"Me falaram que não pagariam o 'excesso de tecido' do uniforme"
Beatriz Helena relata episódios de gordofobia e racismo que enfrentou até conseguir um emprego onde sua aparência não fosse questionada
Por Claudia Ratti |
Beatriz Helena tinha 17 anos quando conseguiu um emprego para ser técnica em eletrônica de celular em uma empresa em São Paulo, capital. Chegando lá, a experiência foi bem diferente do prometido. “Além de terem me colocado para fazer a recepção, falaram que eu teria que pagar meu próprio uniforme, porque eles não pagariam o ‘excesso de tecido’ necessário”, lembra.
Ao questionar a mudança de cargo, Beatriz recebeu como resposta que não tinham gostado da ideia de uma menina no laboratório (onde só tinha homens) e, por isso, mudaram a jovem para a recepção. Em relação ao uniforme, nem chegou a questionar, já que foi embora e não aceitou a proposta.
Esse não foi o primeiro caso de gordofobia que ela enfrentou no mercado de trabalho. “Já aconteceu de entrevistadora dizer que talvez não rolasse a vaga porque não tinham cadeiras que me sustentavam. Isso na frente de outros candidatos. Nem esperei a entrevista terminar e fui embora”, lembra.
Além disso, em uma startup, recebia olhares e comentários ofensivos dos colegas. “Alguns funcionários faziam piadinhas sobre não ter espaço na mesa quando eu estava lá e sobre o lugar já ser bem apertado”, conta.
"Antes eu ficava chateada, hoje eu só fujo desse tipo de ambiente"
Beatriz fala que enfrentar tantas situações como esses a deixou “calejada” para lidar com o preconceito. “Eu não reagia, porque acho que não vale a pena. Não é como se a opinião da pessoa fosse mudar. E é como se você se acostumasse”, pontua.
Você viu?
Ela lembra que esse processo de aceitação do próprio corpo começou na adolescência, quando entendeu que algumas pessoas seriam gordofóbicas, mas não poderia se abalar com os comentários. “Antes eu ficava chateada, hoje eu só fujo desse tipo de ambiente”.
Racismo
Beatriz ainda disse que, além de ser alvo de preconceito por ser gorda, também já enfrentou comentários ofensivos por ser uma mulher negra. Ela teve a aparência questionada em diversas entrevistas de emprego, principalmente quando passou pelo processo de transição capilar .
Durante o processo e depois, com os fios naturais, Beatriz conta que escutava de entrevistadoras que precisaria alisar ou “ajeitar” o cabelo para poder ser a “cara da empresa”, principalmente em vagas onde lidaria com o público. Também já pediram para ela se maquiar para “amenizar as olheiras”. “Sempre eram brancos falando para eu melhorar a minha aparência”, diz.
Ao contar os relatos, Beatriz fez questão de lembrar de uma experiência positiva que teve quando chegou em uma entrevista e viu que a responsável pelo setor de recursos humanos era uma mulher negra. “Eu sabia que nada de errado aconteceria naquela entrevista”.
“Eu queria que dentro das empresas, o setor do RH tivesse pelo menos uma pessoa preta, porque o tratamento que um branco tem com um negro é totalmente diferente”, pontua.
Hoje, aos 23 anos, Beatriz é diretora de arte e motion em uma agência de publicidade, onde o ambiente é diverso e “ninguém tá nem aí para como você é ou deixa de ser”.