Os contos de fadas e histórias de princesas em livros e filmes fizeram com que, por muito tempo, pessoas — especialmente mulheres — buscassem o relacionamento perfeito, com príncipe encantado e, muitas vezes, dispostas a beijar um sapo por isso. A ilusão de uma relação não ter a possibilidade de ser abusivo ou violento leva mulheres a relevar atitudes graves de seus parceiros somente por achar que é normal. Mas atenção: também é abuso se ele é seu namorado.
O rótulo de namoro, noivado ou casamento não anula atitudes abusivas de companheiros, eles também estão propícios a cometer abusos psicológicos , financeiros, físicos, patriarcal e até sexuais com quem mantém um relacionamento. Dados do Ipec mostram que, no Brasil, 25 mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica a cada minuto. Na pandemia, 13,4 milhões de mulheres sofreram algum tipo de abuso.
Escolher não ver
A bancária Letícia*, 22, conta que enxergava o abuso dentro do relacionamento, mas trabalhava para que a mente dela pensasse que aquilo era amor. “Eu tinha um namorado muito rico e não tínhamos a mesma rotina. Ele estava se relacionando com uma mulher no trabalho e eu não entendia o porque ele não me levava em reuniões de serviço. O dia que descobri, ele me implorou para ficar enquanto apertava meu braço e dizia que eu não era nada sem ele”, conta ela.
A bancária diz que na hora pensou que fosse desespero por ele ter feito coisa errada e resolveu dar mais uma chance. “Íamos para a igreja e lá ele se relacionou com outra mulher. Quando descobri, ele se uniu com várias pessoas da igreja e todos diziam que eu seria uma prostituta. Fui humilhada em público, eu era virgem, não tinha o porque dele falar assim de mim, ele me conhecia”, completa.
O que Letícia passou se enquadra em abuso e violência psicológica. O abuso psicológico, assim como descreve a lei Maria da Penha 11.340/2006 , é quando o companheiro tem condutas que causem danos emocionais em geral ou atitudes que visam limitar o comportamento e ações da outra parte envolvida.
Não é amor, é cilada
A psicanalista e psicoterapeuta Beatriz Breves explica que o primeiro e principal passo a ser reconhecido na relação abusiva é a tentativa de domínio e manipulação sobre o outro. Segundo ela, essas características se apresentam como manifestação de ciúme exagerado, extremo egoísmo em querer impor suas vontades ao outro, constante desvalorização que objetiva o sentimento de inferioridade e de intimidação, entre outras.
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A psicanalista reforça algumas das muitas atitudes abusivas tomadas pelos parceiros e que não são consideradas dessa forma. "Aquelas que, parecendo inofensivas, são experimentadas como demonstração de amor, zelo e carinho ao alegar, entre tantas possibilidades, por exemplo, proteção, para diariamente ir buscar a pessoa na faculdade ou no trabalho; saudades, para a todo instante estar telefonando de modo a saber o que está fazendo e onde a pessoa está; maior embelezamento, para decidir pelo outro a roupa que será usada”.
É possível conversar?
Se você notar alguma atitude suspeita e decidir conversar com a outra pessoa do relacionamento, a especialista conta que é importante estabelecer um vínculo de confiança para que, com tato, mostre os aspectos abusivos que estejam presentes na relação. Ela conta também que o abuso físico e mais fácil de ser detectado do que o emocional.
“Não há dúvidas de que as mulheres foram criadas para relevar certas atitudes masculinas que, se não são desculpadas, são pelo menos minimizadas. Quem nunca ouviu uma mulher dizer, por exemplo: ‘se é ciumento é porque me ama’; ou então, ‘mesmo não querendo, tive que fazer sexo com ele, mas entendo que homem é assim mesmo, tem necessidades diferentes das mulheres’; e, ainda, ‘ele é grosseiro comigo em certas atitudes, mas em compensação é gentil em outras’.”
Saindo de um relacionamento abusivo
Para se libertar de uma relação abusiva, o primeiro passo é reconhecer que está vivendo ela. "Feito isso, ter a noção de que não é impossível, mas é muito difícil se desvencilhar sem ajuda, até porque em uma relação abusiva se faz presente uma complexidade de sentimentos amorosos e não amorosos, por vezes, difíceis de serem identificados e libertos em seus nós afetivos", conta.
Por fim, mas não menos importante, Braves lembra que muitos criticam as pessoas em relações abusivas falando que se elas permanecem na situação é porque gostam, mas que não é bem assim. "Muito mais importante do que criticar é compreender que diante de uma relação abusiva, estamos diante de um sofrimento humano, um sofrimento que machuca, e muito, os pares e precisa ser tratado, pois, ninguém precisa viver maltratando ou sendo maltratado."