Valerie Nykyforets ao lado de um prédio destruído em Kiev
Reprodução/Arquivo pessoal
Valerie Nykyforets ao lado de um prédio destruído em Kiev

Três anos se passaram desde o início da guerra na Ucrânia, um conflito que transformou radicalmente a vida de milhões de pessoas. Valerie Nykyforets, empreendedora e cofundadora da plataforma Together.ua , que oferece apoio psicológico a ucranianos afetados pela guerra, compartilha ao IG Delas um relato emocionante sobre como o país tem enfrentado os desafios diários de um conflito que parece não ter fim. Ela tem 35 anos e atualmente vive na Inglaterra, viajando entre os dois países para levar ajuda humanitária a pessoas em vulnerabilidade emocional. Para chegar até à sua terra natal, precisa passar pela fronteira com a Polônia.

"Estamos vivendo em uma ilusão de vida", descreve Valerie. "Um dia comum de um ucraniano começa com noites sem dormir, escondidos em abrigos antiaéreos, muitas vezes improvisados em estacionamentos. Depois, há funerais de amigos que perderam a vida no front . E, ao final do dia, tentamos celebrar aniversários ou reuniões familiares, como se a vida ainda fosse normal. Mas às 23h, todos voltam para casa, porque o toque de recolher começa, e por volta das 3h da manhã, os bombardeios recomeçam. É uma roleta russa: você sobrevive a este dia ou não."

A guerra trouxe uma nova realidade, e a adaptação emocional e psicológica tem sido um processo doloroso. "Não somos guerrilheiros, não nascemos para a guerra", afirma Valerie. "Hoje, no front, estão pessoas comuns: profissionais de TI, músicos, donos de restaurantes, gerentes. Eles deveriam estar criando, se desenvolvendo, passando tempo com suas famílias. Mas fomos atacados, nossas casas destruídas, e fomos forçados a pegar em armas para proteger não apenas nossas vidas, mas nossa dignidade."

Apesar das adversidades, a resistência ucraniana tem sido notável. "O fato de ainda estarmos lutando já é uma vitória", diz Valerie. "Somos orgulhosos, nascemos livres, e queremos fazer parte de um mundo democrático onde os direitos humanos são respeitados. Não queremos ser uma colônia da Rússia. Sabemos o que é o 'mundo russo' — sangrento e cruel. Lutamos pelo direito de ser ucranianos e preservar nossa nação."

O impacto psicológico e a luta pela cura

A guerra deixou marcas profundas na saúde mental dos ucranianos. "O cérebro humano tem mecanismos de defesa poderosos, mas eles têm um preço", explica Valerie. "Segundo dados da Global Health - instituição que estuda a saúde humana -, para cada morte na guerra, há nove mortes por doenças crônicas, muitas delas ligadas ao estresse e ao trauma. A Ucrânia enfrenta uma epidemia de câncer, um aumento acentuado de doenças oncológicas causadas pelo luto, medo e desespero."

Foi diante desse cenário que Valerie e uma amiga criaram o Together.ua , uma plataforma que oferece apoio psicológico e emocional. "Nosso objetivo é ser um lugar seguro onde viúvas, órfãos e todos aqueles que perderam o sentido da vida possam encontrar ajuda profissional e apoio de quem está passando pela mesma situação", diz ela. "Encontramos forças uns nos outros para sobreviver e continuar vivendo."

As crianças e o futuro incerto


Valerie abraça criança
Reprodução/Arquivo pessoal

Valerie abraça criança

As crianças são uma das maiores preocupações de Valerie. "Elas são nosso maior sofrimento", afirma. "Muitas vivem em zonas de conflito, sob bombardeios constantes. Algumas sofreram ferimentos graves, perderam membros ou a capacidade de falar devido ao trauma. Sua infância foi roubada. E, sem poder ir à escola, são forçadas a estudar online, o que compromete seu futuro."

Para tentar mudar essa realidade, o Together.ua lançou o Right to Education Program , uma iniciativa que oferece aulas online com professores de universidades internacionais e acampamentos de idiomas para crianças. "Queremos dar a elas uma chance de competir no mundo global", explica Valerie. "Mas precisamos de ajuda. Se você pode compartilhar seus conhecimentos ou oferecer estágios, isso fará uma grande diferença."

A esperança e a resiliência

Apesar de todo o sofrimento, Valerie mantém a esperança. "Uma citação de Winston Churchill me inspira: 'Se você está passando pelo inferno, continue andando'. Eu acrescentaria: 'continue andando juntos'", diz ela. "Nossa força está na união. O mundo já é global, e todos nós queremos o mesmo: segurança, desenvolvimento, felicidade. Não podemos permitir que bombas atômicas ou outras armas destruam nosso lar comum — o planeta Terra."

Valerie também reflete sobre a importância de encontrar alegria mesmo em meio à dor. "No primeiro ano de guerra, eu achava que nunca mais sorriria. Mas, um ano depois, quando sorri pela primeira vez, percebi que ainda podia sentir felicidade. Eles queriam destruir não apenas nossa terra, mas nosso espírito. Mas nós vamos viver, amar e cantar — e essa é a nossa vitória."

O futuro da Ucrânia e o papel do mundo

Destruição por Kiev
Reprodução/Arquivo pessoal
Destruição por Kiev

Com a guerra completando três anos, o futuro da Ucrânia ainda é incerto. "O mundo precisa agir", diz Valerie. "Enquanto o presidente de um país agressor se reúne com líderes globais para decidir o destino da Ucrânia sem nossa participação, questiono: isso é justo? Se o mundo se calar hoje, quem garantirá que isso não acontecerá com outros amanhã?"

Em uma declaração recente, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, expressou sua opinião de que a presença do líder ucraniano Volodymyr Zelensky não seria fundamental nas discussões direcionadas à resolução do conflito entre Rússia e Ucrânia. Essa afirmação ocorreu em um contexto no quais representantes dos Estados Unidos e da Rússia se encontraram na Arábia Saudita para debater possíveis caminhos para o término das hostilidades. No entanto, a Ucrânia alegou ter sido deixada de fora dessas conversas, levantando questões sobre sua participação no processo de negociação.

Além disso, Trump fez comentários críticos em relação a Zelensky, referindo-se a ele como um "ditador sem eleições" e sugerindo que o líder ucraniano deveria acelerar a busca por um acordo, sob o risco de perder o controle sobre seu próprio país. Essas declarações geraram controvérsia e foram vistas como uma pressão sobre o governo ucraniano.

Por outro lado, Zelensky respondeu às acusações, afirmando que Trump havia exigido uma quantia exorbitante de US$ 500 bilhões em recursos da Ucrânia como condição para o apoio norte-americano. O presidente ucraniano enfatizou que não estava disposto a "vender" sua nação em troca de assistência, reforçando sua posição de defender a soberania e a integridade territorial do país.

Valerie acredita que a justiça só será alcançada com um tribunal internacional em Haia, onde os responsáveis pelos crimes de guerra sejam julgados. "Mas, enquanto isso, precisamos de apoio. A Ucrânia não pode ser esquecida. Como disse a escritora Lina Kostenko: 'Hoje somos nós, amanhã serão vocês.'" Com gratidão e amor, Valerie encerra sua mensagem: "Obrigada a todos, especialmente aos amigos no Brasil, por não nos esquecerem. Ajudar é simples se agirmos juntos."

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!