
Aos 50 anos, uma mulher paulistada apaixonada por investigação e pelas histórias do detetive Sherlock Homes, construiu sua carreira de forma inusitada e se tornou referência no ramo. O que começou como um favor despretensioso para amigos e conhecidos acabou se transformando em uma profissão de décadas para Patrícia Karany. Formada em Direito e com mais de 30 anos de experiência como detetive particular, ela encara cada caso como um novo desafio, misturando curiosidade, empatia e dedicação.
Desde flagrar traições até desvendar casos complexos envolvendo crimes, sua rotina vai muito além da imagem romantizada que muitos têm dos filmes. Com habilidade e criatividade, ela lida com situações inesperadas, sempre dentro dos limites da lei, entregando resultados aos clientes enquanto desbrava os bastidores de histórias que misturam o cômico, o trágico e o humano. Ao IG Delas , ela contou detalhes sobre a rotina da profissão e o machismo que a envolve.

Patrícia Karany
Ser detetive particular foi uma escolha que fiz quase sem perceber. Desde jovem, já estava envolvida em investigações para amigos e conhecidos, o que me levou a continuar nessa área. Apesar de ter feito faculdade de direito e sonhado em seguir a carreira pública, a vida me conduziu para o universo da investigação particular, que hoje é minha paixão. Hoje, com 33 anos de experiência, posso dizer que isso se tornou não apenas um trabalho, mas uma missão de vida.
Os desafios começaram muito antes de eu me tornar uma profissional estabelecida. O maior deles, sem dúvida, foi o fato de ser mulher. O mercado é dominado por homens e, com minha estatura de 1,60m, eu me sentia frequentemente desvalorizada. Ao longo do tempo, aprendi a me impor e a lidar com essa diferença. Hoje, sei que minha presença é respeitada, e aprendi a balancear minha empatia com a autoridade necessária para desempenhar meu papel.
Meu dia a dia como detetive particular é sempre imprevisível. Os clientes geralmente chegam até mim por indicação ou pelas redes sociais, onde sou bastante ativa. Cada caso é único, e isso mantém o trabalho interessante, mas também desafiador. O valor que cobro pode variar entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, dependendo da complexidade do serviço. A consulta custa cerca de R$ 500. Por trás desse preço está uma estrutura que envolve equipamentos de ponta, como rastreadores, escutas e câmeras discretas, além de uma equipe de agentes que coordeno, preparada para lidar com diferentes cenários. O tempo do serviço também varia, a depender do flagra que o cliente necessita, tudo com extrema discrição. Presto serviço para todo o Brasil.
Durante muito tempo, eu perdia muito tempo conversando com as pessoas e dando dicas, dando sugestões e procurando entender a situação. Então, eu perdia muito tempo com isso e as pessoas muitas vezes iam e fechavam trabalhos com outros detetives, levavam golpes e depois voltavam pra mim.
Já vivi situações tão inusitadas que parecem saídas de filmes: como o dia em que segui um homem que entrou em um sex shop, comprou uma boneca inflável e foi com ela a um motel. Momentos como esse mostram que, além de ser uma profissão de estratégia e inteligência, também é repleta de episódios que, se não fossem trágicos, seriam cômicos.
A investigação particular, apesar de fascinante, traz consigo momentos extremamente desafiadores. Um caso que também me marcou profundamente envolveu um homem que usava o termo "louca" para desqualificar a mulher enquanto ela enfrentava traições absurdas, incluindo envolvimentos com meninas menores de idade. Ver o grau de manipulação e abuso foi algo que me chocou profundamente, mas também me fortaleceu para continuar trabalhando com a verdade.
Muitos, antes de me contratar, têm a impressão de que a detetive particular pode fazer "qualquer coisa", como se fôssemos invisíveis ou tivéssemos uma bola de cristal. A realidade é bem diferente. Como qualquer ser humano, temos limitações e trabalhamos com muito planejamento e estratégia. Em alguns casos, é necessário até mesmo envolver uma equipe para que o trabalho seja eficaz, mas sempre com o compromisso de resolver o problema da melhor forma possível.

Patrícia Karany
A legalidade é uma prioridade no meu trabalho, e sempre busco agir dentro dos limites permitidos pela lei. Por exemplo, um proprietário de frota pode instalar rastreadores em seus veículos sem avisar os motoristas, pois os automóveis pertencem a ele. Da mesma forma, no casamento, que é uma sociedade, se o casal mora junto, o cônjuge pode colocar câmeras ou escutas na própria casa, já que é um ambiente compartilhado. O mesmo se aplica a veículos de uso comum – tudo dentro do que a legislação permite.
Para evitar qualquer enquadramento na Lei de Stalking, adoto uma estratégia eficaz: variar os agentes responsáveis por cada caso. A perseguição só pode ser comprovada quando há uma rotina consistente com a mesma pessoa seguindo o investigado. Por isso, altero a escala da equipe de vigilância constantemente, às vezes até duas ou três vezes por dia. Essa dinâmica assegura tanto a eficiência do trabalho quanto a proteção legal da investigação. A profissão de detetive particular é legal no Brasil e está regulamentada pela Lei 13.432/2017. A contratação de um detetive particular para vigiar um ex-cônjuge ou alguém em específico não é crime.
Outro caso que me deixou nervosa foi quando um cliente me contratou para investigar a esposa e, armado, acabou agredindo o carro do amante. Embora o desfecho tenha sido menos trágico do que poderia ter sido, essa situação reforçou o quão delicado e perigoso é o nosso trabalho. Nessas horas, o cuidado com o emocional do cliente é essencial. Às vezes, em certos casos, o melhor a fazer é aconselhar a pessoa a desistir, principalmente quando percebo que o objetivo é vingança, como em situações em que se tenta usar a traição para tirar bens materiais.
Mas e os sinais de traição? Com o tempo, aprendi a identificar os pequenos detalhes que podem ser grandes pistas: mudanças repentinas no comportamento, como esconder o celular ou apagar mensagens, podem ser indicativos de algo errado. A forma como as pessoas se comunicam também revela muito. Quando um marido começa a chamar a mulher de "louca", por exemplo, há algo errado. A traição, no fundo, não se restringe a um gênero ou papel, ela é uma questão de comportamento humano.
Quando alguém chega até mim, geralmente já sabe, no fundo, o que está acontecendo, mas precisa da confirmação. O que faço não é apenas investigar, mas também oferecer uma visão mais clara e ajudar a pessoa a tomar a decisão certa para sua vida. O que mais recomendo a quem está pensando em contratar um detetive é: se sua saúde mental está sendo afetada por dúvidas e inseguranças, busque ajuda. A verdade é libertadora, e às vezes, descobrir o que realmente acontece pode ser o primeiro passo para a paz.