Empresa adotou licença remunerada de até dois dias a mulheres que sofrem com sintomas menstruais
Divulgação/Grupo MOL
Empresa adotou licença remunerada de até dois dias a mulheres que sofrem com sintomas menstruais

No Brasil, 70% das mulheres sofrem com os sintomas da TPM (tensão pré-menstrual), segundo o Ministério da Saúde. "Licença menstrual" é um termo usado para falar sobre um período de licença médica concedido a mulheres que precisam se ausentar do trabalho devido a sintomas associados ao fluxo menstrual que as impedem de exercer sua função, tais como cólicas, enxaqueca, enjoo, vômito, diarreia, entre outros. O benefício, no entanto, não é oficialmente reconhecido no país e não há uma lei que trate especificamente dele.

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No ambiente de trabalho, 81% das mulheres disseram ser menos produtivas durante o período menstrual, de acordo com pesquisa publicada pela Revista BMJ Journals , em 2019. A licença menstrual remunerada é um direito reconhecido em alguns países, como a Espanha, o primeiro do Ocidente a aprovar a medida. Embora ainda não haja uma legislação sobre o assunto no Brasil, algumas empresas já começaram a adotar esse benefício. É o caso do Grupo MOL, que detém a editora de mesmo nome.

"Menstruação não é doença, mas também não faz sentido exigir que uma pessoa fique sentada em frente ao computador trabalhando quando não está se sentindo plenamente bem para fazer isso", diz Roberta Faria, cofundadora e CEO da MOL. Segundo ela, dos 55 funcionários da empresa, 46 (83,6%) são mulheres. "Sabemos que as fortes dores e desconfortos causados pela menstruação, como cólica e enxaqueca, podem atrapalhar as tarefas do dia a dia", completa Roberta.

O benefício passou a valer no mês de março e dá o direito de até dois dias de licença ao mês, sem necessidade de atestado médico. Atualmente, o procedimento para o afastamento do trabalho por sintomas menstruais é o mesmo que por outros motivos de saúde que incapacitam os trabalhadores temporariamente. É necessário ir até um médico e, caso fique atestada a incapacidade temporária por conta desses sintomas, solicitar um atestado médico a ser apresentado ao empregador. Nesse caso, os dias de afastamento são considerados faltas abonadas a serem pagas pela empresa.

O problema é que, apesar de as mulheres ocuparem 54,5% da força de trabalho no Brasil, apenas 38% delas ocupam os cargos de liderança no país. Ou seja, caso os sintomas relacionados ao período menstrual estejam as impedindo de exercer o seu trabalho, muitas funcionárias terão que reportar ao chefe homem. Por isso, a advogada Taís Roldão, do escritório LBS Advogadas e Advogados, aponta para a necessidade de existir uma lei que regulamente a licença remunerada durante a menstruação.

"Não é novidade que por vezes os sintomas menstruais são menosprezados tanto pelos profissionais da saúde, como pelos empregadores. Creio que muitos já ouviram histórias de pessoas que passavam por fortes cólicas menstruais, muitas vezes, desprezadas pelos médicos e que, no fim, descobriram se tratarem de doenças sérias como a endometriose, por exemplo. Nesse sentido, eu acredito que uma lei que aponte os sintomas menstruais como, de fato, temporariamente incapacitantes, pode colaborar para que tanto os empregadores como o sistema de saúde os encarem com mais seriedade", afirma.

Espanha é o primeiro país ocidental a aprovar a licença menstrual remunerada

Em fevereiro, a Espanha se tornou o primeiro país do Ocidente a aprovar licença médica remunerada para mulheres que sofrem com fortes sintomas durante o ciclo menstrual. A lei foi aprovada pelo parlamento por 185 votos a favor, e 154 contra. A legislação permite que funcionárias tirem o tempo que for necessário — mas, assim como nas licenças médicas remuneradas por outros motivos de saúde, é exigido atestado médico. A duração da licença não está especificada no texto.

São poucas as nações ao redor do mundo que garantem o afastamento médico remunerado por sintomas relacionados à menstruação; a maioria está na Ásia. No Japão, esse benefício existe há mais de 70 anos. Mas, para além da aprovação desse tipo de lei, a advogada reforça que é importante pensar em como ela se efetivará na sociedade. "No Japão, por exemplo, a lei existe desde 1947, mas tem pouquíssima adesão — em 2017, apenas 0,9% das mulheres gozaram dessa licença. Isso pode ter se dado por diversas razões: o medo de serem estigmatizadas, terem de solicitar a licença a empregadores e médicos homens, entre outros. É necessário refletir não apenas a lei em sua formalidade, mas também em sua aplicação", pontua Taís

Aqui no Brasil, um projeto de lei em tramitação na Câmara prevê licença de três dias consecutivos, a cada mês, às mulheres que comprovem sintomas graves associados ao fluxo menstrual. O afastamento deverá ocorrer sem prejuízo do salário. Essa comprovação poderá se dar, segundo a autora do texto, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), mediante relatório médico. Mas os detalhes sobre a lei, de fato, dependerão de regulamentação do Poder Executivo, após a sanção da lei, por meio de decreto.

"A dismenorreia, como é conhecida a 'menstruação difícil', é uma causa comum de falta ao trabalho e à escola. Se na escola, a falta se concentra na perda de conteúdo e avalições que podem ser repostas, no ambiente profissional, ela pode levar a descontos no salário e demissões. Para não correr esse risco, não são poucas as mulheres que comparecem ao trabalho mesmo apresentando quadros agudos de náuseas, vômitos, diarreia, fadiga, febre, dor nos seios e dor de cabeça. O direito à licença lhes garantiria a proteção necessária em casos muito específicos", explica a parlamentar.

Como o projeto altera texto da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), para ser aprovado pela Casa, é necessária a criação de uma comissão temporária, o que pode fazer com que leve ainda mais tempo para que saia do papel, destaca a autora. Ela conta que a proposta foi inspirada na legislação espanhola. Mas, apesar de ser um avanço na luta pelos direitos das mulheres, quando se trata de sintomas menstruais, três dias de licença podem não resolver o problema, apontam especialistas.

Empresa no MS também implanta licença menstrual remunerada

Além do Grupo MOL, no Mato Grosso do Sul, uma empresa de soluções em software  chamada Digix resolveu implementar licença remunerada para as funcionárias que sofrem com sintomas menstruais. A ideia surgiu da própria experiência da CEO da equipe, Suely Almoas, que, durante o período em que menstruava, precisou lidar com as dores, desconfortos e mudanças emocionais que ocorrem com a menstruação.

Segundo ela, a medida foi adotada há dois meses, tendo em vista a composição da empresa, que conta com 63% de mulheres no quadro de colaboradores. O afastamento é de até dois dias, sem necessidade de atestado. "Acreditamos no que cada pessoa sente neste período e não queremos burocratizar os processos. A partir do terceiro dia, se a pessoa colaboradora precisar se afastar por mais tempo deverá ser apresentado atestado médico para justificar e abonar", comenta Suely.

Discriminação

Apesar de reconhecerem que a menstruação é um processo biológico e que a licença menstrual é tão importante quanto a licença-maternidade, por exemplo, críticos acreditam que a medida reforça estereótipos de gênero, como o da fragilidade feminina, e pode até desencorajar alguns empregadores de contratar mulheres. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que quase metade das brasileiras são demitidas cerca de até dois anos após a licença-maternidade.

"Com certeza a licença menstrual não cumprirá seu objetivo se toda a lógica machista e de preconceito de gênero da sociedade não for combatida", afirma a advogada Taís Roldão. Importante aqui apontar que não apenas as mulheres, como também pessoas trans masculinas, não binárias e intersexo, sofrem desse estigma por menstruarem. "As diferenças biológicas colocam diferentes necessidades em relação à saúde dos indivíduos, mas não os tornam mais ou menos capazes de exercerem determinada função. Infelizmente, uma vez que o lucro é colocado acima de direitos — um deles, a igualdade —, muitos serão os argumentos encontrados para discriminar pessoas no mercado de trabalho".

Além disso, para Taís, o ideal seria uma lei que respeitasse as particularidades do ciclo menstrual de cada pessoa. Mas, vale reforçar que se houver dificuldades para se trabalhar devido a sintomas menstruais graves, é recomendável conversar com um médico ou com o RH da empresa para consultar quais as opções disponíveis, como possibilidade de trabalhar em casa e horários de trabalho personalizados, ou ainda, solicitar atestado.

** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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