O estresse crônico causado pelo trabalho, a chamada síndrome de burnout , tem sido uma queixa constante na vida de muitas pessoas que vivem situações de esgotamento extremo. Os sintomas não têm fim quando o horário comercial acaba; faz parte da síndrome que os impactos se estendem para a vida pessoal, comprometendo o sentimento de prazer ao realizar atividades que, antes, eram prazerosas e importantes para o descanso e bem-estar. Entre essa leva de ações que se tornam desprazerosas está o sexo, já que o burnout pode afetar a vida sexual.
A síndrome de burnout é constituída por uma série de sintomas físicos e mentais, como irritabilidade, cansaço excessivo, ansiedade, pensamentos excessivamente negativos, insegurança e desesperança relacionada ao trabalho; além de tonturas, náuseas e dores de cabeça recorrentes, por exemplo.
Todos esses indícios resultam em três pilares principais: falta de realização pessoal, sentimentos de despersonalização (ou seja, uma desconexão do corpo com a mente) e exaustão emocional. Além da possibilidade de culminar em distúrbios psicológicos, como a depressão e ansiedade, esses agentes prejudicam a vida sexual.
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Estudos constatam que as mulheres estão mais vulneráveis o burnout . Em 2021, o levantamento Women in the Workplace, realizado com 65 mil pessoas, constatou que 42% das mulheres estadunidenses e canadenses sofrem com sintomas do burnout; para os homens, a taxa é de 35%. Ou seja, mais de 27 mil mulheres demonstraram exaustão extrema motivada pelo trabalho nessas regiões, o que indica que possa existir uma prevalência grande também em outros países.
Diversas pesquisas apontam que a maior incidência em mulheres têm relação com a desigualdade de gêneros, já que são pressionadas a cumprir com papéis sociais mais exaustivos – por exemplo, encarregando-se de jornadas triplas de trabalho.
O impacto do burnout na vida sexual
Além dos sintomas mentais, dores de cabeça, enxaquecas, fadiga, tensões e cansaço muscular estão entre os impactos físicos da síndrome de burnout. “É claro que todos esses sintomas intensos afetam a vida sexual. A pessoa pode ter falta de libido e de vontade de ter relações. A lubrificação diminui, pode chegar a ser quase nula, há dificuldades de chegar ao orgasmo e dores durante o ato”, explica Bárbara Bastos, terapeuta sexual e sexóloga.
Bastos complementa que o orgasmo é uma sensação que tem início na mente, e não no corpo. Para que a relação sexual seja prazerosa, é preciso que exista relaxamento. Então, momentos de estresse e cansaço excessivo tornam ainda mais difícil se entregar para um estado suscetível a receber prazer.
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Com isso, o sexo, que nem sempre é visto como prioridade, acaba se tornando cada vez menos importante. “A pessoa acometida pelo burnout está passando por tantas outras questões internamente que a pressão se torna intensa. Relaxar e conseguir alcançar o orgasmo também significa entrega, o que é impossível de se ter quando se está muito estressada”, pontua a sexóloga.
Bastos aponta que esse “desamparo” da vida sexual acontece aos poucos e despercebido. “A sexualidade feminina fica bem abandonada, mesmo sem o distúrbio. Somos ensinadas a não tocar ali ou que o sexo é algo promíscuo, quando na verdade é uma questão de saúde muito negligenciada. A sexualidade também é se olhar com carinho e com cuidado, algo importante para o bem-estar interno”, indica.
Apesar de ser mais relacionado às mulheres que estão em um relacionamento, o impacto sexual também existe no caso de pessoas solteiras, que podem não sentir vontade de transar e ainda deixar de lado a masturbação, por exemplo. Mesmo que existam tentativas para estimular a libido, o ato em si pode ficar mecânico e não gerar excitação – sendo que a masturbação pode ser uma chave importante para o relaxamento.
No caso de quem está em um relacionamento, a falta de uma conversa franca com o par sobre o desgaste pode até gerar crises na relação. “Acho curioso que as pessoas ficam nuas perto da outra, mas não conseguem ter um diálogo aberto e saudável”, questiona Bastos. Enquanto uma pessoa sofre com os efeitos do burnout, a outra começa a criar falsas especulações para explicar a falta de relações sexuais, como a falta de amor ou até uma traição.
O desgaste da vida sexual, resultado desse outro desgaste na vida profissional, pode fazer com que as mulheres sintam culpa por não conseguirem “dar conta” dessas áreas da vida, o que gera medos e inseguranças. “O homem precisa ser sempre viril e a mulher sempre deve estar disponível, se não ‘o homem vai encontrar aquilo em outro lugar’. Essa pressão só agrava a situação para todos os lados”. A ausência do autocuidado também é outro fator presente.
“É preciso entender que nesses ambientes de trabalho, as pessoas estão competindo intensamente por algo a tal ponto que só aquilo é vivido. Elas não conseguem enxergar as outras áreas da vida e se esforçar diante delas, não tem mais de onde tirar forças para fazer sexo, ler um livro ou sair com os amigos porque é preciso ter disposição. O burnout suga muito. A pessoa vive uma versão mais intensa daquilo”, conclui Bastos.
Como trazer a libido de volta?
A sexóloga afirma que não é possível fazer com que a vida sexual fique saudável sem que a mente acompanhe esse processo. Por esse motivo, o burnout em si deve ser tratado primeiro. A tendência é que a melhora da sexualidade acompanhe esse processo.
A busca por profissionais da área de saúde mental, como psiquiatras e psicoterapeutas, deve ser o primeiro passo. “Existem tratamentos que podem ser levados em consideração que podem reduzir esses esgotamentos, permitindo que essa pessoa retome a um ritmo mais tranquilo e volte à normalidade”.
No caso da vida sexual, Bastos indica que a pessoa não se force a fazer o que não quer e não se prenda a "fórmulas mágicas” para trazer o tesão de volta. Além de não existirem, esses passo a passo podem causar ainda mais frustrações e sentimento de impotência. No caso da libido, o sexo e a masturbação devem ser colocados de lado em um primeiro momento. “Não adianta dizer faça isso ou aquilo. É preciso resolver toda questão que está desencadeando essa dor”.
“O prazer sexual não tem a ver só com o prazer na cama, mas com a vida. Nesse momento, o ideal é investir em ações que vão melhorar o bem-estar, como o contato com a natureza, o hábito da leitura e a redução do tempo online, por exemplo”, indica Bastos, reforçando que essas atividades devem ser acompanhadas pelo tratamento médico.
Sexo não deve ser negligenciado
A sexóloga aponta que a negligência com a sexualidade e a vida sexual pode resultar em ainda mais conflitos e sofrimentos para quem sente a libido baixa devido ao burnout. A especialista atribui isso à maneira como o sexo é reduzido à promiscuidade ou se torna “assunto proibido”, resquícios da falta de entendimento sobre educação sexual.
Como consequência, muitos profissionais da área da saúde não estão prontos para ajudar os pacientes com relação à vida sexual. “A faculdade de medicina não aborda a sexualidade. Então, o resultado é ouvir recomendações como beber um vinho e relaxar ou passar um calmante, como se houvesse uma fórmula mágica”.
Ela vê a terapia sexual como uma ferramenta que pode auxiliar no diagnóstico: “Muitas pessoas chegam ao consultório com queixas de dificuldade de chegar ao orgasmo, falta de excitação e de lubrificação e, quando se começa a investigar, a causa está no trabalho”.