Bullying, dislexia e teatro: como a arte transformou uma vida
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Bullying, dislexia e teatro: como a arte transformou uma vida

Aos 13 anos,  Cecília Marcondes, atualmente com 33, era chamada de "burra" e "analfabeta" por colegas e até professores. As notas baixas pareciam confirmar o rótulo, mas uma profissional de ensino enxergou além: enquanto suas provas escritas eram cheias de erros, sua oratória era clara e fluente. A suspeita de dislexia e discalculia levou a uma mudança radical — suas avaliações passaram a ser orais, e suas notas saltaram de 2 e 3 para 8 e 9. Essa virada foi o primeiro passo de uma jornada que a levaria ao teatro, à autoconfiança e à criação da Cia Inclusiva Ser Diferente , projeto que transforma vidas por meio da arte em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo.

A mesma professora que identificou suas dificuldades, chamada carinhosamente de Dona Bia, notou seu talento para falar em público e sugeriu o teatro, em um grupo amador de estudantes em uma escola pública. "Foi ali que me encontrei", conta ao iG Delas. "No palco, eu era eu mesma, sem medo de julgamentos." Os exercícios teatrais, focados em conexão humana, mostraram que ela poderia ser "parte funcional da sociedade" — algo que duvidava após anos de bullying. "A arte salva. O que seria da vida sem música, filmes, poesia? Quis devolver isso ao mundo."

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Cecilia Marcondes
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Cecilia Marcondes


Em 2018, a ideia de um projeto inclusivo saiu do papel. Tudo começou com um stand-up para realizar o sonho de um rapaz com síndrome de Down: ser comediante no teatro municipal. Outras pessoas com deficiência (PCDs) se interessaram, e em 2019 a Cia Inclusiva Ser Diferente foi formalizada. Os desafios? Encontrar espaços acessíveis e manter todas as atividades gratuitas — de oficinas a espetáculos. Cecília havia iniciado o projeto dando aulas na garagem de um dos alunos e atualmente é financiada pela Lei Rouanet. Até o presente momento, 20 alunos fazem parte da companhia.

"Naquela época, as pessoas me chamavam de louca e questionavam: "Como assim, você vai trabalhar com PCD?", "Isso não é simples..." Mas a gente não impõe barreiras. Trabalhamos com todos os tipos de deficiência: intelectual, autismo, síndrome de Down e diversas outras condições. Não excluímos ninguém. Quando me criticam, eu respondo: "Pessoal, eu nem sei ler direito, fui mal alfabetizada". Elas ficam espantadas e perguntam: "Mas como você faz teatro?", "Como vai ser professora?". Sempre tem aquele olhar de desconfiança por causa da dislexia. Pensam que não sou capaz. O que não compreendem é que, apesar da minha condição, eu me superei porque amo o teatro e a arte. Foi isso que me transformou", ela pontua.

Entre histórias marcantes, ela destaca três:  Ana, que "não falava nem cantava", segundo a mãe, Rosana. Durante os ensaios, Rosana viu a filha cantar pela primeira vez — evolução confirmada até pela fonoaudióloga.  Grazi, que melhorou coordenação motora e comunicação.  João, com TEA, que era agressivo na escola. No teatro, aprendeu a lidar com as próprias emoções e hoje trabalha em uma farmácia.

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A mensagem para quem sofre bullying
"Sei o quanto dói, mas revidar não é o caminho. O que me salvou foi me conhecer e encontrar meu lugar — onde eu me aceitava, não esperando a aceitação dos outros", diz ela.


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