
Bárbara Barros, 35 anos, vive uma rotina que desafia os limites do corpo, da mente — e, muitas vezes, da compreensão da sociedade. Mãe de cinco filhos autistas, ela descobriu que também está dentro do espectro apenas recentemente. A revelação não veio como surpresa, mas como uma resposta para uma vida inteira de angústias, diagnósticos imprecisos e batalhas invisíveis.
Moradora de Erechim, no Rio Grande do Sul, Bárbara começou a desconfiar que havia algo diferente com o primogênito, Miguel, quando a escola alertou para comportamentos que exigiam atenção especializada. Com cinco anos, o menino se isolava, tinha atraso na fala e crises quando era contrariado. Foi o primeiro diagnóstico de autismo na família — e o começo de uma jornada profunda de autoconhecimento.
“Enquanto eu ia para as terapias com ele, as meninas iam comigo e ficávamos juntos na sala de espera. Às vezes, até entravam para ajudar” , lembra em entrevista o iG Delas. Na época, Bárbara já tinha três filhos pequenos e estava grávida da quarta. A vida girava em torno de Miguel, e os sinais mais sutis das filhas passavam despercebidos — ou eram confundidos com timidez e temperamento.
Diagnósticos em cadeia

A reviravolta aconteceu com a chegada de Madalena, a caçula, hoje com dois anos e meio. Prematura e com desenvolvimento atípico, ela demandou atenção redobrada. Em meio à depressão pós-parto e crises de exaustão, Bárbara começou a mergulhar no universo do autismo: “Fiquei obcecada. Eu sou funcional porque tenho cinco filhos e não posso parar” , desabafa.
Os sinais nas meninas — antes abafados pela comparação com o irmão mais velho — tornaram-se mais evidentes. Maria Rita, hoje com dez anos, era tão calada que a professora chegou a perguntar se ela falava. Maria Helena, de seis, falava bem, mas ainda usava fraldas. Maria Madalena andava na ponta dos pés, não falava e fazia movimentos repetitivos. Maria Luiza, mais comunicativa, também acabou recebendo o diagnóstico. Hoje, quatro dos cinco filhos têm autismo nível 1 de suporte, e Madalena é classificada como nível 3.
“À medida que os laudos chegavam, eu percebia que os comportamentos delas eram iguais aos meus”, conta. Bárbara já havia recebido diagnósticos de depressão e ansiedade na adolescência, teve depressão pós-parto e enfrentava dificuldades constantes de adaptação em ambientes de trabalho e estudo. Após uma avaliação neuropsicológica, veio a confirmação: autismo nível 1 e TDAH.
O peso de ser suporte — quando também se precisa de um
Hoje, Bárbara divide sua rotina entre terapias semanais (dela e dos filhos), administração da casa, produção de conteúdo nas redes sociais e uma recém-aberta empresa voltada para o acolhimento de famílias neurodivergentes. “É muito difícil ser suporte quando você também precisa de suporte”, resume.
A sobrecarga sensorial e emocional é constante. Em momentos de crise, ela entra em shutdown , quando o corpo exige descanso imediato: “Tudo incomoda: a luz, o barulho, até a roupa dói na pele. Preciso dormir cedo e me desligar. Aí o pai assume” , relata.
Para manter o equilíbrio, ela se apoia em uma rotina rígida. “Aqui temos horário para tudo. Desde acordar até a hora de dormir. É o que funciona para nós.” No banheiro, há lembretes visuais para garantir que nenhuma etapa da higiene pessoal seja esquecida. “Às vezes brinco que nossa casa parece mais um ambiente terapêutico do que uma casa tradicional.”
"Nosso diagnóstico não é para nos rotular"
Se dentro de casa há acolhimento e estrutura, fora dela o cenário muda. “A sociedade ainda está muito distante de entender o que é uma família como a nossa. O que mais encontro são julgamentos, olhares atravessados, comentários como ‘mas eles falam, não parecem autistas’”, desabafa.
Após se mudar do Ceará para o Sul em busca de melhores condições para os filhos, Bárbara enfrentou um novo desafio: o isolamento. Sem rede de apoio familiar ou amigos próximos, ela tenta se adaptar à nova cidade. “Estamos aqui há seis meses. Tem sido difícil, mas sigo trabalhando para transformar nossa vivência em acolhimento para outros.”
Com a empresa recém-criada, ela busca oferecer brinquedos terapêuticos acessíveis e criar pontes entre famílias atípicas. “Nosso diagnóstico não é para nos rotular, mas para que conheçamos nossos limites.”
Uma nova maneira de maternar
Mais do que um nome em um laudo, o diagnóstico trouxe para Bárbara uma nova perspectiva sobre si e seus filhos. “Eu parei de comparar meus filhos com outras crianças. Passei a entender as necessidades deles — e as minhas também. Depois que passou a angústia, foi libertador.”
E se engana quem pensa que, com tantos desafios, falta espaço para a vulnerabilidade. “Aprendi na terapia que às vezes a gente precisa mostrar fraqueza para os filhos também. Aqui em casa é permitido dizer: ‘hoje eu não estou bem’. E quando eu choro na frente deles, eles entendem.”