinha 13 anos. Eu gostava muito de uma banda chamada McFly e descobri que existiam fanfics sobre eles pela internet’’, afirma.
Em pouco tempo, as histórias de Ray sobre a banda inglesa começaram a fazer muito sucesso nas plataformas de leitura. A história ‘Noiei’, publicada em 2015, é a obra mais lida entre as fanfics sobre McFly no site Wattpad, acumulando mais de 700 mil visualizações.
Desde então, ela furou a bolha da internet e se tornou uma autora publicada pela Editora Galera Record, somando mais de 50 mil exemplares vendidos.
"As coisas estão de fato mudando. As mulheres estão em alta na literatura, estão vendendo muito. É legal ser uma mulher brasileira jovem que outras mulheres possam olhar e falar: ‘Poxa, se ela conseguiu, eu também posso’, sabe? A vida também é muito feita de exemplos’’, declara a autora.
No entanto, nem todos os momentos foram fáceis para Tavares. "A discriminação [de ser mulher] vem de formas bem sutis. Se você é mulher, você automaticamente está escrevendo uma história boba um romance bobo. [Para essas pessoas] a mulher nunca tem valor literário. Estamos confinadas nesses espaços’’.
A autora afirma que, desde que começou a escrever, sempre percebeu que existia certo receio das pessoas de consumirem um conteúdo ‘feminino’: “Sinto que [esse tipo de literatura] é diminuída pelas pessoas. Mesmo que a mulher esteja escrevendo um thriller ou uma fantasia, ela vai ser colocada nessa caixa’’.
Quando perguntada sobre o que o mercado editorial pode fazer para que mais mulheres escrevam, Ray afirma que é necessário que existam mais incentivos: ‘’Precisamos de mais políticas que mostrem que [a literatura] é uma profissão, né? E não só um hobby ou só um sonho impossível’’, finaliza.