A estudante Fernanda Silva, de 25 anos, cresceu sendo uma pessoa fora do padrão. Ela não era magra como muitas pessoas à sua volta, mas nem por isso deixava de viver. Na verdade, a jovem lidava muito bem com o sobrepeso, nunca havia pensado em uma cirugia bariátrica, por exemplo. Até que o peso começou a afetar seu desempenho no dia a dia.
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Há quatro anos, ela trabalhava em uma rede de café quando percebeu suas pernas inchadas pelas muitas horas em pé. Caminhar longas distâncias ou correr também era difícil, ainda mais com os problemas respiratórios que tinha. Além disso, apesar da mãe nunca a obrigar perder peso, Fernanda sabia que ela ficava preocupada com os 162 kg da filha. Foi com esse peso que a jovem, na época com 21 anos, entrou para uma cirurgia bariátrica .
A decisão, entretanto, foi puramente dela. A mãe não queria que ela se arriscasse em uma cirurgia tão delicada, mas Fernanda tinha certeza da vida nova que queria para si. Foi escondida procurar ajuda médica e só quando estava quase tudo pronto para cirurgia e ela precisava de acompanhamento é que contou para a família.
Em todo esse processo, e após alcançar os 72 kg, a jovem aprendeu que é preciso, primeiro de tudo, certeza de que você quer o procedimento para obter bons resultados. E mais do que qualquer academia ou nutricionista, que a manutenção do peso só é feita com acompanhamento psicológico.
Necessidade da cirurgia
A estudante já havia tentando emagrecer de outras formas. Em um projeto que participou em uma universidade de São Paulo, chegou a ter uma perda de peso significativa, mas ganhou todos os quilos de volta ao fim do acompanhamento. Era sempre assim: emagrecia um pouco, engordava depois. E apesar de não ter doenças como diabetes ou hipertensão, já estava começando a ter gordura no fígado.
Em meio a tudo isso, ela sentia as consequências de ser uma pessoa grande na sociedade. Se precisava andar de ônibus, era difícil passar pela catraca. Se ia fazer compras no shopping com as amigas, falava que não queria experimentar nada, mesmo as amigas insistindo – a verdade é que ela sabia que não teria nada de seu tamanho. Quando usava transporte público ou estava sentada em algum ambiente com outras pessoas, sabia que o lugar a seu lado não seria a primeira opção dos outros, já que ele poderiam se sentir apertados. Essas pequenas coisas do dia a dia afetaram também a autoestima da jovem, mesmo ela não sendo uma pessoa retraída.
A mãe não queria que Fernanda passasse pela bariátrica porque tinha medo que a filha não conseguisse passar pela fase da dieta pós-cirurgia, uma fase muito difícil para quem encara o procedimento, mas a estudante tinha certeza do que queria e ninguém iria impedi-la. “Quando a gente participa das palestras sobre a cirurgia, os profissionais mostram o que pode acontecer caso a pessoa coma demais, também tem o risco do alcoolismo, já que é possível beber sem passar mal”, explica Fernanda.
Ainda assim, pelas experiências que teve com grupos para emagrecimento, ela sabia que em alguns em casos a única saída é a cirurgia. “Só que a decisão tem de ser nossa, não pode ser da família ou apenas por pressão externa. Acho que os casos que dão errado são esses, quando a pessoa se força a passar pelo procedimento. E é uma coisa que vai mudar completamente sua vida e não tem como voltar atrás.”
Pós-cirurgia
Fernanda teve problemas sérios uma única vez depois de ter passado pela bariátrica. Quando estava voltando a ingerir alimentos sólidos, sentiu vontade de comer um pastel. Bastou menos da metade para que ela se sentisse mal. Precisou até mesmo ficar internada, mas foi a única vez. "A partir do momento que você percebe que realmente mudou o seu corpo, você fica com receio. Às vezes a gente até aguenta comer mais, mas evita para não passar mal."
A vontade de comer, entretanto, não foi uma constante na vida pós-bariátrica. Fernanda conta que ficou muito cansada depois de passar pela cirurgia, que realmente não sentia vontade de comer, apenas dormir. Sendo assim, e como fez o acompanhamento multidisciplinar direitinho, passou bem pela fase mais difícil de todo o processo.
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Mas alerta: “não sou exemplo”. A brincadeira foi feita porque Fernanda não pratica nenhum exercício de forma regular hoje, mesmo sabendo da importância da atividade física. A manutenção do peso foi feita mesmo com a ajuda do psicólogo. “A sua cabeça é que vai te guiar. As pessoas acabam deixando o acompanhamento psicológico de lado, mas é esse profissional que vai saber se você está preparada ou não para a cirurgia. Ele também vai te ajudar a lidar com os outros conflitos que você vai criar na cabeça pós a bariátrica. Eu mantenho o acompanhamento até hoje. Psicológico é mais importante que academia.”
Em relação à alimentação, ela procura comer de tudo, mas com consciência. Se antes ela ingeria grandes quantidades de comida, hoje procura se alimentar só até se sentir satisfeita, não precisa ir além disso. “Só no começo que eu tive um pouco de restrição à leite porque desenvolvi intolerância, mas agora já está controlado.”
Resultados
Foi ao lado de uma amiga que a acompanha desde os tempos de escola que Fernanda relembrou todo o processo de emagrecimento. Coincidentemente, as viagens que fazia com a mesma amiga e outras colegas eram um dos motivos para ela nunca se esquecer de que era diferente. "Quando a gente ia entrar no carro, todo mundo podia ir no banco de trás, menos eu."
A amiga lembrou feliz, entretanto, que na última viagem que fizeram juntas, após a cirurgia de Fernanda, que a jovem fez questão de ir no banco de trás - e o fez sem problema algum.
Hoje, a jovem reduziu muito a quantidade de comida que coloca no prato. A perda de peso, que é mais intensa no primeiro ano, faz com que o organismo ganhe menos nutrientes, e como resultado para Fernanda, que já tinha um pouco de anemia, ocorreu a intensificação do problema, que está sendo tratado.
Mas ela encara esses pontos negativos como consequências de algo que era necessário para levar uma vida melhor. Quando questionada dos pontos positivos, ela é direta: “andar de salto! Eu nunca tinha andado, porque não dava.”
Demorei pra fazer faculdade porque achava que não seria ambiente para mim, que não seria aceita", Fernanda Silva
Claro que foi apenas uma das boas consequências. Fernanda também se sente mais disposta agora, a perna já não fica mais inchada, ela se sente mais confortável nos ambientes, consegue fazer compras no shopping, ficou menos “ranzinza”, como se classificava. Ela acredita que antes ficava muito na defensiva por se sentir diferente e não conseguia relaxar. A maior mudança, entretanto, foi na vida profissional.
A jovem afirma que o peso não a fazia deixar de viver, mas ele a impediu de ingressar na faculdade logo que ela terminou a escola. “Demorei para fazer faculdade porque achava que não seria um ambiente para mim, que não seria aceita. Quando emagreci, não me sentia mais diferente.”
A relação com a mãe também melhorou, já que agora ela fica mais tranquila em relação à saúde da filha. Fernanda também nem lembra quando foi a última vez que passou mal e não teve crises de asma ou rinite. Outro ponto importante é que falar o que está sentindo para médicos se tornou muito mais direto. Antes, qualquer dor que sentia era por causa da obesidade, mesmo que essas duas coisas não estivessem relacionadas.
Nova vida
Para Fernanda, a cirurgia bariátrica representou uma nova vida, mas ela sabe que é preciso muita dedicação. Ela também alerta que é uma mudança muito grande, e que o acompanhamento médico é essencial e não pode ser negligenciado.
“Quando a pessoa for procurar um profissional para fazer cirurgia, precisa ser alguém em que a pessoa confia. O paciente tem de se sentir seguro para falar a verdade para o profissional. Não pode ter medo de contar as coisas."
Além do cirurgião, o paciente que vai fazer o procedimento também é acompanhado por endocrinologista, nutricionista e psicólogo. Além dessa equipe multidisciplinar, a família também é muito importante, já que a pessoa vai precisar de muito apoio. No caso de Fernanda, quando ela precisou fazer a dieta no pós, a mãe também passou a fazer apenas para ajudar a filha a alcançar seus objetivos.
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“A família conta muito. Nos grupos que eu ia, antes de cirurgia bariátrica, vi muita mãe jovem e magra reclamando da filha, apenas por ela gostar de hambúrguer, sabe? Tem família que quer a menina chapada, fala que ela é feia, e isso mexe muito com a autoestima. Querendo ou não, existe um padrão estético, e se você não entra nele já vai ser cobrada pela sociedade”, explica a jovem. Para ela, a cirurgia foi uma opção acertada, mas cada caso é um caso e precisa ser avaliado por um grupo de médicos, ao lado do paciente, para escolher o melhor caminho a seguir.