Como descobrir se um medicamento é seguro na gravidez?
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Como descobrir se um medicamento é seguro na gravidez?

A recente declaração do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugerindo uma possível relação entre o uso de paracetamol durante a gestação e o aumento de casos de autismo em crianças provocou repercussão mundial. A afirmação foi rapidamente contestada por especialistas e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas trouxe à tona um tema central: a importância da inclusão de gestantes em pesquisas científicas.

“Devemos proteger as mulheres durante as pesquisas, e não das pesquisas em si”, afirmou a cientista Ruth Faden, do Instituto Berman de Bioética da Universidade Johns Hopkins, em entrevista que repercutiu na revista Nature.

A especialista defende testes controlados de medicamentos em gestantes, visando a saúde de mães e bebês, especialmente em situações de doenças crônicas que exigem medicação contínua.

Por que a participação de gestantes em pesquisas é tão importante?

Segundo a cientista Rossana Soletti, doutora em ciências morfológicas pela UFRJ e professora da UFRGS, a ausência histórica de mulheres grávidas em ensaios clínicos deixou lacunas importantes no conhecimento sobre os efeitos de medicamentos no desenvolvimento fetal.

“Não podemos garantir uma gravidez segura se não sabemos como os medicamentos influenciam a formação do bebê” , explica.

Em seu livro A ciência da gestação: passado, presente e futuro, Soletti aborda desde descobertas históricas até avanços recentes na medicina gestacional. Um exemplo clássico é o caso da talidomida, entre 1958 e 1962, que provocou malformações em cerca de 10 mil bebês e mudou a percepção sobre a placenta. Antes considerada uma barreira protetora, hoje se sabe que ela atua mais como um filtro, permitindo a passagem de diversas substâncias ao feto.

Quais são os períodos críticos da gestação?

O desenvolvimento embrionário é mais vulnerável nas primeiras oito semanas. É nesse período que ocorrem fecundação, implantação do embrião e formação de tecidos essenciais. O tubo neural, que dará origem ao sistema nervoso, também começa a se desenvolver nesse estágio.

Muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas nessa fase, aumentando o risco de exposição a medicamentos ou outras substâncias prejudiciais”, alerta Soletti.

Como identificar medicamentos seguros durante a gravidez?

Historicamente, os riscos eram categorizados pelo FDA em letras de A a X, sendo A os mais seguros e X os contraindicados. Desde 2015, uma nova classificação mais detalhada considera estudos em humanos e animais, efeitos na lactação e possíveis impactos na fertilidade. Além disso, profissionais de saúde avaliam caso a caso, levando em consideração doenças crônicas, como depressão ou hipertensão, que podem exigir ajustes na medicação durante a gestação.

As bulas de medicamentos oferecem orientações detalhadas sobre a utilização segura dos produtos, incluindo recomendações específicas para gestantes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que esses documentos apresentem alertas claros sobre o uso durante a gravidez e a amamentação.

Como funciona a classificação de risco

Uma das referências mais utilizadas para avaliar os riscos de medicamentos na gestação é o sistema da FDA, agência norte-americana responsável pela regulamentação de remédios:

Categoria A: Estudos controlados com mulheres grávidas não indicaram risco para o feto. Medicamentos considerados seguros.
Categoria B: Testes em animais não mostraram risco fetal, mas faltam estudos controlados em gestantes. Em alguns casos, animais apresentaram risco, mas não houve evidência em humanos. Considerado relativamente seguro.
Categoria C: Pesquisas em animais indicam risco ao feto, e não existem estudos conclusivos em mulheres. O uso só é recomendado quando o benefício supera o risco potencial.
Categoria D: Há comprovação de risco ao feto humano. Apenas indicado em situações graves, quando alternativas mais seguras não estão disponíveis.
Categoria X: Estudos em animais e humanos mostram risco confirmado ao feto. Esses medicamentos são totalmente contraindicados durante a gravidez.

Avanços na pesquisa científica com gestantes

Atualmente, a maioria das agências reguladoras exige a inclusão de mulheres em pesquisas, embora ensaios clínicos com gestantes ainda sejam minoria. Inicialmente, medicamentos são testados em animais, incluindo fêmeas grávidas, e, depois, em humanos quando os riscos são compreendidos. Um exemplo recente é o estudo das vacinas contra a Covid-19, que analisou o efeito em gestantes após algumas participantes engravidarem durante os testes.

Novas tecnologias, como pesquisas in silico, embrioides e organoides, prometem avanços significativos. Esses métodos permitem simular efeitos biológicos e químicos de medicamentos de forma segura antes de testes em animais ou humanos, aumentando a proteção de gestantes e fetos.

Proteção e inclusão: o equilíbrio necessário

A polêmica sobre o paracetamol reacendeu o debate sobre a inclusão de gestantes em ensaios clínicos. Para Soletti, a solução não é excluir essas mulheres dos estudos, mas garantir protocolos rigorosos e controlados.

“A gravidez não é um evento raro. Mulheres vão engravidar com frequência e precisam ter opções de tratamento seguras. Excluí-las das pesquisas deixa mães e bebês em risco” , afirma.

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