"Veja as musas da Copa": esta é realmente a melhor forma de homenagear mulheres?

Musas da Copa são normalmente torcedoras, mas podem ser jornalistas ou até mesmo esposas e namoradas dos jogadores, classificadas como bonitas

A Copa do Mundo de Futebol chegou! E, enquanto os homens ganham destaque por estarem em campo, muitas mulheres são lembradas nesse período nas tradicionais galerias de “Musas da Copa”. Mas será que esta é realmente a melhor forma de homenagear o sexo feminino?

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Foto: Shutterstock
Há quem acredite que galerias de musas contribuam para disseminar uma crença de corpo/objeto da mulher


As musas da Copa são normalmente torcedoras, mas podem ser jornalistas ou até mesmo esposas e namoradas dos jogadores de futebol, que são classificadas como bonitas. Uma beleza não apenas de rosto, mas física também e padronizada, que é ressaltada em galerias de fotos publicadas pela imprensa, normalmente online, para gerar audiência.

Renata Mendonça, jornalista e co-fundadora do “Dibradoras”, projeto que luta por mais espaço e visbilidade para as mulheres no futebol, acredita que a existência e criação das musas foi a forma como a imprensa esportiva, cujas redações são majoritariamente compostas por homens, encontrou para “incluir” as mulheres no universo esportivo.

“A mulher é muito excluída do futebol e da Copa do Mundo, em geral, e a maneira que os meios da sociedade tradicional, que são enraizados no machismo , encontraram para a mulher participar é com esse papel de ‘bonita’. A mulher tem que estar na Copa do Mundo para ser bonita e desfilar para cá e para lá, como se a função dela no esporte e no futebol fosse servir exclusivamente de enfeite. Isso acontece muito em todas as competições esportivas”, afirma.

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Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga – que tem um projeto chamado Olga Esporte Clube, para falar de esporte a partir da ótica de gênero –, reforça que fazer galerias de musas "perpetua o estereótipo de que a mulher só pertence ao espaço do esporte quando falamos do corpo dela”.

Ela explica que esse tipo de comportamento é especialmente problemático porque, além de objetificar e hiperssexualizar o público feminino como somente corpos a serem observados e consumidos, desumaniza as mulheres. “Tira delas toda a complexidade, as dores, os medos, os sonhos, as conquistas e as habilidades e as transforma em apenas um corpo, que pode e é usado por homens. Além de dizer que a mulher é só um corpo, essa imagem ensina as pessoas, inconscientemente, que esse corpo é público”.

Segundo Juliana, o problema disso é que, ao vivenciar ou presenciar um assédio na rua, por exemplo, as mullheres passam a achar tudo "normal", como se aquilo fizesse parte da nossa realidade, já que isso é naturalizado. Já os homens pensam que estão autorizados a fazer comentários e cometer abusos, já que o corpo feminino seria "público".  

“A gente cresce achando que faz parte publicar fotos de mulheres de biquíni e que essas fotos, de jogadoras, torcedoras, árbitros e até jornalistas, foquem no bumbum ou nos seios. A gente vê acontecer tanto que, quando se repete, nem nos abalamos mais.”

Mudança acontece aos poucos, mas já é aparente

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Maior reivindicação do feminismo não é que as mulheres sejam mais importantes, mas tratadas de forma igualitária

Por dentro da mídia, Renata afirma que as galerias de musas continuam existindo e sendo feitas por conta da audiência que geram aos sites que as publicam. “A primeira coisa [para gerar uma mudança] é não consumir esse tipo de conteúdo, porque aí quebra o argumento das redações esportivas que é o da audiência. Sem audiência, eles perdem o motivo para fazer isso."

O segundo ponto, de acordo com Renata, é falar cada vez mais sobre o assunto para que mulheres e homens entendam o significado e as consequências de objetificar o corpo da mulher dessa forma. 

"E não é questão de não gostar de receber um elogio, todo o mundo gosta. A questão é que nós não estamos ali trabalhando ou torcendo para receber esse tipo de elogio. A gente até pode querer ser elogiada, mas por conta das nossas competências e do nosso trabalho, por exemplo – que é o que seria elogiado no caso de um homem.”

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Além disso, para ela, é sempre importante denunciar as matérias, pois uma das coisas que têm feito diminuir a frequência de postagem das galerias é a repercussão negativa que elas começaram a ter nas redes sociais. “Vamos fazer barulho!”, pede Renata.

Juliana concorda ao dizer que as pessoas precisam denunciar, criticar, demonstrar insatisfação e não só ser indiferente. "Precisamos falar a respeito. Bater, bater, bater até que as pessoas entendam que essa reivindicação [por parar de objetificar o corpo feminino] não é um mimimi, é uma revindicação legítima”.

Renata lembra de outro ponto importante no papel dos homens no combate ao machismo ao falar sobre a necessidade daqueles que já entenderam o problema da objetificação de alertar sobre essa questão aos amigos. "Os homens que já se conscientizaram sobre isso têm que dar um toque se estiver com outros homens ou amigos falando ou fazendo comentários desagradáveis, vendo essas matérias. Explicar por que não é legal e pedir para mudar de assunto”.

Nas redações, elas pedem que as jornalistas mulheres sejam contra a publicação de galerias machistas. O Think Olga até mesmo vai divulgar um “Minimanual do Jornalismo Humanizado para Jornalismo Esportivo”, escrito por Olga Bagatini, jornalista esportiva e jogadora de basquete, comparando a cobertura que é dada para atletas homens e atletas mulheres, falando também da questão das musas e da objetificação de torcedoras e profissionais, sugerindo formas mais respeitosas de fazer a cobertura esportiva.

Foto: Divulgação/Think Olga
A ONG Think Olga montou um minimanual para a prática de um jornalismo esportivo menos machista e misógino


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Por outro lado, tanto Juliana quanto Renata dizem já estar percebendo uma mudança no comportamento das pessoas. “A presença da mulher no futebol, como profissional de imprensa, atleta e torcedora, está aumentando, e o feminismo ganhou mais projeção. As pessoas estão conhecendo mais os direitos das mulheres e sabendo revindicá-los. A mudança é lenta, porque é algo cultural, mas já está começando a acontecer”, acredita Renata.

Ela ressalta, porém, que o movimento foi de fora para dentro, “não foi um editor que um dia disse que as galerias não eram mais legais, foi pressão externa mesmo”.

Para Juliana, os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, representaram um marco nesse sentido. “Disseram que eram os jogos das mulheres, e a imprensa teve uma abordagem muito respeitosa, trazendo o olhar feminista para a cobertura. Foi 100% boa? Não, mas isso esteve muito em pauta, foi muito discutido”.

Elas afirmam que, agora, não existe mais a possibilidade de fazer galerias de musas e todos acharem esse conteúdo “normal” e aceitável de modo que, assim, a tendência é que, aos poucos, ele deixe de ser reproduzido, até que pare completamente.

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“Antes tarde do que nunca. Há cinco, talvez dez anos atrás, a gente nunca olharia para as galerias de musas com olhar crítico, mas, hoje, estamos fazendo isso. E o recado para quem decidir publicar isso é que nada passa batido”, crava Renata.