Você provavelmente já deve ter praticado "gouinage" , ainda que nunca tenha ouvido falar nesse termo. Apesar do nome "estranho", que tem origem francesa, o gouinage nada mais é do que o sexo sem penetração. Em seu sentido literal, a expressão refere-se a uma relação sexual entre duas mulheres, mas qualquer outro casal, LGBTQIA+ ou hétero, pode passar pela experiência.
Calma lá! Isso não quer dizer que não haja sexo com penetração entre duas mulheres. Existem mulheres com pênis que penetram outras sem pênis e mulheres cis que penetram uma à outra com o uso de sex toys ou dos dedos. Mas mesmo que hoje estejamos conversando mais abertamente sobre o tema, ainda limitamos o sexo à penetração do pênis no ânus ou na vagina.
Sexo é toda e qualquer atividade com o intuito de oferecer e obter prazer entre as partes e existem milhares de formas de se fazer isso — a penetração é apenas uma delas. Masturbação mútua, sexo oral, frottage, frotteurismo… tudo isso também é gouinage . O importante é explorar o corpo inteiro, conhecer a si mesmo (a), ao outro (a), e também entender quais são os pontos de excitação (zonas erógenas) de cada um.
"Se a gente for perguntar para uma pessoa o que é o sexo propriamente dito, essa pessoa provavelmente vai responder que o sexo é a penetração (pênis e vagina ou pênis e ânus). Tanto que, mais antigamente, quando se falava em virgindade, podia se fazer tudo, menos 'sexo'. Como assim fazia sexo oral e ainda era virgem?", questiona a sexóloga e terapeuta sexual Dani Fontinele.
Uma pesquisa realizada pela empresa de análise de dados YouGov no Reino Unido mostra que 45% dos britânicos acreditam que estimular o pênis com a boca é "fazer sexo", e 41% acreditam que não. Já em relação à estimulação oral do clitóris, 44% a consideram como "sexo", e 40% não consideram.
Quando se trata de masturbação, apenas 34% dos entrevistados veem o ato de estimular o pênis como "sexo", enquanto 52% pensam o oposto. Enquanto isso, usar os dedos para estimular o clitóris é visto como "sexo" para 37% dos britânicos; e 48% discordam da afirmação.
Do oral sex, hand jobs and fingering count as "having sex"?
— YouGov (@YouGov) March 3, 2023
👄🍆: 45% counts / 41% does not count
👅🍩: 44% / 40%
🍩👈: 37% / 48%
✊🍆: 34% / 52% https://t.co/Gd4ieIHF6y pic.twitter.com/LTwzrAfVRj
Estimulação oral no pênis
- 45% consideram como "fazer sexo";
- 41% não consideram;
- 8% não souberam responder;
- 7% preferiram não responder.
Estimulação oral no clitóris
- 44% consideram como "fazer sexo";
- 40% não consideram;
- 8% não souberam responder;
- 7% preferiram não responder.
Estimulação do clitóris com o dedo
- 37% consideram como "fazer sexo";
- 48% não consideram;
- 8% não souberam responder;
- 7% preferiram não responder.
Masturbação do pênis
- 34% consideram como "fazer sexo";
- 52% não consideram;
- 7% não souberam responder;
- 7% preferiram não responder.
Sexo sem penetração pode ser libertador
Entender que sexo vai muito além da penetração pode ser libertador. Estímulos sensoriais também podem levar ao prazer (e até ao orgasmo), e compreender isso permite que pessoas que não podem ser penetradas — por exemplo, uma pessoa que perdeu a função sensitiva dos membros — também se vejam no direito de explorar a sua vida sexual.
"Olha que delícia que é a gente fugir daquela coisa: beijo na boca, beijo no pescoço, sexo oral, aí rola a penetração, o homem goza, a mulher finge que goza — pode até gozar antes ou depois, mas muitas fingem que gozam —, e os dois viram para dormir. Esse script
, esse roteiro é chato. Então, o gouinage,
o sexo sem penetração vem para a gente se libertar disso", comenta Dani Fontinele.
Os dados engrossam a fala da especialista. Em levantamento realizado pela Hibou, empresa de pesquisa e insights de mercado e consumo, oito em cada dez mulheres (79%) disseram já terem fingido orgasmo. As justificativas para isso foram: terminar logo o ato (53%); agradar o parceiro (30%); evitar explicações (17%); evitar constrangimentos (15%); e preferiram não responder (8%).
"E também é muito libertador para homens gays. 'Não é porque eu sou gay que eu gosto de sexo anal'. O estereótipo que existe é 'Todo homem gay gosta de sexo anal'. Um penetra e o outro recebe, um é ativo e o outro é passivo. E olha que conflituoso: 'Eu sou gay, mas eu não gosto que me penetrem e eu também não quero penetrar nenhum ânus. O que eu faço?'. Existe um mundo de possibilidades".
É preliminar?
O dicionário Oxford Languages, que alimenta a base de dados do Google, define "preliminar" como "aquilo que antecede o principal". Então, no senso comum, quando falamos de sexo, as premilinares são tudo aquilo que acontece antes da penetração. "Se a gente está falando de um sexo sem penetração, não existe isso de premilinar, não faz nem sentido a gente falar de preliminar no gouinage ", explica a especialista.
Mas a ideia de que o coito é a peça chave de uma relação sexual está enraizada na nossa sociedade há milhares de anos. Na Bíblia, por exemplo, o sexo é apenas para reprodução; caso contrário, é considerado pecado. "E quando a gente fala desse sexo para reprodução, trata-se de uma relação sexual que precisa ter o orgasmo do homem, mas não precisa ter o orgasmo da mulher. Então, o prazer feminino ficou em último plano", avalia Dani Fontinele.
E além disso, ainda existe o mito de que o homem hétero tem mais desejo sexual e maior necessidade de liberar tensões sexuais do que as mulheres. Mas quando nós falamos que a penetração não é o mais importante em uma relação sexual, então o pênis se torna coadjuvante.
Em outro estudo, desta vez realizado pelo Instituto Kinsey, da Universidade de Indiana (EUA), aponta que mulheres que mantêm relações sexuais com outras mulheres têm maior facilidade para chegar ao orgasmo. Segundo a pesquisa, 86% delas disseram ter orgasmo com frequência. Esse índice cai para 65% entre aquelas que afirmaram fazer sexo apenas com homens.
Dicas para explorar o gouinage
O grande passo para praticar gouinage é estar aberto (a) a experimentar coisas novas. "Para um homem que está acostumado a sempre fazer a penetração , ele precisa estar disposto a isso, porque para ele, é como se a gente tirasse uma fonte de prazer. Já para a mulher que não tem muito prazer com penetração, é um pouco mais fácil, ela não perde muita coisa", diz a sexóloga.
O segredo é explorar o corpo do outro, com beijos, carícias, massagens, e assim, descobrir quais áreas trazem mais excitação quando estimuladas. "Uma dica que eu sempre dou para os pacientes é que, se for muito difícil, pode começar usando calcinha e cueca, para evitar o contato direto ali de primeira. Não é que não pode ter; o sexo sem penetração tem sim contato e outros tipos de carinhos e toques que podem ser feitos ali, só não tem a penetração (pênis e vagina ou pênis e ânus)".
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** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).