Abstinência sexual: como é encarado o controle de natalidade de Bolsonaro

Lançada este mês pelo ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, campanha trouxe polêmica e divergências entre religiosos, mães e jovens

No início deste mês o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos - representado pela ministra Damares Alves - e o Ministério da Saúde lançaram uma  campanha polêmica para a prevenção da gravidez precoce. Sob o slogan “Adolescência primeiro, sexo depois: tudo tem seu tempo”, a abordagem insinua a abstinência sexual como “única medida 100% eficaz” para o planejamento familiar. 

Foto: Divulgação/Presidência da República
Ministra Damares Alves é a principal defensora da campanha que prega abstinência sexual

A campanha causou discordâncias dentro do próprio governo. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cuja pasta participou da campanha, diz ser contra o uso do termo "abstinência" para lidar com o tema. Diante da falta de apoio, então, a ministra Damares Alves afirma a intenção de lançar o "Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce" - uma campanha ainda mais enfática - sem ajuda do Ministério da Saúde.

O foco de preocupação do governo é o dado de que cerca de 930 adolescentes entre 15 anos e 19 anos dão à luz todos os dias, segundo dados do Ministério da Saúde. No ano passado, o número total de mães adolescentes chegou a 435 mil. Quando consideradas as gravidezes entre meninas de até 14 anos, o número subiu a quase 480 mil.

Com investimento total de R$ 3,5 milhões, porém, a campanha não menciona o uso de camisinha ou qualquer método contraceptivo e traz, entre os argumentos, o fato de que o início precoce da vida sexual levaria não apenas ao sexo irresponsável, mas a “comportamentos antissociais ou delinquentes” e “afastamento dos pais, escola e fé”.

Religiosos apoiam a campanha, mas com ressalvas

Ponderado sobre o assunto, o pastor evangélico, escritor e poeta Henrique Vieira defende que, apesar de pertinente, a abordagem da campanha pode afastar o público-alvo em vez de conscientizar. “Acho que não trata o tema com a profundidade necessária. Defendo, sim, uma educação sexual que fale sobre prevenção de doenças e também sobre responsabilidade afetiva, amadurecimento, respeito ao próximo”, diz o religioso. 

“O problema é que isso não pode ser feito de maneira autoritária. Não pode ser uma norma. É importante usar todo o conhecimento que acumulamos ao longo dos anos sobre isso”, completa ele. O pastor também comenta um ponto que, segundo ele, aponta uma incoerência do governo. “Quando a ideia de discutir educação sexual nas escolas surgiu, o governo foi contra por defender que essa era uma responsabilidade da família. Agora, o assunto volta em um outro extremo”, observa. 

Já a Diocese de Santo André, na Grande São Paulo, através da sua assessoria de comunicação, também se manifestou e defende a ideia do ministério. Segundo eles, a campanha pode acrescentar bons princípios aos cidadãos. “Todo cuidado e orientação sobre saúde sexual e reprodutiva é sempre importante e imprescindível, independentemente da idade em que se encontra a pessoa, uma vez que zelar pelo bem do próximo poderia ser sempre a máxima de todos”, afirma. 

A instituição também comenta, referindo-se à abstinência como exercício da castidade, que “o Catecismo da Igreja Católica ensina que o melhor investimento a se fazer pela vida humana e pelo bem estar pleno das pessoas, especialmente de crianças e jovens, seria ensinar-lhes as virtudes da castidade como um lindo exercício”, reforçando que “considerando a laicidade do Estado, que não é o mesmo que laicismo, nossos valores podem ser abordados em qualquer ambiente, assim como posicionamentos diversos aos nossos”.

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"O adolescente que quiser transar, vai transar"

Em outras esferas, a opinião é diferente. Para a Jeniffer Gonçalves, 24, que é professora de inglês e foi mãe aos 17 anos, a campanha lida com os jovens de maneira ingênua. “O adolescente que quiser transar, vai transar. Isso é óbvio! não há nada no mundo que segure um jovem cheio de hormônios”, defende ela, que também discorda dos argumentos morais destacados pela pasta. “Minha filha foi a melhor coisa que me aconteceu”, diz.

A professora, porém, reforça que a prevenção deve ocorrer por meio de acesso aos métodos contraceptivos, enquanto a educação sobre o início da vida sexual é responsabilidade doméstica. “Hoje em dia, após quase 8 anos que sou mãe, percebo o quão negligenciada eu fui nessa parte. Não tive nenhuma orientação do meu pai e na escola, consequentemente, fui descobrindo as coisas sozinha”, recorda Jeniffer, que diz que apesar de não sentir arrependimento sobre a maternidade “se tivesse sido orientada, as coisas teriam tomado um rumo diferente”.  

Foto: Reprodução/Instagram
Jeniffer, que foi mãe aos 17 anos, e a filha Manuela


Campanha vira piada para adolescente

Sem filhos, o estudante Felipe Moura*, de 16 anos, riu ao saber da existência da campanha, com a qual ainda não teve contato nas ruas ou na internet. “Perdi minha virgindade com 14 anos. Meus amigos acham que foi com 12 e minha mãe ainda não sabe que aconteceu”, confessa, demonstrando pouco caso sobre a ideia de abstinência sexual. Apesar do início precoce, Felipe diz que a escolha não interferiu no seu comportamento ou relacionamentos. “Minhas notas continuam ótimas”, brinca. 

O adolescente diz que entende os riscos de transar sem camisinha e tem “muito medo de ser pai ou pegar uma infecção”, mas que não abre mão da própria autonomia para escolher o melhor momento de iniciar a vida sexual. “O problema dessa campanha é que eles tratam adolescentes como criança. Fazer sexo é algo muito pessoal, uma escolha que deve vir da gente e não da ministra. Se eu for da igreja e quiser esperar, tudo bem”, defende. 

A opinião é partilhada por quem cuida de filhos dessa idade. “Eu acho que seria mais eficaz uma campanha focada nas doenças que podem ser transmitidas, por exemplo, ou explicasse as consequências do sexo inseguro e irresponsável, porque pedir que eles esperem sem explicar o motivo é pedir para não ser ouvido”, comenta a representante comercial Elisabeth Freire, mãe de Yasmin, de 13 anos. 

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Ela também sugere que uma campanha semelhante poderia ser feita, mas direcionada aos pais desses jovens. “Algo que incentive a família a quebrar esse tabu e oriente sobre a melhor forma de tocar nesse assunto em vez de demonizar o sexo. Minha mãe, por exemplo, nunca falou sobre isso comigo. Tudo que eu sabia é que deveria me manter pura, mas não entendia nada sobre isso. Hoje crio meus filhos de uma forma diferente”, diz. 

* O nome real foi trocado a pedido do entrevistado