Pessoas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) também menstruam

Estudo indica que mulheres no TEA são sub-diagnosticadas, o que dificulta falar sobre a sua relação com a menstruação

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Menstruação e Transtorno do Espectro Autista (TEA): mães relatam como as filhas lidam com o período menstrual

Cólicas, dores de cabeça, indisposição e irritabilidade são apenas alguns dos sintomas associados à menstruação. As maneiras pelas quais cada indivíduo passa pelo período menstrual variam de pessoa para pessoa. Mas menstruar pode ser ainda mais estressante para a mulher no Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Durante muito tempo, as estimativas apontavam para a maior prevalência de casos de TEA em pessoas do sexo masculino. Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos chegaram a indicar que a proporção era de 4 meninos para cada 1 menina. Nos últimos anos, no entanto, essa diferença vem diminuindo.

Além disso, um estudo publicado em 2019 na revista Molecular Autism revela que as mulheres com autismo são sub-representadas nas pesquisas científicas, o que pode levar a diagnósticos imprecisos, além de tornar invisível a relação entre TEA e menstruação.

TEA e puberdade

Durante a puberdade, o nosso corpo passa por mudanças físicas e biológicas que marcam a passagem da infância para a vida adulta. A menarca, isto é, a primeira menstruação, acontece, em média, aos 13 anos de idade. 

"Quando falamos de pessoas autistas, o ideal é que as famílias já estejam preparadas para conversar sobre esse assunto e, se possível, envolver uma equipe multidisciplinar para bolar estratégias para explicar as mudanças que acontecem no corpo, o porquê acontecem, como se cuidar", afirma Mayra Gaiato, neurocientista e psicóloga, especializada em Autismo e Desenvolvimento Infantil e fundadora do Instituto Singular.

Segundo a especialista, exemplos concretos e visuais são ótimos aliados na hora de educar e ensinar regras sociais para as crianças e adolescentes. Mas é importante adaptá-los de acordo com a faixa etária e nível de suporte do indivíduo (1, 2 ou 3, sendo o 1 o "mais leve"), para que o conteúdo seja absorvido e compreendido de forma funcional.

A princípio, pessoas no TEA podem apresentar dificuldades para se comunicar e compreender gestos, expressões e outras mensagens não verbais. Também é comum que tenham comportamentos repetitivos e maior sensibilidade a estímulos sensoriais. Mas é importante destacar que até indivíduos do mesmo nível de suporte possuem características únicas que podem se manifestar de diferentes formas — por isso, falamos em "espectro".

Normalmente, as mulheres não se encaixam em grande parte dos estereótipos relacionados ao espectro autista. Um dos motivos para isso está no fato de os critérios diagnósticos do TEA terem sido desenvolvidos a partir de estudos realizados exclusivamente com homens, o que dificulta a sua identificação, principalmente entre mulheres do nível 1 de suporte. Elas também tendem a mascarar os sinais melhor do que os homens, comportamento chamado de "masking" em inglês e que tem sido cada vez mais utilizado em debates sobre o autismo.

Menstruação

A hipersensibilidade sensorial pode levar a reações extremas como a aversão ao contato com o sangue ou com os absorventes. Algumas podem compensar essa sobrecarga até mesmo se machucando. Já mulheres com hipossensibilidade, isto é, dificuldades em responder aos estímulos sensoriais, podem não perceber vazamentos ou sentir fortes odores relacionados à menstruação. De qualquer forma, essas pessoas poderão precisar de suporte no que diz respeito à higiene menstrual.

Uma das principais dúvidas dos pais ou responsáveis é sobre intervir no ciclo menstrual com a ajuda de medicamentos. Este foi o caminho escolhido pela dona de casa Maria Aparecida Pereira, mãe da Vitória, de 18 anos, após recomendação médica. Desde os sete anos de idade, a jovem toma injeção anticoncepcional para inibir a menstruação.

Vitória recebeu o diagnóstico aos três anos. A mãe conta que a filha faz uso de fraldas e depende de suporte para tomar banho e realizar outras atividades rotineiras. "Ela não entende, ela poderia tirar o absorvente, não conseguiria fazer a higiene adequada, trocar o absorvente, tomar banho… Então eu preferi que ela não menstruasse", diz.

Inicialmente, a menina tomava a injeção todo mês. "Eu falei: 'Doutora, não tem como mudar? É muito dolorida'. Aí passou a ser a cada três meses. Mas a Vitória não sente nada (risos). No começo, era difícil de aplicar. Agora não, a enfermeira vem aqui, ela toma e pronto. Mas quando está perto daqueles dias, eu percebo que ela fica mais irritada", acrescenta.

Para a especialista Mayra Gaiato, a decisão de intervir no ciclo menstrual depende do nível de autonomia e de independência de cada menina ou mulher. "Para aquelas que têm, por exemplo, dificuldade para permanecer com absorventes, que acabam colocando a própria saúde em risco, vão tirar, arrancar, mexer, colocar na boca, podemos sim pensar numa intervenção medicamentosa", explica.

"Então, vai depender do nível de entendimento que ela tem de conseguir usar um objeto estranho, que foge completamente da rotina e da previsibilidade dela. E nesse período, as mulheres costumam ficar mais irritadas, mais sensíveis, e isso também acontece com as mulheres no TEA", completa ela.

Quem menstrua

Bárbara, de 22 anos, é uma pessoa neuroatípica, mas não é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista. A mãe, a empresária Alessandra Bonadio, conta que a filha tem deficiência intelectual (DI), uma condição que, muitas vezes, é confundida com o autismo. A DI é caracterizada por dificuldades de raciocínio, resolução de problemas, compreensão de idéias complexas e outras habilidades cognitivas.

Babi menstruou pela primeira vez aos 14 anos, e a mãe optou por não intervir. "Ela fala: 'Tô naqueles dias' (risos). Mas ela não entende 100%. Ela fica amoadinha, aí eu percebo que tem alguma coisa. Eu pergunto: 'Tá tudo bem, Babi?', e ela fala: 'Tá'. 'Tá sentindo alguma dor?'. 'Não'. Aí, de repente, ela fala: Tá doendo a cabeça'. Ela tem dor de cabeça", comenta Alessandra.

Para conter o fluxo, Bárbara usa absorvente noturno, mas recebe suporte da mãe para fazer a higiene íntima. "Ela não se incomoda, eu prendo bem na calcinha dela para não sair, só que eu tenho que limpar. E na escola, eu mando tudo que eu uso em casa e aviso que tem que trocar".

Entre opções como absorventes descartáveis, calcinhas absorventes e coletores menstruais, Mayra Gaiato explica que o item de higiene mais adequado será o que for o mais confortável para a mulher: "A questão sensorial é um exemplo disso, muitas meninas podem ter dificuldade com o coletor menstrual por ele ser interno, enquanto outras podem se adaptar muito melhor do que com o absorvente comum", diz a neurocientista.

** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).