“Algo que ocorre com alguma frequência é a surpresa, principalmente por parte do público masculino, ao descobrir que uma mulher não masculinizada pratica o esporte. Existia um estereótipo de que mulheres que jogam futebol não podiam ser femininas. Uma vez que essa não é a realidade de uma parte das meninas, a descoberta causa estranheza”, relata a designer Ana Caroline Nunes, a Carol, de 29 anos, que joga no Canelitas F.C.
Segundo ela, as pessoas não deveriam ser rotuladas por suas aparências físicas e encaixadas nos esportes que lhes parece mais adequado. “O esporte existe para todos e deveria ser praticado de acordo com a afinidade de cada um”.
Nayara, que ao contrário de Gabi e Carol, não performa o que ela mesma diz que as pessoas chamam de “feminino”, também fala que o estereótipo inclui também uma mulher ignorante, que não sabe nada sobre futebol.
“Já aconteceu de eu comentar e discutir futebol e homens se surpreenderem: ‘Nossa, mas você entende mesmo’, como se fosse um fenômeno, como se não fosse o normal”.
Foto: Reprodução/Instagram @canelitasfc
Jogadoras do Canelitas FC fazem encontros semanalmente em uma quadra na Vila Madalena, em São Paulo
Para as jogadoras do Canelitas F.C., time amador da cidade de São Paulo, as mulheres sempre quiseram jogar futebol, mas nem sempre se sentiram encorajadas a isso. “As mulheres tanto querem jogar, que iniciamos com 10 meninas e hoje tivemos que abrir mais uma turma porque não estávamos conseguindo atender a todas interessadas. Isso é maravilhoso! O desafio hoje é mais relacionado a conseguir encaixar isso na nossa rotina, com o trabalho, trânsito, etc”, fala uma das porta-vozes da equipe, a arquiteta Ligia Ferreira de Araújo, de 29 anos.
“Acho que as redes sociais também ajudaram muito a gente a entrar nesse universo. Muitas de nós demoramos muito pra encontrar times amadores e lugares para jogar, o que fez a gente acreditar por muito tempo que eles nem existiam. Mas hoje percebemos como isso não é verdade: somos muitas!”
Gabriela, que joga desde os 10 anos, completa o raciocínio afirmando que sente que o futebol só vem ganhando espaço na agenda da mulher. “No meio de tanta correria, estresse e coisas que temos que fazer no dia, a gente acaba encontrando no futebol um momento para se reunir, fazer uma atividade física, se distrair, dar risada, até sentar em um bar para assistir um jogo acaba se tornando uma desculpa para se divertir com as amigas”.
Nayara também concorda que a vontade feminina de jogar sempre existiu. “A falta até de falar sobre o assunto, de ter uma noção de que existe algo, ajudou as pessoas a não começarem”. Pensando em fortalecer o cenário, ela também ajudou a criar um projeto que começou com treinos de futebol feminino para quem quer aprender e quem já sabe jogar.
Foto: Reprodução/Instagram @jogamiga
Último treino das meninas do JogaMiga, em 2018, com Nayara à frente, de óculos de sol
A iniciativa também fez sucesso e hoje o JogaMiga tem seis times em São Paulo e um em Belém do Pará. Além disso, as fundadoras do projeto alimentam um site, com informações sobre a prática e ainda criaram uma ferramenta
, o Mapa do Futebol Feminino, para que mulheres de todo o Brasil possam cadastrar seus times, facilitando a comunicação com quem queira jogar.
Mas, se por um lado as mulheres estão se organizando para conseguir ocupar cada vez mais os campos e quadras para praticar de forma amadora, quem sonha em realmente seguir carreira na área ainda pena.
Alex, que chegou a passar por times como o Club Athletico Paranaense e Paraná Clube quando mais nova, fala que veio para São Paulo com o intuito de encontrar um time que possa jogar enquanto cursa Ciências Sociais na USP, mas a ideia não deu certo.
“O time que eu encontrei foi o Taboão da Serra e lá as meninas não recebem salário. Elas são um time profissional, inclusive”, ressalta. Uma exigência da Conmebol pode colaborar para que, no futuro, a estrutura de equipes femininas seja melhor elaborada. Isso porque a partir deste ano, para participar da Libertadores, os clubes precisam ter um time de mulheres
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Foto: Reprodução/Instagram @canelitasfc
Mulheres do Canelitas F.C. associam o futebol feminino a empoderamento
“Não estamos nem perto do ideal, mas o futebol feminino é sinônimo de luta e empoderamento, e a busca pela igualdade de gênero”, sintetiza a advogada Paula Teodora, de 25 anos, que joga no Canelitas F.C.
Seja para se divertir ou para trabalhar, já passou da hora de acabar com velhos estigmas a respeito do esporte. O afastamento das mulheres das quadras e campos contribui para a perpetuação de um preconceito
e de padrões que não favorecem em nada a figura feminina.
"O futebol tem valores muito interessantes, como superação, perseverança, lidar com adversidades, sentir a adrenalina de ganhar e fazer um gol... só com isso já é um modo de a mulher se empoderar", analisa Nayara.
As meninas do Canelitas completam o raciocínio da participante do JogaMiga adicionando elementos como resistência e feminismo como parte do futebol feminino. “Acreditamos que o simples ato de jogar bola é empoderamento, já que vivemos nessa sociedade que diz que isso não é para a gente. Isso significa entender que temos liberdade e força pra fazer o que a gente quiser, mesmo que tenha tanta gente que diga o contrário".