Na última quarta-feira, 7, João Luiz e Juliette Freire falavam, no Big Brother Brasil 21, sobre a autodeclaração racial no Brasil, quando Thais Braz disse que se reconhecia como “morena”. Em seguida, depois que os Brothers tentaram corrigi-la, ela afirmou ser “parda” . Entretanto, a categoria "morena" não existe na atual classificação racial oficial do Brasil, já que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera apenas as seguintes categorias: branco, pardo, preto, amarelo e indígena.
No censo, realizado a cada dez anos pela organização, a população responde o quesito “cor ou raça”, se autodeclarando pertencente a uma dessas. A classificação atual existe desde o censo de 1991. De acordo com Jaqueline da Conceição, doutoranda em antropologia e criadora do coletivo Di Jejê, plataforma de ensino voltada para questões raciais, não existe um critério único e simples para alguém se identificar como de determinada raça, mas, idealmente, a declaração deve partir de uma reflexão sobre a história, cultura e contexto racial em o que indivíduo está inserido.
“Não existe uma definição, por isso que o termo é ‘autodeclaração’, porque parte da construção social e racial que a pessoa tem sobre si e que a família tem sobre ela, para o registro civil de nascimento”, diz a pesquisadora.
No BBB, outra sister, Viih Tube, chegou a corrigir Thais: "você é branca!", mas ela insistiu na ideia inicial até que Juliette finalizou a conversa: "você não é parda, amiga, mas você é o que você quiser", disse em tom de brincadeira.
“No Brasil, a identidade branca é disputada entre brancos e negros de pele clara, pelo lugar do pardo. E a identidade negra é disputada também como uma forma de afirmação do lugar político do sujeito negro, principalmente nos dias de hoje, não em relação ao acesso a espaço institucionais de poder, como pessoas negras no Senado, por exemplo
, mas em dinâmicas de grupo racial e de grupo social que não tem nada a ver com o espaço institucional, mas com vida cotidiana”, explica a pesquisadora.
É nessas disputas políticas pelas identidades que é comum que uma pessoa com traços fenotípicos [biológicos] de determinada raça queira se afirmar como de outra raça, inclusive utilizando o critério da autodeclaração. “Em um país que odeia os negros, o racismo e o auto-ódio, somado à narrativa de que ser branco é bom, leva pessoas negras o desejo de serem brancas”, opina Jaqueline.
Já sobre o contário, quando uma pessoa branca afirma ser parda ou preta, a pesquisadora afirma que a resposta precisa ser investigada. “Insistimos em não pensar criticamente a branquitude. Por que uma pessoa branca com fenótipos de branco se autodeclaria preta? Qual é o interesse que essa pessoa tem ao fazer isso? Por que que tem alguma relevância ter essa identidade no sentido político?”, questiona.
“A questão racial no Brasil, ela é muito complexa e a gente precisa mudar as perguntas que temos feito. Os intelectuais já comprovaram que o racismo existe, a Lélia Gonzalez
fez isso muito bem, o Abdias do Nascimento, a Beatriz Nascimento e muitos outros. O desafio que está colocado agora é a gente começar a pensar fora desse marcador binário, branco versus preto, e começar a entender criticamente o que é ser branco e o que é ser preto”.
Pólíticas públicas raciais no Brasil
A pesquisadora explica que a classificação de raças brasileiras é utilizada, dentre outros marcadores sociais, como gênero e idade, para compreender a realidade da população do país, em todas as regiões, e também como pressuposto para elaboração de políticas que reduzam a desigualdade social e garantam direitos.
“As políticas públicas são formuladas no Brasil a partir das demandas da sociedade que foram construídas e consolidadas historicamente a partir de índices estatísticos e de informações coletadas nos últimos, 20, 30 anos. Essa tipificação por cor ajuda a entender qual é o desenho populacional na perspectiva racial e quais são as políticas específicas para cada grupo social, de acordo com a presença ou a ausência dessas pessoas nos espaços e atrelado a outros marcadores sociais, como gênero, território, idade e deficiência física”, afirma.
Segundo a pesquisadora, a autodeclaração passou a ser uma forma de computar essas informações de raça a partir da Constituição Federal de 1988. Antes dela, o que valia era uma definição racial a partir do fenótipo, características físicas e biológicas, que hoje ainda são usadas como critério para aplicação da lei de cotas em concursos públicos e vestibulares, por exemplo, a fim de evitar que a autodeclaração possa ser usada para infringir a lei.