Quando Bruna, 34, descobriu que estava com vitiligo, sentiu que havia perdido o controle sobre a sua pele. Algo parecido aconteceu com Andréia Santos, 39, que precisou fazer acompanhamento psicológico por não aceitar as manchas. Já a modelo Gaby Viti, 27, viu o vitiligo começar a aparecer quando tinha sete anos, mas foi com nove que começou a tentar escondê-lo por vergonha.
O Dia Mundial do Vitiligo, comemorado em 25 de junho, foi criado para conscientizar a população e minimizar o preconceito sobre a doença que afeta até 1% da população mundial e é caracterizada pela perda de pigmentação da pele. Mesmo sem ser uma doença contagiosa, as pessoas com vitiligo acabam sendo vítimas de preconceito. Conversamos com três mulheres que convivem com o vitiligo. Elas contam a seguir como lidam com a doença.
Pele como um céu
A diretora de arte Bruna Sanches conta que desde criança ela tinha medo da doença. Ao vê-la nas mãos de um vizinho, ela receava que um dia pudesse acontecer o mesmo com ela. Um dia, quando acordou, percebeu uma manchinha branca no canto da boca, e se desesperou.
Na mesma semana, ela marcou uma consulta no dermatologista, e o diagnóstico afirmou o que ela desconfiava. “A médica disse que a culpa era minha, por causa do meu emocional. Eu fiquei chocada por essa abordagem e saí do consultório chorando”.
Naquela época, não havia uma quantidade necessária de informações sobre o vitiligo, obrigando Bruna a procurar por tratamentos que não tinham a devida comprovação de eficácia. “Eu me machuquei muito, usei muita cortisona. Tenho uma atrofia na pele da mão por uso excessivo dos remédios. Tive queimaduras de segundo e terceiro graus por conta dos tratamentos à laser. O que não adiantou nada”, diz.
No mesmo ano em que seu avô morreu, ela terminou o namoro, o que a fez entrar em uma depressão profunda. Ao sair dela, percebeu que o corpo estava dominado pelas manchas. “Foi um processo muito difícil, porque eu era muito jovem e não tinha quase nenhuma referência para me ajudar”, diz.
Bruna tentava esconder as manchas de qualquer maneira, com maquiagem e roupas longas, por medo de não ser aceita. “Existe um fator emocional muito forte. As pessoas olhavam com nojo, com medo de que fosse contagioso”, relata. Bruna também expõe que sofreu diversas abordagens invasivas, de pessoas que queriam oferecer tratamentos ou cura. “Quando terminei o namoro, ouvi de uma vizinha que ele não ficou comigo por causa do vitiligo”, relata.
Você viu?
A forma como ela enxergava a situação começou a mudar quando conheceu um fotógrafo que disse que suas manchas eram lindas, desenhos que apenas ela possuía. Foi para casa e contou o ocorrido para a mãe, que disse que a pele era como um céu, cheia de nuvenzinhas. “Esse momento foi uma metamorfose, uma ressignificação”, conta.
Depois disso, ela começou a olhar o vitiligo com algo poético e bonito, e passou a fotografá-lo. Em 2016, prestes a realizar um enxerto - cirurgia que tira uma parte saudável da pele para realocá-la sobre as manchas - ela acabou desistindo dois dias antes da cirurgia. “Eu olhei para a minha pele pela primeira vez com amor. É só a minha pele, tudo o que eu sinto por dentro ela mostra no exterior”, conta.
Namorar com a luz acesa
A recepcionista Andréia Santos conta que ao descobrir que estava com vitiligo, em 2017, não aceitou a sua condição. Durante muito tempo ela se dedicou a buscar soluções na internet, convicta de que as manchas desapareceriam. “Gastei muito dinheiro, cerca de R$ 2 milna época. Tudo o que diziam que pudesse melhorar eu tentava”, diz.
Andréia não tinha apoio do seu então companheiro, que chegou a pediu para ela maquiar as pernas para que saíssem em público. Foi um longo processo de negação, até que com tratamento psicológico e por meio do conteúdo produzido por com vitiligo, ela percebeu que a desinformação sobre a doença ainda era grande.
“Sempre que eu saia alguém me perguntava que mancha era aquela. Então resolvi criar um perfil no Instagram. Sempre que eu posso eu falo sobre a doença. Hoje eu me aceito mais, consigo sair de biquíni, namorar com a luz acesa, porque eu pedia para apagá-la”.
Hoje Andréia entende que a doença é afetada pelo seu emocional. Abalada pelo desaparecimento do irmão, Angelo Leôncio da Silva Brito, desde o dia 17 deste mês, ela diz interrompeu as publicações em suas redes sociais. “Cada mancha que aparece eu sei que é por conta de algo que estou passando. Agora é o meu irmão. Mas eu amo a minha cor e amo o meu vitiligo”, diz.
Barrada na porta
O vitiligo surgiu na vida da modelo Gaby Viti ela tinha sete anos. Moradora do interior da Bahia, precisava se deslocar 600 quilômetros todos os meses até a Salvador, onde fazia diversos tratamentos para as manchas. Na época ela morava com a avó, que gastava além do que podia para pagar os medicamentos.
“Eu ouvia das pessoas que eu era bonita, mas era uma pena que tinha a pele manchada. E eu me sentia horrível com isso, foi quando eu comecei a me esconder em roupas longas”, conta. Entre apelidos e comentários maldosos que já recebeu, ela diz que os piores foram “dálmata” e “barata descascada”. Em certa ocasião, ao ser contratada como promotora de eventos, acabou barrada na porta pelo segurança. “Ele não acreditou que eu pudesse estar lá como modelo”, diz.
Gaby começou a se aceitar quando viu uma mulher com vitiligo na televisão, e percebeu que aquela condição não tirava sua beleza. “Não foi rápido, foi aos poucos. Passei a usar blusas que mostravam os braços e depois saia. É muito bom ouvir os depoimentos das mulheres falando que começaram a se aceitar depois de ver as minhas fotos. Além do orgulho na voz do meu filho quando diz que a mãe tem vitiligo, isso ameniza tudo o que eu já sofri por causa da doença”, termina.