Trans crucificada em Parada LGBT expõe transfobia e quer se reinventar na música

"Uma vez eu estava numa agência e ouvi alguém dizer que ali não era o meu lugar, que eu devia ir pra Avenida Indianópolis [ponto de prostituição em São Paulo]", diz Viviany Beleboni ao Delas. Agora, ela tenta uma nova carreira para esquecer o que passou e ainda ajudar a comunidade

No dia 7 de junho de 2015, a Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, se encheu de pessoas para a celebração da 19ª edição da Parada LGBTQIAP+ , evento carimbado no calendário da cidade e do mundo todo. Em um dos trios estava uma mulher trans crucificada , fazendo referência à crucificação de Jesus Cristo. Em cima dela, uma placa com os dizeres “Basta de homofobia com GLTB” escritos em “sangue”.


A artista, modelo e ativista Viviany Beleboni se inspira em Anitta e Madonna para sua carreira musical
Foto: Reprodução
A artista, modelo e ativista Viviany Beleboni se inspira em Anitta e Madonna para sua carreira musical


O nome por trás da performance é a artista, modelo e ativista Viviany Beleboni, e aquele foi o momento em que começou a ser mais reconhecida. Cinco anos se passaram e, em 2020, Viviany quer se preparar para lançar uma carreira musical.

Com inspirações que vão de  Anitta a Madonna , VYVY, como será seu nome artístico, quer consolidar sua marca registrada nas batidas dançantes capazes de levar as necessidades da comunidade marcadas nas letras. “Quero fazer arte para falar sobre os preconceitos no mundo e criticar o atual governo, quero ter uma marca minha. Tem que ser político e a música tem que ser legal. Estou bem ansiosa porque quero muito que tudo dê certo”, afirma VYVY ao Delas.

“O que tá acontecendo no mundo é a minha inspiração. Eu consigo sentir o que o mundo precisa falar nesse momento”, diz, colocando a “culpa” em seu signo . Canceriana, ela afirma ser uma pessoa muito sensitiva e conectada com a arte desde criança.

Carreira artística

As coreografias das músicas de Britney Spears e Christina Aguilera feitas no pátio da escola com as amigas logo passaram a se tornar performances em palcos de baladas LGBTs na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Viviany começou a frequentar esse mundo quando tinha 16 anos e fazia curso para se tornar modelo. A partir daí, foi evoluindo até se tornar uma das presenças marcantes de paradas do orgulho e algumas das boates mais badaladas.

“Meus shows sempre eram os mais esperados porque eu sempre fazia uma coisa diferente de todo mundo. Eu criava roupas futuristas, saía voando com ajuda de um guindaste. Bato a cabeça para inovar, tenho agonia de mesmice”, conta a artista.

Os obstáculos de pessoas trans para o estrelato

Mesmo sabendo que tem toda criatividade necessária para estourar no mundo da música, Viviany é tomada por angústias e incertezas. Isto porque ela tentou uma carreira na televisão há alguns anos, mas decidiu recuar após ter vivido diversos ataques transfóbicos.

“Em São Paulo ninguém queria me dar um emprego porque eu parecia ser trans . Uma vez eu estava numa agência e ouvi alguém dizer que ali não era o meu lugar, que eu devia ir pra Avenida Indianópolis [um dos pontos de prostituição mais conhecidos da cidade]. Eles não viram que eu ouvi, mas eu ouvi”, conta.

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A modelo começou a ser mais requisitada depois de ter feito algumas plásticas que a tornaram “mais parecida” com uma mulher cis. “Quando eu mandava os meus documentos eles me bloquearam ou me falavam que eu não era mais o perfil”, lembra. Segundo ela, isso chegou a acontecer em uma edição de um dos maiores festivais de música do Brasil e do mundo.

Uma situação similar aconteceu em um comercial de operadora de telefonia, em que participou de um teste com outras 10 mulheres trans. No fim, ela descobriu que o diretor do comercial optou por uma mulher cis. “Uma amiga que trabalhou na produção desse trabalho me contou que, segundo o diretor, travesti não combinada para ser repórter”, lembra.

Viviany também afirma que sente que pautas relacionadas às pessoas trans também têm muito preconceito dentro da comunidade LGBT, o que a deixa receosa. “Tenho medo de gastar todo meu dinheiro fazendo algo que ninguém vai se importar. Esse é um momento em que eu preciso muito do apoio da comunidade.”

A vontade de trabalhar com arte fala mais alto

Em meio a tantos obstáculos, ela decidiu se mudar para Londres e explorar suas ideias em outro lugar: na prostituição. Segundo a modelo, esse foi o espaço que restou para ela. “Até os ensaios sensuais que eu fazia eram diferentes. Fazia ensaio de robô, em ferro velho, como boxeadora… Chamava tanta atenção que outras meninas começaram a fazer também”, conta. “Como não podia usar isso como forma de trabalho, usei dentro da  prostituição mesmo”, acrescenta.

Mas Viviany desabafa ao Delas e diz que sente que chegou ao seu limite. Desde que se mudou para Londres, ela comenta que as pessoas imaginam que sua vida é “um mar de rosas”, mas ela fala que está longe disso. Todos os dias ela sente falta da família e do cachorro, que ficaram no Brasil.

Além disso, sua rotina é marcada por crises de ansiedade, já que, por conta da crucificação, Viviany afirma que é ameaçada de morte por internautas nas redes sociais até hoje. Em Londres, ela contou que chegou a ser ameaçada por ser trans por outras profissionais do sexo.

“Eu sinto que tô desperdiçando minha juventude. Muitas travestis se suicidam se drogam para esquecer da realidade, e é porque não é fácil mesmo. As pessoas não têm noção e julgam demais”, diz.

Por esse motivo e pelo desejo latente de viver de arte, Viviany acredita na importância de continuar investindo. Para ela, é importante poder trabalhar com o que gosta, e ela deseja ter esse mesmo privilégio para si.

Questionada sobre o que ela pretende fazer caso as coisas deem errado, ela afirma que pelo menos tentou. “O que vou fazer? Ser p*** para o resto da minha vida? Não dá, eu tô no meu limite, não é o que eu gosto de fazer”, responde.

Além de incorporar a arte como parte da sua vida cotidiana, um dos maiores desejos de VYVY é poder ajudar a comunidade LGBT. Ela sentiu na pele a dor de ter sido expulsa de casa quando era mais nova. Por isso, seu desejo é doar parte dos seus lucros para casas de acolhimento.

Se a maior parte das pessoas quer ser rica para ostentar, Viviany afirma que quer ser rica para ajudar o outros. “Eu quero trabalhar com arte e quero ajudar a comunidade. Isso precisa dar certo”, afirma.