
Em uma jornada marcada por superação e resiliência, Jéssica Martinelli, de 33 anos, transformou sua história de dor em um instrumento de cura e inspiração para milhares de pessoas. Após enfrentar anos de abuso na infância e um longo e desgastante processo judicial, ela decidiu compartilhar sua experiência em um livro e seguir a carreira de policial, com o objetivo de ajudar outras vítimas a encontrarem justiça e paz.
O livro, intitulado A Calha, foi escrito ao longo de cinco meses intensos e lançado no ano passado. A obra narra a trajetória da autora, desde os primeiros sinais de abuso até o momento em que ela mesma, como policial, prendeu o agressor. O objetivo do livro é claro: fazer com que as vítimas se identifiquem, entendam que não têm culpa do que aconteceu e encontrem forças para buscar a cura.
"Eu quero que as vítimas percebam que elas são vítimas, que não têm culpa de nada e que podem buscar ajuda. O livro é uma forma de acolhimento e de cura", explica a autora ao iG Delas.
A inspiração para escrever o livro
A ideia de escrever o livro surgiu em 2018, quando ela foi contatada por um jornalista para contar sua história. Na época, ela não se sentia preparada para expor publicamente o que havia vivido, mas a semente havia sido plantada. Três anos depois, começou a escrever, mas o processo foi interrompido por bloqueios emocionais. Foi apenas no início do ano passado que ela retomou a escrita, dedicando-se intensamente para finalizar o projeto.
Além de compartilhar sua história, a autora também decidiu seguir a carreira policial. Para ela, a decisão foi motivada pelo desejo de autoproteção e pela vontade de ajudar outras vítimas. "Entrei para a polícia porque acreditava que, com uma arma e o poder de decisão, nada mais aconteceria comigo. Mas, com o tempo, percebi que poderia fazer a diferença na vida de outras pessoas", relata.
Momento de justiça

Jéssica Martinelli
O momento mais marcante de sua trajetória foi quando ela mesma conduziu a prisão do agressor, após dez anos de batalha judicial, em 2016, devido à condenação. "Eu tremia, suava frio, mas sabia que não estava sozinha. Quando olhei para os meus colegas e vi as viaturas cheias, senti a força necessária para seguir em frente", lembra. Ao fechar a porta da cela, ela finalmente sentiu que um ciclo doloroso havia se encerrado. O agressor foi encontrado em uma chácara.
A prisão foi parte do processo de cura deste trauma. "Antes dessa situação, eu nem havia conseguido fazer justiça por mim mesma. Então, como eu poderia buscar justiça para outras pessoas se eu ainda não havia resolvido isso dentro de mim?", reflete.
Apesar das dificuldades enfrentadas durante o processo de denúncia, que incluiu anos de espera e descrença por parte de autoridades, a autora incentiva outras vítimas a buscarem ajuda. "Não digo que todas devem denunciar, porque é um processo desgastante. Mas é importante buscar terapia, apoio espiritual e contar para alguém de confiança. A cura vem de várias formas", ressalta.
O livro Calha já impactou centenas de mulheres em todo o Brasil, que têm entrado em contato com a autora para relatar como a obra as ajudou a entenderem suas próprias histórias. "Meu sonho é que o livro se torne um best-seller e alcance ainda mais pessoas. Quero que todas as vítimas saibam que elas não estão sozinhas e que a justiça, mesmo que demore, é possível", finaliza.
Como buscar ajuda
Mulheres que estejam enfrentando ou tenham vivido situações de violência — seja física, psicológica ou sexual — podem buscar apoio ligando para o 180, a Central de Atendimento à Mulher. O serviço está disponível em todo o território nacional e também no exterior, funcionando 24 horas por dia, todos os dias da semana.