
Trinta anos após a adoção da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim [plano global das Nações Unidas para garantir direitos iguais para as mulheres], o progresso na representação política das mulheres permanece lento e desigual. O mapa Mulheres na Política: 2025, divulgado pela ONU Mulheres e pela União Interparlamentar (UIP), mostra que o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking global de representação parlamentar feminina e a 53ª em ministérios. País é o último colocado entre os países da América Latina, atrás de Argentina e Venezuela, por exemplo.
Dados alarmantes
Apesar de as Américas terem a maior proporção de mulheres parlamentares (35,4%), o Brasil está abaixo da média regional: apenas 18,1% das cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres (93 deputadas), e no Senado, o índice é de 19,8% (16 senadoras). Nos ministérios, a situação é um pouco melhor: 32,3% das pastas são comandadas por mulheres (10 de 31).
Globalmente, a presença feminina nos parlamentos subiu apenas 0,3% em relação a 2024, chegando a 27,2%, enquanto a representação em ministérios caiu 0,4%.
Estruturas que perpetuam a desigualdade
Em entrevista ao iG Delas, a professora e especialista em direitos humanos Paula Gabriela Mendes Lima (UFG) destacou que o problema vai além das leis: "Há uma estrutura social machista que entende o espaço político como não sendo da mulher. Elas enfrentam violência política, falta de financiamento e sobrecarga de trabalho doméstico, o que limita sua participação". Paula também desenvolve pesquisas sobre o tema da mulher, da democracia e dos direitos humanos a partir da perspectiva da filosofia política. "Sem renda, não conseguem desenvolver uma campanha", acrescenta.

Ana Paula Lima (PT)
A deputada federal Ana Paula Lima (PT-SC) reforçou também ao iG Delas, a necessidade de medidas concretas: "Precisamos de cotas efetivas, financiamento justo e ambientes seguros. A PEC 134/2015, que reserva vagas por gênero, e o PLP 112/2021, que tipifica violência política, são passos urgentes".
A deputada Carla Zambelli (PL-SP) defendeu uma abordagem diferente: "Mais do que cotas, é preciso autonomia econômica e formação. O PL Mulher, liderado por Michelle Bolsonaro, é um exemplo de capacitação meritocrática".
Objetivo da PEC 134/15
A PEC 134/15 (Proposta de Emenda à Constituição 134/2015) é uma iniciativa que busca garantir maior representatividade feminina no Poder Legislativo brasileiro, estabelecendo cotas mínimas de vagas para mulheres nas casas legislativas em âmbito federal, estadual e municipal.
A proposta foi apresentada pela Comissão da Reforma Política do Senado e visa combater a sub-representação das mulheres na política, já que, apesar de serem a maioria da população e do eleitorado, elas ocupam poucos cargos eletivos.
Como funcionaria a reserva de vagas?
A PEC prevê reserva progressiva de vagas:
- 10% das cadeiras na primeira legislatura após aprovação.
- 12% na segunda legislatura.
- 16% na terceira legislatura.
(Isso valeria para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa do DF e Câmaras Municipais.)
Mecanismo de preenchimento: Se o percentual mínimo não for atingido naturalmente nas eleições, os partidos deverão substituir os candidatos menos votados do gênero super-representado pelos mais votados do gênero sub-representado.
Exemplo: Se apenas 5% das vagas forem ocupadas por mulheres, a mulher mais votada de um partido substituirá o homem menos votado da mesma legenda.
Suplência:
Os suplentes seriam escolhidos entre os candidatos não eleitos do mesmo gênero, seguindo a ordem de votação.
Bancadas estaduais: Cada bancada estadual na Câmara dos Deputados deveria ter pelo menos uma mulher.
A PEC precisaria ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado, com 3/5 dos votos em cada Casa. Se aprovada, as regras valeriam por três legislaturas (12 anos).
Objetivo do PLP 112/2021
O PLP 112/2021 (Projeto de Lei Complementar) propõe alterações no Código Eleitoral brasileiro, com o objetivo de modificar as regras de participação feminina na política. O projeto, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), busca flexibilizar a cota de 30% de candidaturas femininas para deputados e vereadores, ao mesmo tempo em que estabelece uma reserva mínima de 20% das cadeiras legislativas para mulheres.
Principais pontos do PLP 112/2021
Flexibilização da cota de 30% de candidaturas femininas
Atualmente, os partidos são obrigados a preencher 30% das vagas em chapas com mulheres. Se não cumprirem, devem reduzir o número de candidatos homens. Pela nova proposta, se um partido não conseguir mulheres suficientes, as vagas poderão ficar vazias, sem a necessidade de cortar candidatos homens.
O relator argumenta que essa mudança evitará candidaturas fictícias (mulheres que se candidatam apenas para cumprir a cota, sem campanha efetiva).
Reserva de 20% das cadeiras legislativas para mulheres
Se as mulheres não forem eleitas em número suficiente para atingir 20% das vagas, os partidos deverão substituir homens eleitos por mulheres (suplentes ou próximas mais votadas).
Caso isso não seja possível, uma nova eleição pode ser convocada. O objetivo é garantir que todas as câmaras municipais tenham pelo menos duas vereadoras. Em 2024, 738 municípios (13,25%) não elegeram nenhuma mulher.Manutenção do financiamento mínimo de 30% para campanhas femininas
A proposta não altera a regra atual que obriga os partidos a destinar 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas.
Como funcionam as cotas de gênero atualmente na política brasileira?
De acordo com a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), as legendas devem reservar no mínimo 30% e no máximo 70% das vagas para candidaturas de cada gênero, garantindo maior equilíbrio na representação política.
Nas eleições majoritárias (prefeito e vice), cada partido ou coligação pode registrar uma chapa por cargo. Já para as eleições proporcionais (vereadores), o número máximo de candidatos por partido não pode ultrapassar 100% das vagas em disputa mais um. É dentro desse limite que a legislação estabelece que pelo menos 30% das candidaturas sejam destinadas a mulheres, evitando também que um único gênero ocupe mais de 70% das vagas.
Nos últimos anos, o TSE tem ampliado a fiscalização para coibir práticas fraudulentas, como o registro de candidaturas femininas fictícias apenas para cumprir a cota legal. Em maio de 2024, o Tribunal aprovou a Súmula 73, que define critérios para identificar fraudes.
Combate às Fraudes e Consequências
A fraude à cota de gênero é caracterizada quando partidos registram mulheres sem promover suas campanhas, apenas para cumprir a lei. Indícios como votação inexpressiva, falta de movimentação financeira ou ausência de divulgação podem levar a penalidades severas, incluindo:
- Cassação do Drap e dos diplomas dos eleitos;
- Inelegibilidade dos envolvidos em casos comprovados por Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije);
- Anulação dos votos do partido e recálculo dos quocientes eleitorais.
Violência política e gaslighting

Carla Zambelli (PL)
Ambas as parlamentares citaram o gaslighting — estratégia que faz mulheres duvidarem de sua capacidade — como uma barreira. Ana Paula Lima relatou: "Dizem que somos ‘emocionais’ ou ‘despreparadas’, mesmo quando estamos embasadas." Zambelli acrescentou: "Fui chamada de ‘Bolsonaro de saias’ para deslegitimar minhas posições [...] É fundamental que mulheres na política mantenham firmeza e não se deixem intimidar".
Ana Paula Lima define o gaslighting como uma tática de descredibilização: "É quando nos dizem que estamos exagerando, que somos ‘emocionais demais’ — mesmo quando estamos perfeitamente embasadas. Essa prática busca afastar-nos dos espaços de decisão".
Paula Gabriela analisa as barreiras estruturais que limitam a participação feminina na política. Suas falas destacam a urgência de ações afirmativas e a necessidade de enfrentar a violência política. "Há um abandono dos partidos em relação a isso, uma negligência e até uma má distribuição intencional [de verbas]. [...] Muitas mulheres entram para compor a chapa, mas estão apoiando candidaturas masculinas", pontua.
Caminhos para mudança

Paula Gabriela defende cotas e formação política: "A principal solução a curto prazo é a cota de cadeiras. [...] Também é urgente ampliar a formação política de mulheres, exigindo isso dos partidos. A solução se dá no coletivo. [...] As mulheres precisam se unir para incluir pautas de políticas públicas específicas, como saúde da mulher e combate à pobreza, construindo capital político", argumenta.
Ana Paula Lima enfatiza que a presença feminina é essencial para a democracia: "A representatividade feminina na política não é apenas uma questão de justiça, é uma questão de democracia. [...] Quando uma mulher ocupa um cargo político, ela não leva apenas sua voz, mas também a de muitas outras que foram silenciadas por séculos".
Carla Zambelli reforça a necessidade de autonomia: "A participação feminina na política é fundamental para garantir que as necessidades das mulheres sejam consideradas. [...] Mas a representatividade só tem valor real quando alinhada à liberdade e responsabilidade individual".
Ana Paula Lima incentiva outras mulheres: "Compartilhar minha história é dizer que é possível ocupar esses espaços. [...] Nosso lugar é onde decidimos estar — inclusive nos espaços de poder".
Carla Zambelli encerra com um recado: "O lugar da mulher é onde ela quiser estar — desde que preparada e comprometida com o bem comum".