Em 1991 assisti a "Thelma e Louise". E nunca mais voltei a ser a mesma. Eu tinha 17 anos e ninguém mais me disse o que eu TINHA que fazer. Sabe dessas fichas que caem e te transformam para sempre? Então, estudei, viajei, morei na Europa, no Sertão, na praia. Procurei conhecer todos os tipos de gente que cruzaram meu caminho.
E prestei muita atenção nas mulheres. E, prestando atenção nas mulheres, fui prestando atenção nos homens, nas relações, nas bagunças e nos acertos. Como fotógrafa, nunca pensei em ter o feminismo como tema de ensaios ou de trabalhos. Mas, agora, analisando 20 anos de fotografia, percebo a sutileza do olhar feminino, ou ainda mais...feminista. É isso: não é a foto que é feminista, é o olhar, que nunca te abandona. Mesmo quando falamos de outros temas.
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Como carne no açougue
Estava no mercado de carnes do Ver-o-peso, em Belém. Estávamos em um grupo e o anfitrião mostrava a construção de ferro trazida da Europa, linda! E as carnes de um vermelho forte, todas estendidas, tomamos café, falamos da reforma que havia acontecido por lá. Muitos fotografaram as carnes... mas, e a imagem ali? Eram mulheres quase nuas, carnes expostas ao lado de outras carnes! Uma cena típica de padarias, mecânicas, barbearias... Ninguém se alarmou. Comum, não é? Mas me incomoda. E, por isso, registrei. E rendeu esta foto, que depois de isolada e publicada, traz a reflexão. Mas esse incômodo anda comigo. Em cada propaganda de cerveja, cada futilização do feminino.
Por isso, existem cuidados que estão em mim e nas mulheres artistas que assumem ou não, mas que tem a alma feminista. Não importa se o trabalho é sobre habitação popular ou sobre o cotidiano do brasileiro, a questão feminina está presente sempre.
E, olhem só como a vida gosta de uma ironia. Acabo de descobrir, há poucos dias, o Instituto Geena Davis! Sim, a atriz que interpretou a Louise, amiga da Thelma, no filme da minha adolescência, é uma artista que também não conseguiu mais voltar ao que era antes. E, preocupada com a forma com que a mulher é representada na mídia, fundou o instituto! Que maravilha!
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Vamos mudar a representação do feminino
Em um simpósio organizado pelo Google em São Paulo, me apresentaram uma longa pesquisa* com dois pontos: as porcentagens de cargos ocupados por mulheres em funções determinantes no áudio visual brasileiro e a opinião pública sobre a mídia brasileira.
O resultado de opinião não tem muita novidade: a maioria concorda que a mulher é representada de forma hipersexualizada, submissa, dentro de padrões estéticos absurdos e vítima de violência. A pesquisa quantitativa mostra que apenas 23% das obras (cinema e programas de TV) tiveram roteiro escrito por mulheres e 12% por equipe mistas. Apenas 19% das obras tiveram direção feminina.
Prestei muita atenção nas mulheres. E, prestando atenção nas mulheres, fui prestando atenção nos homens, nas relações, nas bagunças e nos acertos"
A conclusão a que se chega é simples: para mudar a representação do feminino, é preciso que mais mulheres tenham papéis determinantes na construção da mídia.
Nem que, para isso, seja necessária uma política de inclusão, mais consciência, até que os homens também estejam atentos. Afinal, junto com o novo feminino vem o NOVO HOMEM, UM NOVO MUNDO e, quando, enfim, estivermos alinhados, não será mais necessário nenhum cuidado, tudo fluirá naturalmente. Até lá, avante mulheres!
* Viés de gênero sem fronteiras (Instituto Geena Davis, 2014)
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* Carol Quintanilha escreveu sobre o tema a convite do iG Delas. Mãe do Tome e do João. Fotografa hà 20 anos, começou no fotojornalismo achando que iria mudar o mundo, acabou mudando ela mesma. Passou pela fotografia-arte achando que ia mudar o mundo, mudou seu estilo de vida. Hoje, faz filmes achando que vai conseguir mudar o mundo, mas fica feliz se mudar uma pessoa só.
E está "acabando de abrir" a produtora Mana Filmes.