
A triagem do câncer do colo do útero no SUS está prestes a passar por uma transformação significativa. O tradicional exame papanicolau, usado há décadas na rede pública, será gradualmente substituído pelo teste molecular de DNA-HPV, considerado mais eficaz e sensível na detecção do papilomavírus humano, responsável por 99% dos casos da doença.
A nova estratégia, aprovada por órgãos técnicos como a Conitec e o Inca, aguarda apenas a validação final do Ministério da Saúde para ser oficialmente implementada. O projeto-piloto terá início em Pernambuco, com previsão de expansão progressiva para outras regiões. Minas Gerais já demonstrou interesse em aderir à novidade.
Com o novo exame, o intervalo entre as coletas passará a ser de cinco anos — desde que o resultado seja negativo. A faixa etária para rastreio permanece a mesma: de 25 a 49 anos, desde que a paciente não apresente sintomas ou sinais clínicos da infecção.
Diferente do papanicolau, que coleta células do colo do útero, o teste de DNA-HPV busca fragmentos genéticos do vírus com o uso de um swab, semelhante a um cotonete. Essa coleta pode ser feita em consultório ou pela própria paciente, com o auxílio de um kit de autocoleta — recurso já utilizado em países da Europa e América do Norte.
“O teste DNA-HPV tem um valor preditivo negativo muito forte, ou seja, se a pessoa tiver resultado negativo, a gente pode de fato confiar nesse resultado”, explica Itamar Bento, da Divisão de Detecção Precoce do Inca.
“Conhecendo a história natural da doença e a evolução das lesões, é uma margem segura aguardar cinco anos para fazer um novo teste.”
Além da eficácia na identificação do vírus, o novo método permite identificar os subtipos oncogênicos, como os tipos 16 e 18 — responsáveis por cerca de 70% das lesões precursoras de câncer. Casos positivos para esses subtipos serão encaminhados diretamente para colposcopia, exame que analisa detalhadamente o colo do útero.

Para que o novo modelo funcione de maneira eficaz, o SUS aposta no chamado rastreamento organizado, em que o sistema de saúde busca ativamente o público-alvo para testagem, acompanhamento e tratamento, se necessário.
“É necessário que a população alvo seja identificada e convocada ativamente e individualmente”, reforça Bento. “E é preciso garantir que ela terá acesso à confirmação diagnóstica e ao tratamento das lesões havendo essa necessidade.”
O Inca também destaca outras duas inovações nas diretrizes: o uso da autocoleta em populações com menor acesso ao sistema de saúde e a inclusão de orientações específicas para o atendimento de pessoas transgênero, não binárias e intersexo.
A expectativa é que, com a ampliação da cobertura vacinal contra o HPV e a implementação do rastreamento organizado com testagem mais sensível, o câncer do colo do útero possa ser eliminado no Brasil em cerca de 20 anos.