As cirurgias plásticas e procedimentos estéticos são populares há muito tempo no Brasil, país que lidera intervenções desse tipo no mundo. O período de isolamento social, porém, destacou o interesse das classes média e alta pelas cirurgias: o termo “rinoplastia” - a plástica realizada no nariz -, por exemplo, apresentou um crescimento de mais de 4.800% nas ferramentas de busca do google entre os meses de março e junho. O dado aponta uma tendência de comportamento e, também, uma importante discussão sobre autoimagem.
O aumento na procura pelos procedimentos também é confirmada pelos profissionais da área. De acordo com o cirurgião plástico Dr. Paolo Rubez, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, os pacientes dão preferência às “cirurgias plásticas faciais, que causam maior inchaço e podem ser feitas nesse momento”. Ainda segundo o médico, o trabalho remoto permite que os pacientes realizem o procedimento sem necessariamente pedir afastamento do emprego.
Além disso, os profissionais afirmam que o inverno - que ocorre neste período no hemisfério sul - é outro “atrativo” para o pós-operatório. Segundo Arnaldo Korn, diretor do Centro Nacional de Cirurgia Plástica, “a temperatura mais amena contribui para a cicatrização, pois no frio, já que por ser comum o uso de mais peças de roupa, a cicatriz fica mais protegida”.
Os fatores, porém, não são os únicos capazes de interferir na busca por alterações em características no corpo ou no rosto, especialmente durante um momento que desaconselha a realização de cirurgias eletivas. A relação com a autoimagem durante o isolamento social, que já dura mais de três meses, pode ser outra forte influência.
“A pressão estética e a associação entre beleza e valor não é uma novidade, principalmente entre as mulheres. Desde o início da quarentena, todavia, essas questões ganharam mais destaque nas consultas”, relata a psicoterapeuta Giuliana Ruiz, criadora do canal feminino DonnaDela .
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Segundo Giuliana, a busca por mudanças na aparência, em si, não é necessariamente nociva. O risco, porém, surge na associação frequente entre a beleza física e a autoestima . “Normalmente, quando pergunto o motivo de as minhas pacientes realizarem uma cirurgia, elas respondem que isso vai melhorar a autoestima. O que precisamos questionar é o motivo dessa autoestima estar sempre relacionada à aparência”, reforça.
Aumento da presença nas redes sociais pode reforçar inseguranças
O aumento de mais de 40% na frequência de uso do Instagram e Facebook e recorde downloads do aplicativo Tiktok, que chegou a um bilhão de usuários entre os meses de março e junho, também estabelecem uma relação indireta com a visão que os usuários têm sobre si mesmos.
Relação que também não é novidade. Em outubro do ano passado, antes do início da pandemia, a empresa responsável pela criação de filtros para o Instagram decidiu banir do seus sistema opções que simulam as cirurgias plásticas. De acordo com a empresa, houve relatos de interferência negativa da ferramenta na autoestima de usuários que a levaram a "reavaliar as políticas vigentes no que diz respeito ao bem-estar". Essa interferência é um fenômeno conhecido pelos profissionais de saúde e tem nome: dismorfia.
O transtorno dismórfico corporal (TDC) vai além de uma preocupação com padrões de beleza e atinge níveis patológicos de obsessão com “defeitos” que o paciente considera ter na aparência. Em 2018, um estudo realizado pelo Boston Medical Center apontou pela primeira vez a relação entre o transtorno e os filtros nas redes sociais, alertando para “um ciclo de opressão da beleza muito mais grave do que aquele gerado pelas capas de revista e passarelas”.
Os filtros não são o único fator a atrelar o uso da rede - conhecida por lançar uma enorme quantidade de influencers e tendências de moda - à relação dos usuários com a autoestima e aparência. De acordo com uma pesquisa aplicada pela Academia Americana de Cirurgiões Plásticos em 2017, cerca de 55% das pessoas que realizaram uma rinoplastia naquele ano disseram ter sido motivadas pelo “desejo de sair melhor em selfies”.
Para evitar os efeitos nocivos das redes, Giuliana Ruiz destaca a importância de uma vigilância constante sobre o que o é real e sobre a forma como o conteúdo afeta quem consome. “É importante sempre olhar para a vida real e refletir sobre o que é foto e o que é o mundo de fora. Isso não significa que não exista um consumo saudável dessas mídias, mas elas contam com recursos e distorções que não são possíveis e podem gerar expectativas muito perigosas”, pontua.