"Homem não gosta de mulher gorda", ouve vítima de gordofobia médica

Mulheres relatam ao Delas casos desagradáveis que viveram com médicos; psicólogas falam como recuperar a autoestima após passar por algo similar

Após sentir fortes dores de cabeça, Lorena Locateli, de 33 anos, que vive em Arapongas, no Paraná, decidiu procurar um neurologista. Poucos meses antes da consulta, a autônoma havia perdido uma gestação e, por isso, contou ao médico todo o seu histórico. O objetivo era resolver a dor que estava sentido para engravidar novamente. O que ela não esperava, no entanto, era passar por um episódio de gordofobia médica.

Mulheres relatam à reportagem do Delas os episódios de gordofobia que vivenciaram – e falam da relação com a autoestima
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Mulheres relatam à reportagem do Delas os episódios de gordofobia que vivenciaram – e falam da relação com a autoestima

Durante o atendimento, o profissional fez todo o interrogatório e, ao saber do desejo da paciente de ser mãe, promoveu gordofobia médica. “Mas você vai engravidar assim?  Ansiosa do jeito que você está falando que é, vai engordar e o seu marido vai te deixar com um recém-nascido. Você precisa emagrecer uns 30 kg antes”, lembra de ter ouvido, conforme conta em entrevista ao Delas .

Na época, em janeiro de 2016, ela pesava 79 kg - levando em conta que tem 1,70 m de altura - e não enfrentava problemas de saúde. Diante da situação, questionou: “30 kg?”. O médico, por sua vez, deu mais uma resposta desagradável: “Claro, filha. Homem não gosta de mulher gorda, não. Pensa bem no que eu estou te falando.”

Inconformada e chocada diante do que tinha acabado de escutar, Lorena ficou sem reação na hora. Ela conta que apenas levantou da cadeira, falou obrigada e saiu sem dizer mais nada. Em seguida, foi trabalhar e, quando chegou em casa, desabou em lágrimas. “Foi só então que a ficha caiu”, conta.

A situação que viveu no consultório médico mexeu com sua autoestima . “Infelizmente, é rotineiro as indiretas e sarros com as pessoas gordas. Até então, eu levava como coisa de quem não tem o que fazer e, às vezes, na brincadeira. Só que com ele foi diferente. Fiquei me sentindo um lixo”, detalha.

Uma semana depois do ocorrido, ela descobriu que estava grávida. “Quando soube da gravidez, fiquei achando que ia perder o bebê de novo e, agora, por causa do meu peso. Tive acompanhamento com psiquiatra nos três primeiros meses. Depois, com a evolução da gestação, comecei a me esquecer do episódio. Hoje, consigo lembrar e dar risada. Só me arrependo de não ter dado uma resposta bem educada para ele aquele dia, pois merecia”, afirma.

“Você está muito balofinha”

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Enquanto passava por uma curetagem, a carioca Tamiris Pontes viveu um episódio de gordofobia em um momento de dor

Quem também passou por gordofobia médica é Tamiris Pontes, de 29 anos. Após sofrer um aborto espontâneo, a empresária passou pelo processo de curetagem em uma maternidade no Rio de Janeiro. “Meu emocional estava muito abalado. Não parava de chorar. Até que o médico pediu para eu me conter porque e disse que era normal mães perderem bebês. Eu estava com três meses de gestação”, relata ao Delas .

Em seguida, ouviu do profissional: “Pare de chorar. E, da próxima vez que engravidar, emagreça. Você está muito balofinha.” Naquele momento, Tamiris declara que ficou com raiva, mas resolveu ficar quieta por conta do que estava sentindo. “Estava vulnerável. Deitada em uma mesa à espera do sedativo. A soma da perda com a junção daquelas palavras me deixaram ainda pior”, relembra.

Pouco depois, o procedimento havia sido feito e, quando ela acordou, já estava no quarto. “Naquele momento, me senti uma fracassada. Me sentia culpada pela perda do bebê e o médico me ajudou a  sentir culpa por minha aparência também. Ele me deixou irritada com sua falta de profissionalismo e humanidade”, expõe.

A recuperação da autoestima , conforme relata, aconteceu de forma natural e gradativa.  "Diante da perda, você passa por um período de luto e recuperá-la nesse momento é praticamente impossível. Com o passar dos dias, parece que acontece naturalmente. Constatei que eu mesma precisava me satisfazer com a minha imagem refletida no espelho”, afirma.

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Quais as consequência de ser vítima de gordofobia médica?

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Após passar por gordofobia médica, as mulheres podem se sentir mais frágeis; psicólogas falam sobre as consequências

De acordo com a psicóloga Gaya Machado, nenhum de nós deve ser definido por uma característica física, profissional ou emocional, seja ela qual for, em qualquer situação. Conforme explica, quando uma pessoa procura um médico, ela está buscando solução para algum problema - ou ter uma vida mais saudável - e não ser vítima de preconceito.

“Um comentário direcionado e sem embasamento, vindo de um especialista que deveria nos olhar de forma integral, pode mexer profundamente com a autoestima da mulher. O que se espera de um profissional de saúde é que nos enxergue de maneira sistêmica e entenda que nossa saúde não é determinada apenas pelo peso”, afirma.

Para Maria Aparecida Conti, professora do curso de psicologia da Universidade Cruzeiro do Sul, esses comentários são, muitas vezes, pejorativos e limitadores. “Valorizam um único aspecto da mulher, ou seja, a parte corporal, desconsiderando outros que compõem a sua forma particular de ser. Desta forma, passam a reconhecê-la pelo que ela apresenta esteticamente e sua forma se distancia de um padrão estético definido socialmente”, diz.

A pressão social, de fato, é um gatilho para o desenvolvimento de inúmeros problemas psicológicos – e isso pode colocar a mulher em um círculo vicioso de cobranças e insatisfações. Por conta do episódio que viveu, a pessoa pode ter consequências emocionais e evitar buscar um profissional futuramente por associar a situação ao sentimento de julgamento e não aceitação. É, como aponta Gaya, uma auto sabotagem que pode ser perigosa.

Como recuperar a autoestima?

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Sofreu um episódio de gordofobia médica? Especialistas consultadas pelo Delas explicam como recuperar o amor próprio

A gordofobia médica traz à tona a questão do preconceito e da rejeição justamente em um contexto em que a pessoa - ou seja, o paciente - espera aceitação incondicional, ajuda e acolhimento. É o que afirma Rejane Sousa Sampaio, psicóloga e proprietária do Espaço Soul.

De acordo com a profissional, tradicionalmente, o médico é idealizado e visto como uma autoridade que está acima do bem e do mal. “Uma fala médica tende a ter um peso maior quando comparada às outras opiniões de leigos. Quando um médico emite um comentário negativo e depreciativo, isso pode ter um impacto na autoestima da mulher, já que a auto-apreciação é dinâmica”, explica.

Após passar por uma situação similar e ir atrás de recuperar a confiança , é importante fortalecer a crença de que a aprovação mais importante é a sua. “O foco deve ser valorizar sua essência e beleza única. É fundamental não depender da aprovação dos outros para ter um pensamento positivo sobre si mesma. O padrão social não pode ser mais importante que cultivar o amor próprio e a individualidade”, expõe Rejane.

Gaya ressalta que até mesmo os universos da moda e da publicidade estão, cada vez mais, destacando que não existe um único padrão de beleza. Diante disso, a especialista diz que a mulher deve parar de fazer comparações e olhar para o que ela tem de belo. “ Isso passa pelo corpo e vai muito além. Somos mais que um número de roupa ou uma característica física”, destaca.

Seja por conta de um episódio de gordofobia ou qualquer outra situação similar, a mulher não deve aceitar os padrões impostos pelos outros e pela sociedade. “Ter autoestima está relacionado com saber que não preciso ser perfeita para me amar. Até porque não existe ninguém perfeito, mas, ainda sim, exigimos de nós mesmas  padrões que acharíamos inconcebíveis se olhássemos friamente”, finaliza Gaya.