Flávia Flores sempre manteve uma rotina de cuidados com o cabelo e uma relação muito forte com os fios. O amor era tão grande que, quando foi diagnosticada com câncer de mama em 2012, sua primeira pergunta ao médico foi se ela ficaria careca. Os fios começaram a cair no dia 21 de dezembro daquele ano, dia que foi anunciado como o “fim do mundo”. Coincidentemente (ou não), eles voltaram a crescer em um domingo de Páscoa, dia da ressurreição.
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“Acho que tinha esse apego e cuidados com o cabelo porque, quando era pequena, minha mãe cortou super curtinho. Eu sofri um pouco de bullying quando tinha 9 anos por causa disso e nunca mais deixei ninguém mexer no meu cabelo”, conta Flávia em entrevista o Delas . O que ela não esperava era o câncer , que mudaria por completo sua vida e, claro, seu cabelo também.
A idealizadora do projeto “Quimioterapia e Beleza” acreditava que ficaria um “monstro” careca , mas, depois que se viu sem cabelo, percebeu que ficar careca era muito mais fácil que esperar pela queda dos fios. “Quando me olhei no espelho, quando tirei a primeira selfie, pensei: ‘não é que dá para ficar bem careca?’”, revela.
Queda dos fios
Nem todo mundo que tem câncer vai ficar careca. De acordo com Marcello Ferretti Fanelli, oncologista do Hospital e Maternidade São Luiz, a queda é uma resposta de determinados remédios que são usados na terapia, então tudo depende do tratamento que a pessoa vai passar.
“A alopecia também varia em velocidade e intensidade. Em algumas pessoas resultam queda total logo no primeiro ciclo, enquanto em outras ocorre a queda parcial ao longo dos ciclos do tratamento”, explica o especialista. O quando vai cair também depende de cada remédio usado, já que alguns causam queda mais acentuada cerca de 17 dias após a aplicação, por exemplo, e outros causam pequenas perdas a cada semana.
Para Flavia, o cabelo caiu de uma vez. Ela encontrava chumaços de cabelo, os fios caiam em cima da comida, dos travesseiros, então ela decidiu cortar tudo de uma vez. “Passei a máquina e, depois, a lâmina de barbear. Me disseram que não podia, mas queria que ficasse bem lisinho.”
Algumas pessoas também preferem cortar o cabelo por conta da sensação desagradável que a queda progressiva gera. Além disso, o efeito quimioterápico no couro cabeludo também pode causar uma ardência na região, então algumas pessoas podem sentir dor.
Ferretti conta também que, hoje, já é possível evitar a queda do cabelo com o uso de uma touca especial que resfria o couro cabelo antes, durante e depois das sessões de quimioterapia . O fluxo de sangue na região diminui e é possível fazer com que a queda não ocorra ou ocorra de forma quase imperceptível. “Só não pode ser feito em todos os casos, então precisa avaliar o tipo de remédios usados no tratamento para ver se isso é possível.”
Para quem precisar passar pela fase de queda do cabelo, os fios voltam a crescer logo após o fim do tratamento de câncer, segundo o especialista, um centímetro por mês, depois da última aplicação. Nesta fase, é importante tomar cuidados com o cabelo para não agredir os fios, como evitar temperaturas elevadas, como água quente e secador, e também deixar as tinturas com amônia de lado, pelo menos por um tempo.
Antes de tudo, a careca
O renascimento dos fios só ocorre depois do fim do tratamento, então antes dos cuidado com o cabelo novo é preciso tomar conta de uma região muito importante: o couro cabeludo. Se antes ele era protegido pelo cabelo, após a queda dos fios fica exposto a qualquer situação. Flavia conta que o protetor solar facial deixou de ser apenas facial, e passou a usar o produto também na careca. E ela usava sempre, até mesmo quando também optava por sair de casa com um lenço ou peruca.
Outra dica é passar a mesma base que usar no rosto na careca também, pelo menos nos primeiros dias, já que a cor vai estar diferente. Dá mesma forma que a gente iguala a cor do rosto com o pescoço, dá para fazer o mesmo com o couro cabeludo. “Fazia isso, mas com um pouquinho de sol a cabeça já ficou uniforme. É engraçado ver que quando algumas mulheres raspam a cabeça, principalmente se usa o cabelo só de um lado, fica a marca do risco ou do redemoinho no couro cabeludo”, conta Flavia.
A administradora usava sabonete para lavar a cabeça quando estava na fase careca, mas o cabeleireiro Bruno Kotama, profissional da rede Soho, explica que também dá para usar os xampus neutros. Só não dá para optar pelos produtos para cabelos secos, alisados, coloridos ou derivados, já que estes não são para quem está careca, são específicos para o cabelo.
"Lembrando que nunca devemos usar condicionador quando estamos carecas porque se usar podemos sentir coceira, irritação e descamação da pele”, explica o profisional que participou de evento promovido pela empresária Selene Ferreira e que reuniu dez mulheres em tratamento oncológico para cuidados e dicas com cabelos, pele, make, mãos e estilo.
Perucas e lenços
Quando ficou careca, Flávia Flores logo pensou em comprar uma peruca de cabelo natural para usar e ninguém perceber que ela estava doente. Entretanto, o preço de um item assim é muito alto, e nem ela ou a família podiam pagar pelo produto. “Não podia gastar toda a reserva que tinha para comprar uma peruca natural, então peguei R$300 e comprei várias artificiais em uma loja de fantasia.”
Tinha peruca rosa, azul, loira, com o corte chanel, mais comprida, e, para Flávia, foi a melhor coisa que ela fez. “Estava sempre montada. Um dia era a Katy Perry, no outro, a Cleópatra. Isso quebrava o gelo com meus amigos e me ajudou muito a passar pelo tratamento mais feliz.”
Flávia também ficou conhecida pelos lenços, tanto que fundou o Banco de Lenços Flávia Flores, por onde recebe lenços que, depois de tratados, são encaminhados para mulheres que solicitam pelo site da ação. Mas quem for esconder a careca precisa lembrar que a cabeça também precisa respirar.
O cabeleireiro explica que é possível usar lenços, bonés e chapéus com equilíbrio, mas, nos momentos em que não for necessário cobrir por causa das radiações ou porque a pessoa já está se sentindo mais confortável, é importante tirá-los para que circule "ar novo”. Vale também enxugar quando estiver muito quente e suado.
Volta dos fios
Lembrar do dia em que sentiu seu cabelo voltar a crescer é algo que emociona Flávia. Ela conta que sempre passava a mão na cabeça, até que em um domingo de Páscoa sentiu uma penugem. “Chamei meu filho e perguntei se era cabelo. E era sim. Comecei a chorar.”
O cabelo voltou a crescer bem fininho e liso. No começo, bem branquinho, ela até achou que ficaria grisalha, mas não. Hoje, com o cabelo natural, exibe fios castanhos e nenhum branco. Um coisa que atrapalhou um pouco a saúde dos fios foi ter descolorido o cabelo tempo depois, algo que já acontece com qualquer pessoa que tente alterar a coloração. Entretanto, no caso das pessoas que estão com fios novos, são necessários cuidados com o cabelo redobrados.
Em relação a corte, Bruno Kotama conta que quando os fios já estiverem com aproximadamente um dedo de comprimento já dá para ajustar o corte. O cabelo costuma ficar desalinhado neste fase, mas com a ajuda de um profissional já dá para dar um estilo de corte.
Há também algumas técnicas que ajudam no crescimento, como estímulos físicos – massagem com dedos ou escova de cerdas macias – ou o uso de tônicos capilares. “Lembrando que o mais importante é manter uma alimentação e exercícios bem equilibrados para o cabelo crescer forte e saudável”, ressalta Kotama.
Assim como o oncologista do Hospital São Luiz, o cabeleireiro também aconselha as pessoas que estão voltando a ter cabelo a evitar produtos que resultem em inflamação no couro cabeludo. Além de irritar a região, esses produtos também podem levar à diminuição do crescimento do fio.
Transformação
Aquele apego todo que Flávia tinha pelo cabelo não existe mais. Após ver que os fios estavam muito fracos e quebrados por conta da descoloração, não teve dúvida, cortou tudo de novo e deixou crescer naturalmente. Mesmo assim, foi grande a emoção na hora de comprar o primeiro xampu pós tratamento do câncer.
Se tem uma pessoa e um grupo que ainda não desapegou do cabelão da administradora são o marido e a família. Flávia vai se casar no religioso, e há um consenso da família em apoiar o cabelo comprido. “Família árabe, gostam de volumão”, brinca. Ela até está deixando os fios crescerem, mas, depois da cerimônia, já sabe o que vai fazer: cortar mais uma vez.
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E para quem vai passar pela quimioterapia ou já passou e está preocupada com os cuidados com o cabelo, a maior dica de Flávia é curtir cada fase. “Curta a fase careca, depois curta o joãozinho, depois começa a dar para prender, colocar tic-tac, fazer trança. É bom, é lindo. Não tem que se esconder ou ficar com vergonha. É uma fase bonita e de autoconhecimento, que te transforma em uma pessoa muito melhor.”