Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude
PAULO LIEBERT
Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude

Cerca de 10 anos atrás, Tatiana Pimenta passou por 16 horas de cárcere privado em um quarto de hotel, sofrendo tentativas de asfixia e outras agressões, ao tentar terminar um noivado marcado por ciúmes e controle excessivo. Essa traumática experiência resultou em estresse pós-traumático, evoluindo para um diagnóstico de depressão em 2012. E foi depois de ter dado a volta por cima e se recuperado desse trauma é que ela resolveu criar a Vittude. Em entrevista exclusiva ao iG Delas, ela conta um pouco mais sobre a sua experiência e fala da Vittude, empresa da qual é fundadora e CEO.

iG Delas: Como foi a sua experiência com a violência doméstica?

Tatiana Pimenta: Eu e meu ex-noivo tínhamos uma relação razoavelmente tranquila quando namorávamos. Mas, depois que noivamos, as coisas mudaram, é como se ele tivesse tomado posse de mim: foi quando começou a achar ruim eu sair com meus amigos ou fazer viagens a trabalho. Me pedia para largar o emprego. Tinha momentos de ciúme excessivo, ficava me ligando sem parar: eram 10, 15 ligações não atendidas no celular – sempre que eu conseguia falar no telefone, discutíamos, e ele dizia que eu não gostava dele ou que só pensava em mim.

Além disso, ele começou a tentar reduzir o contato que eu tinha com os meus pais – que até hoje é muito frequente, os dois moram sozinhos em uma cidade do interior de outro estado. Comecei a ficar incomodada, e meus pais também perceberam. Teve um episódio em que eu estava no trabalho e de repente minha mãe me ligou. Perguntou para mim 'o que está acontecendo com você e por que você está sendo agressiva comigo no Skype?'

Não entendi nada. Ela explicou que eu estava falando um monte de coisas: que era para ela parar de me ligar, de atrapalhar minha vida, que eu queria ser independente, casar e não queria ter que ficar aturando dois velhos. Era um tom de mensagem bizarro. Expliquei a situação para ela. No começo pensei que fosse um hacker, mas sabia que era ele. À noite, ele foi para minha casa e tivemos uma discussão muito feia.

No dia seguinte, embarquei para o Rio de Janeiro para visitar um cliente, e meu ex ficou em São Paulo. Uma prima minha morava lá, e foi passar a noite comigo no hotel para a gente bater papo e dormir, sempre ficávamos juntas. Umas 10 da noite, toca o interfone e alguém da portaria me diz que ele estava na linha. Falei que poderia transferir a ligação, mas a pessoa respondeu que ele estava na recepção.

Sabe quando você demora para entender o que está acontecendo? Se a pessoa estava em São Paulo, então como do nada ela foi parar no Rio? Depois entendi que ele pegou a estrada, e dirigiu de São Paulo até lá. Como minha prima estava no quarto, não autorizei a subida dele e desci. Ele virou uma fera, disse que eu estava o traindo com alguém. Expliquei que minha prima estava no quarto e ele quis ver se era verdade. Subimos e, em seguida, a levamos para casa.

Na volta, ele subiu para o meu quarto e, lá, me deixou 16 horas em cárcere privado. Fiquei trancada ali com ele, que gritou e me ameaçou esse tempo todo – eu tinha uma reunião com um cliente às 8 da manhã, eu já devia estar dormindo. Em um momento, diz que não queria mais casar, namorar, nem nada com ele, que a relação estava insustentável. Quando falei isso, o monstro saiu da casinha. Ele disse: ‘Não tem isso de não querer mais. Se você não quiser mais, eu te mato agora e me mato depois.' Ele me segurou forte pelo braço, tentou me sufocar com o travesseiro. Daí ele parava, chorava e gritava de novo. Imagina isso acontecendo 16 horas seguidas? Eu gritava, mas ninguém ouvia.

Ele fumava. Quando o cigarro acabou, disse que eu ia descer com ele para comprar mais, mesmo eu dizendo que não. Quando ele se distraiu para pegar o dinheiro, consegui mandar um SMS para minha prima. Pedi para ela chamar a polícia. Pegamos o elevador e, no hall do hotel, consegui correr para trás do balcão, pedindo para a pessoa me ajudar.

Foi quando a polícia chegou. Os policiais queriam me levar para a delegacia para fazer o corpo de delito – eu estava toda machucada, com o corpo todo roxo. Com isso, eu prestaria queixa e ele poderia ser preso em flagrante. Mas eu estava exausta de uma noite inteira naquela situação, não quis ir, só quis respirar leve e que ele fosse embora.

Esse é um dos maiores arrependimentos que eu tenho. Só que na hora o estado de alerta e trauma é tão intenso que você não faz nada. Ele foi liberado e eu só dei queixa 10 meses depois para conseguir uma medida protetiva. Na época, você precisava ter provas suficientes para prestar queixa e, aí sim, te davam uma medida protetiva [em abril deste ano, o presidente Lula sancionou a Lei nº 14.550/2023, que cede medidas protetivas imediatamente a mulheres vítimas de violência].

Esses 10 meses foram difíceis: ficava um dia na casa de uma amiga, depois pedia para o meu trabalho me mandar para outra cidade uma semana inteira. Tinha pesadelos em que invadiam minha casa, machucavam meus pais ou me cercavam na rua. Estava em estado de alerta constante, não conseguia dormir, o que impactou minha saúde emocional. Desenvolvi depressão e estresse pós-traumático.

Ele também começou a ficar parado na porta da minha casa, esperando eu sair, e chegou a ir no meu trabalho algumas vezes. Não dava para saber quando eu era seguida. Na Delegacia da Mulher, não fui acolhida, sentia desespero. As próprias mulheres que trabalhavam lá tinham uma postura de que eu tinha feito alguma coisa para estar ali.

Os funcionários diziam que não podiam me dar uma medida protetiva por ele estar na frente da minha casa, porque não podiam impedi-lo de ficar em uma via pública. Eu teria de comprovar que ele colocava minha vida em risco. Só consegui depois que ele me mandou uma mensagem em que me ameaçava de morte. Depois que prestei queixa, nada aconteceu. Ele nunca foi processado, nem julgamento teve. Acho que é uma falha no próprio sistema. As coisas só acontecem depois que a mulher morre – e olhe lá!

O que essa experiência lhe causou?

Nos primeiros anos da Vittude, entre 2015 e 2016, tinha dificuldade de falar do assunto, me emocionava, tinha medo de colocar o dedo na ferida, vergonha… Até que uma vez estava palestrando em um evento sobre os desafios de ser mulher no empreendedorismo. E por acaso surgiu uma pergunta sobre violência contra mulher e quais eram os caminhos para combatê-lo.

Me senti confortável para falar da minha história, e percebi que ela impactou muito as mulheres que estavam ali, o que me causou desconforto porque não tinha noção do tamanho do problema. Resolvi perguntar quantas delas passaram por algo parecido, elas mesmas ou alguém próximo, e mais da metade da plateia levantou a mão naquele dia. Foi chocante. Comecei aos poucos a falar disso, e percebi o quanto a fala poderia me ajudar a me curar. Hoje, intensifico muito a conversa sobre isso no Mês das Mulheres e no Agosto Lilás, por exemplo.

Tento olhar para o sofrimento e colher algo de positivo para enxergar que consegui vencer aquela adversidade sem me colocar no lugar de vítima. Não estaria aqui hoje se não tivesse vivido esses episódios, e sem esse processo de trauma, talvez eu nunca tivesse chegado a fazer terapia. O caos às vezes é feio, mas é preciso o caos para ter criação. Acho que é parte do nascimento de outras experiências e de amadurecimento como ser humano.

Como foi a sua recuperação?

Fui buscar terapia pela primeira vez em junho de 2012 e tive dificuldade para encontrar psicólogos. Tentei pelo plano de saúde e passei por profissionais ruins, saía da sessão pior do que entrei – hoje sei que a saúde suplementar no Brasil não favorece os profissionais de saúde, que ganham R$ 20 por sessão.

Foi dessa dificuldade de encontrar colo que recalculei a rota. Além disso, em 2015 fui desligada do meu emprego em uma indústria de materiais de construção – sou engenheira civil de formação – dois dias antes do meu aniversário, e descobri que meu pai estava com câncer no mesmo dia. Fiquei três meses envolvida no tratamento dele e, como tinha tido uma crescente na minha carreira, tinha uma grana para me manter dois anos sem trabalhar. Me permiti respirar, fui viajar, e quando voltei comecei a me interessar pela telemedicina – algo que não praticamente existia na época.

Em um dos hospitais que me aproximei e estava testando o formato, soube que o setor de psicologia tinha uma regulamentação mais incipiente: por não demandar tantos exames e precisar basicamente da fala, alguns modelos de atendimento à distância estavam sendo testados. Falei: 'Como não pensei nisso antes?'. Foi assim que surgiu a ideia de criar a Vittude.

Não me entendia como alguém que estava dentro de um ciclo de violência até o dia do cárcere, mas foi depois que o relacionamento acabou que entendi que era abusivo. Comecei a fazer alguns trabalhos e conhecer iniciativas como a Justiça de Saia, da procuradora Gabriela Mansur. Na época, ela chegou a me convidar para um bate-papo, mas ainda não lidava bem com a história. Percebo também que a maioria das mulheres têm dificuldade de enxergar isso porque a primeira violência nunca é física, mas psicológica. 

O que é a Vittude?

A Vittude é referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas, desenvolve projetos que englobam gestão inteligente de dados, educação corporativa, intervenções organizacionais e plataforma de psicologia online para cuidado dos colaboradores.

Qual o objetivo da empresa?

A Vittude tem como objetivo oferecer insights, soluções e tecnologias para promover o bem-estar mental e emocional das pessoas dentro e fora das empresas.

Qual a forma de atuação?

A Vittude Oferece uma solução completa em diagnóstico, educação emocional, aculturamento de saúde mental e psicologia online. Seu corpo clínico garante credibilidade técnica e curadoria rigorosa no credenciamento de psicólogos, além de desenvolver escalas psicométricas que apoiam empresas na jornada de maturidade em saúde mental. 

Onde você quer chegar?

Agora o meu desejo é que, com a democratização da saúde mental que estamos proporcionando por meio da Vittude, mais mulheres possam ser acolhidas por profissionais qualificados para lidar com situações como a que eu passei. E assim, quanto mais a Vittude cresce, mais aumentamos o acolhimento de mulheres em situações de violência. Este é um dos meus propósitos aqui! O presente e o futuro que pretendemos construir.

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