Histórias como a apresentada na série “You” (Você), da Netflix, aparecem em diversas produções cinematográficas e televisivas . Os pontos em comum? Obsessão, perseguição, invasão de privacidade, psicopatia e assassinatos. Nesse caso em específico, Joe (Penn Badgley) é um psicopata que está disposto a fazer de tudo para conseguir o amor de Beck (Elizabeth Lail) – e até mesmo a matar quem estiver pelo seu caminho.

Na série
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Na série "You", da Netflix, Joe persegue Beck em todos os lugares e, durante os episódios, mostra ser um psicopata

Os casos que envolvem agressões físicas, verbais e psicológicas, infelizmente, vão muito além da ficção. Para se ter uma ideia, uma mulher é vítima de assédio no Brasil a cada 1.4 segundo, de acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Maria da Penha. E, nesse meio, há situações que envolvem um psicopata .

O que acontece em “You”?

Joe faz de tudo para parecer romântico e prestativo na tentativa de impressionar Beck, mas, na verdade, é um psicopata
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Joe faz de tudo para parecer romântico e prestativo na tentativa de impressionar Beck, mas, na verdade, é um psicopata

Na série, Joe dá vários indícios de um comportamento abusivo. Após conhecer a aspirante a escritora Beck na livraria em que trabalha como gerente, ele começa a se mostrar um stalker e segue as publicações feitas por ela nas redes sociais para acompanhar seus passos. Isso o leva a segui-la por toda parte e, ao encontrá-la, arranja uma desculpa para estar no mesmo lugar que ela.

Ao investigar a vida de Beck, o rapaz ainda descobre o endereço da residência dela e passa a vigiá-la do lado de fora, sempre escondido. Obcecado, ele mostra que quer  conquistar o amor de Beck a qualquer custo e engana ao fazer o estilo “romântico e prestativo”. A jovem  só reconhece que está em perigo nos momentos finais e, ao longo dos capítulos, acaba se sentindo culpada por desconfiar dele em certos momentos.

Algumas pessoas, inclusive, se tornaram fãs da série e passaram a romantizar com Joe, dizendo que suas ações ao longo dos episódios não são tão ruins e que gostariam de se relacionar com um homem assim. Esses pensamentos causam preocupação e o próprio ator que dá vida ao personagem resolveu responder alguns tweets em sua conta para alertar o perigo de ter uma relação com alguém como Joe. “Ele é um assassino”, declara.

Mulheres compartilham suas histórias 

O Delas conversou com duas mulheres que também foram perseguidas por um psicopata e contam detalhes dos casos
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O Delas conversou com duas mulheres que também foram perseguidas por um psicopata e contam detalhes dos casos

A reportagem do Delas conversou com duas mulheres que já foram vítimas de homens que as perseguiam e as ameaçavam. Leia os depoimentos:

  • Rebeca [nome fictício], 27 anos, microempresária

“Eu namorei com um cara e hoje tenho um filho dele. Ele era louco. Para os outros, ele aparentava ser uma boa pessoa. Aí começou querendo mudar minhas roupas, escolhendo o que eu ia vestir. E, por achar que ele queria o meu bem, mudei minhas roupas por ele. Depois veio selecionando minhas amizades... de muitos anos. Me afastei de todos os meus amigos por ele. Continuava a achar que ele só queria meu bem.

Chegou ao ponto que eu já não podia nem ir em um mercado que ele ficava me seguindo escondido. Me proibiu de estudar e de trabalhar. Queria passar 24 horas comigo para ter certeza que eu não iria 'aprontar nada'. Fazia eu me sentir culpada por tudo. Me sufocava. Dizia que eu era só dele. Sentia ciúmes até da minha mãe e dos meus irmãos.

Tive que ir passar um tempo fora até ele me esquecer. Mas fui perseguida por um longo tempo. Namoramos por três anos. Eu tentava ir pra escola escondida. Ele aparecia do meio do nada, colocava uma arma no meu pescoço e botava eu pra voltar. Eu tinha 17 anos, quase 18. Ele me agredia fisicamente e psicologicamente. Tinha de mentir para as pessoas que eu tinha batido a boca ou outras partes do corpo que ele deixava marcado.

Eu tentava terminar, porém ele não aceitava. Ameaçava me matar e se matar. Como morava praticamente em frente a minha casa, eu nem podia me esconder dele. Minha mãe comprou uma passagem pra mim, e eu sai escondida de madrugada. Fui passar uns meses na casa de uma prima. Passei nove meses lá. Só voltei quando soube que ele tinha ido embora.”

  • Flávia, 24 anos, professora

“Conheci esse cara quando eu tinha uns 12 anos, na igreja, mas nunca nem tínhamos olhado um para o outro direito. Depois de alguns anos, eu estava com 17/18 e começamos a conversar porque ele tinha uma banda e eu seria vocalista. Só que ele começou a dar em cima de mim e eu não estava interessada. Ele foi extremamente insistente. Fiquei com medo e deixei quieta a questão de ir cantar na banda.

Peguei ele me seguindo na rua várias vezes. Inclusive, descobriu onde eu morava. Foi bem assustador. Uma vez, eu estava indo ao supermercado e ele estava um quarteirão atrás de mim. Outra vez foi em uma praça, também perto de casa. Também o vi enquanto fazia caminhada. E o mais assustador foi vê-lo na esquina de casa, de 'tocaia', me observando.

A gente nunca acredita que tá acontecendo, mas quando eu o vi na esquina tive certeza que não era coincidência e questionei. Disse que tinha testemunha e outras pessoas para falar contra ele e que ia chamar a polícia. Respondeu que morávamos perto e que eu estava sendo neurótica.

Eu falei que não, que mais pessoas sabiam e também acharam estranho. Ele continuou dizendo que só gostava de mim e queria me surpreender e saber os meus gostos. Respondi que a gente não tinha se falado o suficiente para sentir algo por mim.

Você viu?

Ele tinha meu número. Me bloqueou e desbloqueou várias vezes no WhatsApp. Insistia em falar comigo, mas não respondia. Ficou assim por um tempo. Fiquei com medo de bloqueá-lo e ele aparecer na minha casa. Ele me ligou e depois veio falar comigo pelo Facebook. Passou a me cobrar encontros. Isso tudo que só nos vimos quando éramos crianças.

Fiquei um bom tempo mesmo sem sair de casa sozinha, só de carro e acompanhada. Na verdade, só voltei a me sentir mais segura quando vi que ele estava namorando. Levou muito tempo pra eu voltar a andar sozinha e de ônibus. E confesso que só quando mudei de casa, para um condomínio, me senti segura. Só que até hoje não me sinto livre como antes. Nunca mais o vi nem nos falamos, mas eu não sou mais a mesma.”

Como seguir em frente após passar por essas situações? 

Após passar por uma situação traumática com um psicopata, especialista dá algumas dicas do que fazer para seguir a vida
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Após passar por uma situação traumática com um psicopata, especialista dá algumas dicas do que fazer para seguir a vida

No depoimento, Flávia relata que, após passar pela perseguição há alguns anos, nunca mais se sentiu a mesma. Sua liberdade foi comprometida. De fato, depois de vivenciar uma situação traumática, fica mais difícil confiar em outras pessoas e iniciar uma relação nova.

A psicanalista Júlia Bárány explica que a confiança em outro relacionamento sempre fica abalada. “Não tem como não afetar, pois um psicopata fere sua vítima no âmago de seu ser. Por isso, ela precisa se recuperar primeiro, se fortalecer, se curar da ferida original que ocasionou a queda na armadilha e reconquistar sua autoconfiança antes de embarcar em outro relacionamento, senão as chances de cair em nova cilada são muito grandes”, orienta.

Segundo Júlia, que também é autora do livro “O Mal disfarçado de Bem - Manual de sobrevivência para vítimas de psicopata”, a perseguição não acontece apenas na rua. Ele pode perseguir pelas mídias sociais, telefone e fazer campanhas de difamação na família, entre os amigos e os colegas de trabalho – ou seja, pode cercar de todos os lados.

“Quando um psicopata se propõe a infernizar a vida de sua vítima, ele não poupa esforços e é bem criativo. A maioria pode até não matar fisicamente, mas faz isso psicologicamente, emocionalmente, financeiramente e relacionalmente”, detalha.

Quais os sinais para reconhecer um psicopata?

Joe é um psicopata – e alguns sinais, inclusive do próprio personagem, podem ajudar a identificar um e livrar-se dessa cilada
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Joe é um psicopata – e alguns sinais, inclusive do próprio personagem, podem ajudar a identificar um e livrar-se dessa cilada

Para reconhecê-lo, em primeiro lugar, a pessoa precisa aprender quem é, como age, e conhecer os sinais de alerta. Se mostrar grandioso, entender de todos os assuntos, ter um discurso brilhante e ser extremamente sedutor são alguns dos indícios iniciais. “Ele envolve as pessoas a ponto de deixá-las cegas para qualquer defeito que ele possa apresentar”, diz a especialista.

Na fase de conquista, parece ter saído de um conto de fadas. O psicopata parece bom demais para ser verdade, mas a vítima não vê. Em “You”, é possível perceber isso. Joe tenta mostrar a Beck que ele é o “homem perfeito”. Ele chega a mencionar que, quando forem morar juntos, irá ajudá-la de todas as formas, além de arrumar a casa e lavar as roupas.

Ao longo do tempo, mentiras vão surgindo com frequência. “Ele mente até quando não é necessário. Só que, na maioria das vezes, a pessoa descobre muito depois de já ter caído na armadilha. Ficando atenta antes, é possível começar a perceber incongruências e pegá-lo em flagrante”, ressalta Júlia.

Outro indicativo é fazer-se de vítima. O objetivo é evocar a compaixão dos outros. Conta histórias tristes, como ser maltratado por algum familiar, e outras situações dramáticas relacionadas. E nem tudo é verdade. Parece ser uma pessoa profunda nos assuntos que debate, mas, na realidade, revela-se superficial. É uma inteligência fria e calculista.

Ter um olhar vazio também é um dos indícios. Júlia indica que o brilho nos olhos é de um predador, não de entusiasmo ou de conexão com os outros. Além disso, não sabe amar, ter compaixão, empatia e solidariedade. “Em um primeiro momento, finge muito bem e pode até enganar o outro por algum tempo. Mas a falta desses sentimentos acaba aparecendo”, ressalta.

Passar por vários relacionamentos amorosos de curta duração é outro ponto a ser analisado. Chega a viver uma relação por mais tempo apenas para manter as aparências. Por outro lado, não hesita em trair o par. Destaca-se no sexo. Entretanto, não há conexão de alma. Com isso, pode se entediar logo e, assim, ir atrás de novos desafios.

Na infância, pode demonstrar tendências delinquentes. Isso só é descoberto ao conversar com a família do abusador. Já na vida adulta, trabalha pouco ou não chega a ter um emprego. Pode se aproveitar das situações. “É um vampiro. Usurpa o trabalho dos outros apresentando como seu”, alega a psicoterapeuta.

Por fim, o psicopata pode apresentar perfis distintos em ambientes diferentes. Dois indivíduos, por exemplo, podem descrevê-lo como se ele fosse duas pessoas diferentes. Além de tudo, costuma ter  poucos amigos ou nenhum que seja totalmente verdadeiro. Diante disso, ao notar os sinais acima em algum homem, caia fora e livre-se o quanto antes dessa cilada.

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