A Lei Maria da Penha nasceu em 7 de agosto de 2006 e completa dez anos. Dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apontam que, de lá para cá, a taxa de homicídios por violência doméstica recuou 10% em relação à projeção dos anos anteriores. Os números ainda estão longe de serem ideais – um levantamento da ONU aponta que o Brasil é o quinto país no ranking de feminicídio no mundo – e o assunto ainda tem pouco espaço na mídia.
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Pensando nisso, cinco mulheres – diretoras e roteiristas de cinema – criaram o Coletivo Vermelha, que acende o debate sobre a falta de representação feminina em produções audiovisuais. “Se houvessem mais mulheres por trás das câmeras dirigindo, escrevendo os roteiros e fotografando os filmes, esse quadro poderia ser revertido, uma vez que a violência domética – física, verbal, psicológica, sexual, moral – é uma constante na vida das mulheres”, explica o Coletivo.
Espaço e voz para a mulher
Sendo assim, estão surgindo algumas iniciativas, como o Teste de Bechdel e a campanha "Personagem feminina pouco desenvolvida", para buscar entender e também criticar a forma como as mulheres são retratadas no audiovisual.
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Para uma obra “passar” no Teste de Bechdel, por exemplo, é necessário ter, pelo menos, duas personagens femininas nomeadas que conversem entre si sobre algo que não seja relacionado aos homens. “É um exercício curioso parar para pensar quantas obras ficcionais que crescemos acompanhando e que admiramos não preenchem esse critério”, afirma o Coletivo. O teste tem origem na série de quadrinhos “Dykes to Watch Out For”, lançada em 1983 por Alison Bechdel.
Já a “Personagem feminina pouco desenvolvida” surgiu de um trailer publicado originalmente na página “SourceFed”, no Facebook, que ironiza as formas como as mulheres são colocadas em obras ficcionais, sempre priorizando o desenvolvimento de personagens masculinos que protagonizam as histórias.
“No cinema, a mulher, via de regra, está em função do desejo masculino. É a busca dele que constrói o drama. Enquanto à mulher é reservado o lugar de coadjuvante ou objetivo-objeto do herói. Mas o que ela pensa e sente, não sabemos”, comenta o Coletivo Vermelha. “Trata-se de um problema social extremamente complexo”, completa. “É preciso olhar para o corpo da mulher de outras formas, é preciso entender que trata-se de um corpo que sofre diferentes tipos de violências desde que nascemos”
Falar sobre violência é doloroso, mas necessário
Ainda há poucas produções que tratam essa temática, mas é preciso continuar com esse tipo de trabalho. “Falar sobre violência doméstica é um passo muito doloroso, mas é o primeiro passo para mudar a realidade. Basta ver essa cena”, acredita Eliza Capai, jornalista e documentarista.
Ela é autora do "No devagar depressa dos tempos", no qual uma das personagens entrevistadas relata a rotina de seu primeiro casamento. “Durou vinte dias, mas era pau e cachaça todos os dias”, afirma a jornalista.
Mesmo trabalhando a questão de gênero em suas produções, a documentarista conta que teve dificuldades para listar filmes que abordam a violência doméstica. “A questão das mulheres no audiovisual ganhou muita força em 2015, com o despertar da Primavera Feminista”, diz, fazendo referência às campanhas “meu primeiro assédio” e “meu amigo secreto”, que tomaram as redes sociais no ano passado, denunciando as mais variadas formas de expressão do machismo.
“Eu ainda indicaria o documentário ‘Precisamos falar do assédio’. Para gravar os depoimentos, a diretora espalhou algumas vans pelas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro e pediu para mulheres contarem historias de violência doméstica. O resultado é lindo”. O longa de Paula Sacchetta estreia no dia 21 de setembro, no Festival de Brasília.
Filmes sobre violência doméstica
Com a ajuda das do Coletivo Vermelha e das cineastas Eliza Capai e Tata Amaral – diretora do recém-lançado longa-metragem “Trago Comigo” – listamos nove filmes nacionais e internacionais que contam histórias de violência doméstica e agressão contra mulheres. Afinal, como destaca o Vermelha, “o audiovisual pode denunciar as situações de agressão, encorajar as pessoas a não se submeterem à violência doméstica e ajudá-las a perceber quando estão envolvidas em uma relação abusiva”.
Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991)
Uma garçonete e uma dona de casa, cansadas da vida que levam, resolvem fugir juntas em busca de uma rotina diferente. Em sua viagem, após se envolverem em um crime e matarem um estuprador, começam a ser perseguidas pela polícia norte-americana.
O Piano (Jane Campion, 1993)
Em 1850, uma mulher muda aos seis anos de idade para a Nova Zelândia com sua filha e seu piano, para um casamento arranjado com um dono de terras.
Um Céu de Estrelas (Tata Amaral, 1996)
Primeiro longa-metragem da cineasta brasileira Tata Amaral, o filme entrou na lista por sugestão da autora. O enredo gira em torno da história de Dalva, uma cabeleireira que decide terminar o noivado ao ganhar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Inconformado, o noivo a sequestra. “Este filme completa 20 anos e a situação da violência doméstica não mudou nada”, diz Tata.
Violência Doméstica (Frederick Wiseman, 2001)
O documentário segue a polícia de Tampa, na Flórida, Estados Unidos, atendendo chamadas de mulheres que são vítimas de violência doméstica e também o trabalho feito em um abrigo que atende mulheres e crianças. É mais uma indicação de Tata Amaral, que considera interessante o fato de o filme também abordas relações de poder. “É uma ferramenta de conscientização e ao mesmo tempo um filme de grande potência de linguagem”, diz.
O Silêncio das Inocentes (Ique Gazzola, 2010)
O documentário de Ique Gazzola conta a história de mulheres vítimas de violência doméstica e dá destaque à vida da farmacêutica Maria da Penha, que inspirou a lei de 2006.
No devagar depressa dos tempos (Eliza Capai, 2014)
Dirigido por Eliza Capai, o documentário é o resultado de uma viagem da diretora ao sertão do Piauí. O objetivo era investigar como o Bolsa Família mudou a vida das mulheres nordestinas, mas, nas filmagens, ela se deparou com uma série de histórias de machismo e violência de gênero.
Feminicídio no Brasil (Catherine Debelak, Letícia Dias e Marina Garcia, 2015)
O web documentário nasceu como um projeto de alunas da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, que viajaram o Brasil contando histórias de violência de gênero nas cinco regiões do país.
Hot Girls Wanted (Rashida Jones, 2015)
O documentário foi apresentado no Festival Sundance de cinema em 2015, mas foi produzido por Rashida Jones para a Netflix. Ele segue a rotina de garotas que são atraídas para o mundo do pornô amador pela promessa de fama, dinheiro e reconhecimento. É interessante para quem quer refletir sobre a forma que as relações são colocadas na indústria pornográfica e como isso naturaliza a violência de gênero.
Vidas Partidas (Marcos Schechtman, 2016)
O filme conta a história de uma mulher vítima de violência doméstica desde a primeira agressão do marido até a separação, a denúncia e a briga pela guarda das filhas.