Necessidade ou pressão estética? O que está em jogo na cirurgia plástica

O caso de Camilla Uckers abriu discussão sobre como a pressão para atingir padrões faz com que as pessoas se submetam a procedimentos agressivos

Muitas vezes, a busca pela aceitação estética faz com que as pessoas recorram a alternativas artificiais. Por isso, as intervenções cirúgicas se tornam soluções para "corrigir" as partes do corpo que não se encaixam no padrão estético estabelecido pela sociedade – apesar de todos os riscos que a cirurgia plástica pode oferecer para a saúde física e psicológica de alguém. 

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Foto: Reprodução/Instagram
A youtuber Camilla Uckers teve complicações depois que passou por cirurgia plástica para implantar prótese nas nádegas


Um caso recente é o de  Camilla Uckers , uma youtuber bastante conhecida por expor todos os detalhes de sua vida na internet. Em dezembro, a influenciadora passou por três procedimentos – lipoaspiração, rinoplastia e implante de prótese nas nádegas – e, desde então, está lidando com as complicações de uma  cirurgia plástica .

Nas redes sociais, Camilla contou que teve de retirar as próteses das nádegas e que, quando chegou ao hospital, o médico afirmou que ela deveria escolher entre a prótese e a vida. O que, de acordo com o Dr. Wendell Uguetto, cirurgião plástico e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), é a medida mais indicada nesses casos.

"A região glútea, pela proximidade com a vagina e o ânus, é muito colonizada por bactérias que vivem na pele, assim, não é raro o aparecimento de infeções em uma cirurgia de prótese de glúteo. Caso a prótese não fosse retirada, os riscos dessa infeção se espalhar pela corrente sanguínea, ocasionando um quadro grave que chamamos de sepse, seriam altíssimos, o que colocaria sua vida em risco", explica.  

Os médicos que estão cuidando da youtuber também disseram que ela está com o nervo ciático inflamado e perdeu temporariamente o movimento das pernas após o implante. 

Plástica é necessária?

Toda essa situação acabou abrindo um debate sobre padrão estético e a necessidade de procedimentos estéticos agressivos, principalmente por causa das complicações, mas também porque Camilla já era considerada "dentro do padrão" e nenhuma dessas intervenções eram realmente necessárias aos olhos de seus seguidores.

Entretanto, o Dr. Wendell afirma que isso deve ser avaliado juntamente com um profissional. "Teoricamente, qualquer paciente maior de idade tem o direito de alterar algo em seu corpo ou em sua face. É muito difícil avaliar o que é necessário ou chamado de supérfluo numa cirurgia estética, pois muitas vezes o que incomoda uma pessoa não necessariamente irá incomodar outras pessoas."

O profissional explica que geralmente é avaliado se a queixa do paciente é condizente e se a cirurgia proposta possa de fato resolver esta queixa. Mesmo assim, ainda surgem casos de pessoas que recorrem à cirurgias plásticas mesmo sem precisar. "Isso acontece com certa frequência. Alguns pacientes acabam 'viciando' em procedimentos estéticos e ou cirúrgicos, mas não são a maioria."

Essa condição se chama dismorfofobia, segundo o Dr. Luiz Scocca, psiquiatra membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Americana de Psiquiatria (APA). "Nesse caso, a pessoa tem uma visão alterada de sua autoimagem e não haverá plásticas no mundo que mudará isso, não importa quantas faça, pois a questão é mental." 

Por isso, a resposta padrão sobre a real necessidade de um procedimento estético sempre vai depender da avaliação médica. "Cabe ao cirurgião identificar se a cirurgia que o paciente deseja irá beneficia-lo ou não. Caso o médico detecte uma alteração patológica da imagem corporal ou perceba um desejo exagerado de se submeter a uma cirurgia sem a real necessidade, este deve se recusar a operar o paciente e encaminha-lo para tratamento psiquiátrico", diz Dr. Wendell. 

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Pressão estética

A vontade de se encaixar em um padrão quase inalcançável e o medo de julgamentos alheios podem levar à decisão de se submeter à cirurgias plásticas. O Dr. Luiz explica que a cultura brasileira e a presença de muitas praias no país também gera um "ideal de corpos sarados", que é extremamente influenciado pela mídia, desde a televisão até os youtubers. 

A popularização das mídias sociais também tem um efeito negativo no psicológico. "O número de fotos postadas nas redes sociais aumenta a cada ano, e cada pessoa deseja postar suas melhores fotos. Isso não é um fato isolado apenas no Brasil, mas um fenômeno observado no mundo todo", complementa Dr. Wendell.

Em uma pesquisa feita no ano passado pela Instituição de Saúde Pública do Reino Unido em parceria com Movimento de Saúde Jovem, o Instagram foi avaliado como a rede social mais prejudicial à mente dos jovens, principalmente entre as meninas. O resultado mostrou que nove em cada 10 meninas se sentem infelizes com seus corpos e pensam em mudar a própria aparência, cogitando, inclusive, procedimentos cirúrgicos.

"É provado que pessoas com boa aparência são relacionadas à um melhor status social, mesmo que não tenham. Isso tem um efeito reverso: se não me sinto com boa aparência, também sou inferior", diz o psiquiatra.

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Mudança da aparência

O Dr. Luiz ainda afirma que diversas questões estão relacionadas à baixa autoestima e infelicidade com a aparência. "Baixa autoestima é uma sensação de não pertencimento social, de constante confusão psicológica, dificuldade de ser justo consigo e de aceitar elogios, tratar-se mal. Quando o procedimento estético surge como 'a única solução' há algo errado que não é estético."

Assim, ele afirma que estar feliz consigo mesmo é uma questão maior do que a imagem que se vê no espelho e que, muitas vezes, envolve sentimentos de inferioridade, culpa, fantasias sobre si e sobre os outros. "Conheça-se, faça terapia, meditação, exercícios pensando em sua saúde física e mental, não foque apenas na aparência", sugere. 

Mas também não tem problema nenhum em passar por um procedimento estético, caso algo da sua aparência física te incomode. É importante lembrar que, antes de mais nada, é preciso deixar claro todos os riscos envolvidos, porque sempre tem uma chance de dar errado, e, também, fazer uma avaliação mental.

"Além do diagnóstico da dismorfofobia, é preciso verificar outros estados mentais, como a depressão, além de avaliar expectativas. Depois para acompanhar várias possíveis evoluções. Há situações onde as pessoas não se reconhecem após a plástica e acabam entendendo depois que aquilo que era visto como defeito era um traço marcante de sua personalidade", diz.

Por isso, a melhor opção nesses casos é conversar com um profissional especializado e de confiança para realizar a cirurgia plástica, para que ele possa entender as necessidades do paciente e propor o melhor tratamento pré e pós operatório, sem colocar a vida do paciente em risco.