A Covid-19 tem quebrado um ritual de morte muito importante no Brasil: o velório. É muito comum quando alguém morre, a família se reunir em orações no cemitério antes do enterro. Isso em cidades grandes, já que em algumas cidades do interior a pessoa é velada na própria casa.
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Com o alto risco de contágio, os velórios dos mortos por Covid-19 , quando acontecem, são rápidos e com poucas pessoas. O caixão também é fechado. Sem ter um corpo para velar, pode ser ainda mais difícil aceitar a perda, como afirma o psicólogo e psicanalista Ronaldo Coelho.
“A materialidade do corpo contribui para a realização do rito de passagem que visa à construção da ideia de que, apesar de a pessoa não mais estar entre os que a ama, sua memória permanecerá viva. O velório tem essa função, dizer para as pessoas que perderam seu ente que elas não estão sozinhas e também que aquela vida não foi em vão”, explica.
O psicanalista aponta, ainda, que cada pessoa pode lidar com o luto de uma forma diferente, mas que no geral existe um ciclo: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
“O motivo que leva alguém a não aceitar a perda é singular, único para cada um, e o processo de elaboração do luto é o caminho de entender esses motivos e cuidar deles. Na maioria das vezes fazemos isso sozinho, mas quando o luto se torna patológico, caminhando para uma depressão, por exemplo, é indicado um trabalho psicoterápico”, ressalta.
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Para os casos de negação, algo que pode ficar mais evidente com o luto sem corpo causado pelo coronavírus, o neurocientista Fernando Gomes, do Hospital das Clínicas de São Paulo, também recomenda as terapias.
“Acaba sendo um processo dificultoso [não ter corpo], porque a pessoa fica na esperança de que exista uma possibilidade, por mais remota que seja, da outra estar viva, e a não comprovação física de olhar com os próprios olhos, faz com que esse processo precise ser trabalhado", afirma.
Como trabalhar o luto com as crianças?
A perda de um familiar não afeta apenas adultos, mas também tem impacto com as crianças. Muitos pais não sabem como tratar desse assunto com os filhos pequenos e acabam inventando histórias, mas Ronaldo não aconselha esse caminho.
“Com crianças a perda deve sempre ser tratada com uma linguagem que seja adequada às suas capacidades de compreensão a depender de sua idade. Não se deve mentir para ela e nem tentar esconder”, diz o psicólogo.
A maneira como a família reage ao luto também é importante no entendimento das crianças. "Se você imagina que um adulto tem mais experiência e vivência, é esperado que ele consiga trabalhar o luto melhor, mas a criança se tiver a sorte de ter adultos cuidadores que consigam lidar de uma forma mais branda, sem desespero e descontrole emocional, tem uma chance maior de entender como um processo natural", explica Fernando.
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O neurocientista ainda indica que, dependendo da forma que o luto for apresentado para a criança, problemas no cérebro podem ser desenvolvidas como o transtorno de estresse pós-traumático e o medo em excesso.