
Aos 19 anos, Melissa Vizzi, estudante de direito, tem utilizado sua plataforma no TikTok para compartilhar sua jornada como mulher trans, desmistificando a transexualidade e inspirando milhares de pessoas. Sua trajetória, marcada por coragem e determinação, ganhou destaque após se tornar a primeira mulher trans na América Latina a realizar a cirurgia de redesignação sexual pelo método do peritônio com auxílio de uma plataforma robótica.
A transição de gênero de Melissa começou cedo, aos 12 anos, quando ela revelou à família seu desejo de viver como menina. “Para minha família, ao dizer que sou uma mulher trans, recebi todo o apoio do mundo, graças a Deus, de todos os membros da minha família. Tenho um irmão gêmeo que super me apoiou. Minha mãe sempre foi minha maior companheira, minha maior aliada nessa jornada que não é fácil”, relata Melissa.
Com o apoio incondicional dos pais e do irmão, ela iniciou um processo de transformação que incluiu mudanças no visual, no guarda-roupa e até mesmo na adaptação escolar. “Na época, eu estudava numa escola católica e tinha bastante medo de não ser respeitada, mas a escola me abraçou de braços abertos, abraçou minha transição, respeitou demais a minha transição. Então foi tudo muito leve, graças a Deus, graças à minha família, e também a um pouco de sorte, porque é sorte ter apoio. Infelizmente, a maioria das meninas não encontra esse apoio que eu encontrei, e eu espero que logo essa realidade mude”, reflete.

Melissa iniciou a transição de gênero aos 12 anos de idade
No entanto, a jovem enfrentava um desafio íntimo: a disforia de gênero relacionada ao seu órgão sexual. “Sempre fiz xixi sentada, nunca em pé, para não encostar. Nas relações sexuais, usava várias calcinhas para esconder o pênis, o que me causava desconforto físico e emocional”, relata. A certeza de que queria realizar a cirurgia de redesignação sexual veio aos 18 anos, quando ela deu início ao processo no Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS), integrando o Programa Transdisciplinar de Identidade de Gênero (Protig). “Eu sempre tive disforia com meu órgão desde novinha, então já sabia que queria fazer a cirurgia, já sabia como funcionava. Fui atrás do Hospital de Clínicas em Porto Alegre para fazer a cirurgia e fiz acompanhamento desde os 12 anos”, explica.
O caminho até a cirurgia exigiu dois anos de acompanhamento psicológico, com 24 consultas mensais, além de avaliações com psiquiatras, endocrinologistas e outros profissionais. “Pelo Protig, comecei no grupo de estudos, depois fui introduzida no programa, que a gente frequenta todo mês. Fiz acompanhamento com psicólogo, psiquiatras e endocrinologistas. Os hormônios só podem ser iniciados após os 16 anos, e a cirurgia, a partir dos 18. Então, quando completei 18 anos, fui atrás e fui a primeira mulher trans no Brasil a fazer a cirurgia de redesignação sexual pelo método do peritônio com auxílio do robô”, destaca Melissa. A cirurgia foi realizada no dia 10 de agosto de 2024, marcando um marco na medicina latino-americana.
Essa técnica, explicada pelo urologista Tiago Elias Rosito, cirurgião-chefe do Protig, consiste na utilização de uma camada de revestimento do abdômen para ampliar a vagina construída. A técnica, combinada com a plataforma robótica, permite maior precisão e menor invasão, resultando em uma neovagina mais profunda e funcional, com redução de riscos de retração e menor necessidade de dilatações no pós-operatório.
A recuperação, embora desafiadora, trouxe à Melissa uma sensação de liberdade nunca antes experimentada. “A dor e as dilatações são difíceis, mas cada dia é um passo em direção à vida que sempre sonhei”, afirma. Além do sucesso médico, Melissa destaca o apoio da família, dos amigos e da equipe do Protig, especialmente da enfermeira Sônia Miralha, que a acompanhou em todo o processo.
Para Melissa Vizzi, ser mulher vai muito além de rótulos ou definições convencionais. É uma questão de identidade, autenticidade e liberdade. Desde cedo, ela soube que sua essência era feminina, e sua transição foi um processo de alinhar seu corpo com quem ela sempre foi por dentro. Ser mulher, para Melissa, significa viver com verdade, respeito e dignidade, além de poder expressar sua feminilidade sem medo ou restrições.
Ao compartilhar sua história, Melissa busca não apenas desmistificar a transexualidade, mas também mostrar que pessoas trans são, acima de tudo, seres humanos com sonhos, desafios e conquistas. “Decidi compartilhar minha jornada enquanto mulher trans para estar inserida em um meio no qual outras pessoas também vivam o que eu vivo. Quero desmistificar várias rupturas que existem na sociedade sobre pessoas trans, mostrar que nós somos pessoas normais, temos vidas normais como qualquer outra pessoa. Somos bonitas, queridas, amadas, amamos, gostamos de brincar, de ir atrás dos nossos sonhos, de estudar. Somos muito além de rótulos. Somos seres humanos, assim como qualquer outro”, reflete.