Quando se fala em educação sexual, não é raro encontrar quem não tenha recebido um conteúdo satisfatório durante a época escolar, e que, por isso, teve de entender a própria sexualidade de outras formas. Hoje, o número de mulheres que não se masturbam , que não têm orgasmos e que têm vergonha de falar sobre assuntos relacionados à saúde sexual é grande e, segundo especialistas, isso se deve, principalmente, à falta de conhecimento sobre os temas.
Como o sexo ainda é, em geral, um tabu, discutir educação sexual de forma séria ainda é complicado (especialmente quando há fatores socioculturais e religiosos envolvidos). Ainda assim, isso não significa que, entre amigos ou com o auxílio da internet, as pessoas não demonstrem interesse pelo tema. De acordo com a terapeuta sexual Thais Plaza, porém, esse não costuma ser o caminho mais esclarecedor.
“O que acaba acontecendo é, em uma conversa entre amigas ou em uma busca no Google, pegarem a sexualidade, o que funciona para algumas pessoas, e colocarem para a outra pessoa como uma verdade universal”, explica a terapeuta, ressaltando a falta de uma fala preparada esclarecer tabus e questionamentos. E foi justamente dessa necessidade que nasceu o “Consultório do Prazer”, show que aborda temas “espinhosos” em formato de stand up – ou, como ela prefere dizer, “sextand up”.
Usando justamente os equívocos em que as pessoas costumam acreditar quando o assunto é sexo, Thais criou, juntamente com a amiga e comediante Darlene Barbosa, uma apresentação que, ao mesmo tempo em que prende a atenção da plateia, desconstrói mitos e tabus a respeito de sexualidade feminina, órgãos genitais, sexo anal e outros temas “polêmicos” que normalmente são deixados de lado na educação sexual convencional.
Além de ser pós-graduada em terapia sexual e atuar como tal, Thais também é dona de uma “sex shop” que, periodicamente, recebe cursos de capacitação em sexualidade. Darlene conta que, quando decidiu participar de um desses cursos, já tinha em mente a ideia de realizar algum trabalho relacionado à educação sexual e já havia até criado a personagem que, hoje, é a estrela do show.
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As duas se conheceram no curso e, quando Thais se deparou com a ideia da personagem desbocada Dra. Zeferina – que, apesar de reproduzir o senso comum, se intitula “doutora” durante a apresentação – viu a chance de concretizar planos que, assim como Darlene, já tinha em mente. “Juntamos nossos sonhos”, conclui. Foi assim que, há cerca de oito meses, elas terminaram de esquematizar o “Consultório do Prazer”, colocaram o show na estrada e, hoje, têm apresentações marcadas em diversas cidades do Brasil durante os próximos meses.
Descontração, responsabilidade e empoderamento
Conforme explica Darlene, Dra. Zeferina é uma “sexóloga” formada pela fictícia universidade “Povo Unido de Caruaru” que tem justamente o comportamento classificado como problemático por Thais: transforma experiências próprias e mitos recorrentes em verdades absolutas. “A montagem do stand up vem muito de cenas do cotidiano que são justamente as perguntas que as pessoas têm vontade de fazer, mas não têm coragem”, explica Thais.
Com ajuda de adereços – como vulvas de pelúcia e consolos em tamanho extra grande, que tornam o clima do show ainda mais cômico – e paródias de músicas famosas, Darlene faz piadas que envolvem tamanho de pênis, orientação sexual, e o comportamento das pessoas durante o sexo. Conforme o show se desenrola, Thais arremata a comédia com conhecimento, ensinando a “doutora” e, ao mesmo tempo, sanando dúvidas que, certamente, alguém da plateia tem.
Thais explica, inclusive, que o título “sextand up” não é apenas uma piada. “Stand up que fala de sexo já existe, são os humoristas que ficam falando coisas sobre ‘pinto’ pequeno e fazendo piada. Aqui, não é humor pelo humor. O ‘sex’ é de ‘sexualidade’, não de ‘sexo’. A gente diverte, mas, quando termina o espetáculo, vem muita reflexão”, afirma a terapeuta.
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De acordo com ela, a reflexão desencadeada pelas discussões propostas em palco se manifesta no retorno da plateia. “A gente tem marido que trouxe a esposa e esposa que trouxe o marido. Fizemos um espetáculo em que veio uma pessoa com uma amiga e, no próximo, ela quis chamar a mãe e o pai. Disse que eles nunca tinham tido um diálogo sobre isso, mas que, depois do show, tiveram um papo ótimo sobre o assunto”, explica Thais.
Entre os assuntos levantados no palco, os que mais se destacam são os que envolvem tamanho de pênis e sexualidade feminina. Para Dra. Zeferina, transar com um homem que não é “bem dotado” é, sem dúvidas, uma experiência ruim, mas a terapeuta contrapõe os comentários da “sexóloga”. Nesse momento, ela ensina tanto a colega quanto a plateia que o sexo não é apenas um “encontro de genitais”, que ele envolve outras carícias e, acima de tudo, o estímulo da mente.
As duas também brincam a respeito das “técnicas” que muitas pessoas usam para fazer sexo oral , como tentar “desenhar” as letras do alfabeto com a língua para estimular a vulva enquanto a mulher não sente prazer algum. Usando um modelo gigante de vulva com um clitóris “destacável”, Thais fala sobre o clitóris, mostra que ele vai muito além do da pontinha que fica visível e explica que não existe fórmula a ser seguida na hora do oral.
O espetáculo também incentiva bastante o empoderamento feminino. Apesar de não ter um conhecimento especializado, a Dra. Zeferina não tem papas na língua ao falar sobre o que gosta e o que não gosta de fazer na cama, e não tem medo de fazer sua vontade valer. Enquanto isso, Thais incentiva que a mulher se toque mais, conheça o próprio corpo – já que, segundo ela, se a vulva visse o próprio reflexo, diria: "Espelho, espelho meu, existe região mais desconhecida do que eu?" – e se comunique com o parceiro para que ele também entenda quais estímulos são mais ou menos prazerosos para ela.
Pouco antes de as duas horas de show chegarem ao fim, a dupla abre um espaço para perguntas e respostas em que a plateia pode, de forma anônima, anotar questionamentos em pedaços de papel e entregá-los a elas. Após receber os bilhetinhos, Thais separa o que vale mais a pena responder e o faz ao vivo.
Nesse momento, é possível perceber o quanto o show prende a atenção dos espectadores, que questionam temas abordados ao longo da peça, complementam piadas e usam a oportunidade para levantar assuntos ainda mais polêmicos, como o prazer anal para homens heterossexuais, por exemplo.
Como elas recebem muitas dúvidas e o tempo é curto, nem todas são respondidas, mas, se há mais questionamentos interessantes, eles costumam ser abordado no canal que as duas têm juntas no YouTube, o “Se Toca”. Nele, existe o quadro “Consultório do Prazer”, cuja dinâmica é a mesma do show – senso comum, comédia e conhecimento.
Compromisso com os “pequenos”
Quando questionadas sobre censura nos shows, Thais e Darlene explicam que há, sim, a classificação indicativa de 16 anos, mas que a plateia, muitas vezes, inclui pessoas mais novas. “A gente já teve uma pessoa de 13 anos no show que veio com a mãe porque ela disse: ‘Eu quero que ele aprenda desde cedo como se coloca uma camisinha'. Quando ele for se relacionar com uma mulher, vai entender que não é só ficar ali no genital, é se envolver com o corpo, com o afeto”, explica Thais.
Mas, afinal, não é muito cedo para isso? Segundo a terapeuta, não existe certo e errado quando o assunto é educação sexual. “Não existe momento certo. A idade ou momento certo é o momento em que a pessoa começa a ter curiosidade, e isso pode começar com doze ou pode começar com dezoito”, esclarece ela. E é justamente por isso que, além do “sextand up”, a dupla também tem outro projeto em andamento – mas apenas para crianças e adolescentes.
Enquanto o “Consultório do Prazer” é, por enquanto, um espetáculo apropriado para bares, o “Afetolândia” foi criado para escolas. Nele, em vez da Dra. Zeferina, a dupla leva Leleca – uma adolescente que sofre bullying – e o MC Vrau – um jovem trans – para escolas, ainda usando o humor para transmitir conhecimento. Porém, ao contrário dos shows, que são patrocinados, a “Afetolândia” é um projeto pessoal.
“É lógico que, no futuro, ele pode ser vendido, apoiado por empresas, mas, em um primeiro momento, ele é nossa contribuição para a sociedade. É mais para escolas de periferia e públicas como um projeto de responsabilidade social nosso”, explica a terapeuta, afirmando que, para ela, o humor é a saída para transformar a educação sexual, tanto para crianças quanto para adultos.
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“A gente não tem como objetivo trazer as pessoas que frequentam esse tipo de show ou que lidam bem com a sexualidade. Usar o humor é trazer pessoas que nunca pensaram em assistir algo sobre sexualidade, em falar sobre educação sexual ”, conclui a terapeuta.