Cenas de um país indiferente ao futuro de seus jovens
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Cenas de um país indiferente ao futuro de seus jovens

Enquanto tentava me manter em pé dentro de um vagão lotado de gente no metrô, em São Paulo, meus ouvidos foram atraídos pelo diálogo que transcorria em alto e bom som entre dois homens. Um deles, grisalho, e o outro, bem mais jovem. Ambos eram policiais e trocavam informações sobre o trabalho nas ruas. A coincidência entre estarmos ali ao mesmo tempo durou pouco mais de três minutos.

O mais jovem era policial militar e narrava ao colega de profissão a prisão que efetuara antes de sair do plantão na manhã desta segunda-feira, 03 de abril. Com seu parceiro na ronda pela cidade o PM prendeu dois irmãos aparentando entre 18 e 20 anos e que estariam, segundo ele, vendendo drogas. O PM reclamava da mãe dos jovens, que apesar da droga apreendida com os filhos, insistia que os dois rapazes eram bons meninos e que nunca tiveram nenhum envolvimento com o tráfico.

“Um vagabundo que não está na escola, não trabalha, não tem carteira assinada … o melhor é sentar o dedo”, falou em alto em bom som o policial grisalho se solidarizando com o colega de farda - ambos estavam à paisana.

Silêncio. Ouvia-se apenas o som do metrô nos trilhos e o alto-falante anunciando a próxima estação onde muita gente desceu. Ao meu redor, em pé, percebi que muitas mulheres ali poderiam ser a mãe de um daqueles meninos. Eu também poderia ser aquela mãe. Não era, mas não poderia deixar de me colocar no lugar dela.

Um dos policiais se sentou no banco reservado para pessoas com mais de 60 anos e o outro ficou em pé. Não falaram mais. Eu me contive para não puxar conversa. Refleti naqueles milésimos de segundo e decidi ficar calada. Desceria dali a duas estações e avaliei o risco que seria questionar dois policiais que viam a vida de dois seres humanos com tanto desprezo, desumanidade e preconceito.

Não se trata de defender um traficante de droga. Para dizer que alguém é um traficante e rebaixá-lo à categoria de criminoso ou vagabundo, como fez o policial grisalho, é necessário muito mais do que apenas encontrar uma pessoa com maconha ou outra droga qualquer. Cabe à polícia fazer o que a cada dia tem sido menos feito: investigar. Colher provas, ouvir testemunhas e depoimento do investigado.

Se eu fosse a mãe desses dois rapazes detidos pelo policial que seguia comigo naquele vagão também defenderia meus filhos e exigiria uma investigação mais profunda antes de vê-los jogados em uma cela úmida e fria apinhada com outros presos, muitos desses na mesma situação.

Todas as pessoas que não estudam, não trabalham e não têm carteira assinada são vagabundas? Claro que não. Dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que um em cada quatro jovens ou adolescentes entre 14 e 29 anos de idade estão nesta situação.

É vagabundo? Senta o dedo. Enfileira todo mundo e vai apertando o gatilho até eliminar um por um, esses vagabundos. Os meus, os seus, os nossos filhos. Os nossos jovens. É isso que o policial grisalho defendeu sem vergonha, sem humanidade e com toda a carga de preconceito naquele vagão do metrô, na manhã desta segunda-feira, na maior e mais rica cidade do Brasil.

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