A figura de Heitor Werneck pode causar estranhamento em algumas pessoas. Em um primeiro momento, quem não o conhece pode se focar apenas nas tatuagens, unhas pintadas e já descascadas, roupas de couro, vinil, sobreposições, além de outros gostos. Mas se vasculharmos um pouco a história deste brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, mas que mora em São Paulo, descobrimos que sua história explica toda a aparência.
Leia também: Festa em São Paulo explora os maiores fetiches sexuais
Heitor Werneck foi um dos primeiros punks no Brasil. Após passar um tempo estudando fora, foi acolhido pelo Madame Satã, casa noturna que marcou o cenário noturno da capital paulista na década de 80. Aos poucos, o jovem de aparência estranha para aqueles mais acostumados com o pandeiro e o violão, passou a criar marca no universo underground.
Ele tinha, e ainda tem, uma paixão pela moda, e isso fez com que chegasse, ainda que pelos bastidores, à televisão, um dos meios de comunicação mais importantes para o Brasil dos anos 90. À frente da grife Escola de Divinos, Heitor criou figurinos de novelas como Vamp, e conseguiu levar com naturalidade para a casa do brasileiro um tema que até hoje, quase três décadas depois, ainda é tabu: o fetiche.
Estilo de vida ou desejo sexual?
Pelos figurinos das novelas, o brasileiro tomava conhecimento de um verdadeiro estilo de vida. As roupas são baseadas em matérias como vinil e látex, há a presença de caveiras, ratos, sobreposições, assimetrias. Você pode pensar que este é apenas o universo gótico, mas para o estilista isto veio de seu gosto pelo fetiche.
Para Heitor, o fetiche extrapola as barreiras do desejo sexual, estando presente também na moda, na cultura, no dia a dia da pessoa. E assim como o próprio estilista, o fetiche precisa ser conhecido mais a fundo para que preconceitos não sejam estabelecidos.
Câncer nos ossos
Se na década de 90 a moda era o que ganhava a maior atenção do estilista Heitor Werneck, nos últimos anos foi o fetiche que se tornou ponto central de seu trabalho como produtor cultural. A mudança, entretanto, foi gerada por uma fase bem complicada da vida do estilista.
Quando tinha 29 anos, ele descobriu que tinha um tumor maligno nos ossos. Foram dez anos inteiros dedicados ao tratamento da doença, que afetou seu quadril, ombro e coluna e, hoje, causou uma forte osteoporose. Além de precisar interromper seu trabalho com a Escola de Divinos e se submeter a cirurgias e sessões de quimioterapia e radioterapia, ele ainda viu supostos amigos e parceiros se afastarem aos poucos.
“O Luxúria foi uma terapia. Uma forma de eu me segurar à vida com prazer”, afirma o produtor cultural. Heitor se refere a uma festa que promove desde 2006 em São Paulo, cujo tema principal é o fetiche. Já que ele sempre levou a ideia como estilo de vida, por que não levar o gosto mais a sério, como sugeriu uma amiga? Mas esta não foi a única mudança em sua vida.
Leia também: Novo diretor artístico da Parada LGBT, Heitor Werneck se torna colunista do iG
“É realmente um AC/DC: antes do câncer e depois do câncer. Depois de tudo, eu percebi como as pessoas são voláteis à sua condição financeira. Mas não que isso tenha me deixado amargo. O câncer me ensinou que o maior tumor não é o que você tem dentro do corpo, mas, sim, a sociedade.”
Hoje, Heitor vê o mundo de outra forma, procurando sempre a raiz do problema para arrancá-la. O produtor já mantém o Projeto Luxúria , que ocorre mensalmente em São Paulo, e pretende voltar com uma nova marca de roupas até o final do ano. Além disso, vai iniciar uma nova coluna no portal iG para acabar com todas as dúvidas em relação ao fetiche.
Novo colunista
Reafirmando a ideia de que fetiche vai além da preferência sexual de uma pessoa, Heitor Werneck vai mostrar em sua coluna que o tema abrange também moda, comportamento, noite e outras questões do dia a dia.
Na verdade, o sexo para o colunista já é algo que encapa todos estes aspectos da vida em sociedade. “O sexo é a necessidade física, psicológica, orgânica e social de expelir fluídos. Se todo mundo transasse, o mundo ficaria muito melhor”, brinca. “O sexo é uma forma de você prolongar a espécie ou extravasar ou se conhecer. O sexo é tua essência, saca?”
A relação sexual também é uma forma de encontrar seus próprios limites, segundo o próprio Heitor. Apenas quando ele descobriu o que era o spanking que entendeu que a vontade que tinha de bater nas pessoas com que se relacionava não se tratava de uma violência, mas um desejo sexual. Ao entender isso, e ao encontrar parceiros que também eram adeptos à prática, ele deixou de ter relacionamentos abusivos e conseguiu se encontrar na cama.
Parada SP
Nesta nova fase da vida, Heitor Werneck também assumiu a direção da Parada SP, do orgulho LGBT de São Paulo. O produtor sempre esteve engajado na luta pelos direitos dos homossexuais e transexuais, por exemplo, mesmo não vendo necessidade das pessoas exporem sua própria orientação sexual.
Leia também: Até que ponto um fetiche é apenas uma fantasia sexual? Especialista explica
“Eu fui o primeiro a colocar Drag Queen em desfile, a pôr casais gays em desfile, levantei este questionamento dentro da Rede Globo, estou na parada desde sua primeira edição, fiz personagens bissexuais, campanhas de conscientização da aids... Eu tenho uma militância muito grande”, completa Heitor Werneck.