Em entrevista exclusiva ao iG Delas, Letticia Munniz fala sobre autoestima e sensualidade
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Em entrevista exclusiva ao iG Delas, Letticia Munniz fala sobre autoestima e sensualidade

Quando criança, Letticia Munniz não via muitas mulheres como ela na televisão. Por isso, era difícil se imaginar ocupando esse espaço. Hoje, além de modelo e ativista, ela divide palco com Luciano Huck nas tardes de domingo. "Ocupar esse lugar, para mim, é fazer com que outras mulheres gordas, quando responderem a essa pergunta, se elas se viam na TV um dia, respondam que sim, porque viram antes delas mulheres como eu, Cláudia Jimenez, Fabiana Karla, Tati Machado, Mariana Xavier e tantas outras que lutaram para que a gente não tenha mais que emagrecer ou mudar quem a gente é para realizar os nossos sonhos".

Mas antes que inspirasse outras mulheres por meio do ativismo, a capixaba também teve as suas próprias inspirações. Letticia nem sempre teve uma relação saudável com o próprio corpo, já tendo admitido em entrevistas que chegou a desenvolver transtornos alimentares durante a adolescência. Anos mais tarde, a internet passou a mostrar o que antes não se via na TV ou nas revistas.

"Eu acho que aqui no Brasil, a precursora de todo esse movimento foi a Preta [Gil]. Acho que na cabeça dela, ela nem estava fazendo movimento nenhum, ela só estava existindo. Ela só estava sendo ela, nem sabia que estava errado ser ela até as pessoas ficarem apontando o dedo, chamando ela de gorda e dizendo que era um absurdo ela mostrar o corpo daquele jeito. Eu lembro que a Preta foi muito potente no meu processo, porque eu me vi muito no lugar dela também", conta.

"Outro momento de estalo foi quando eu vi uma modelo americana, a Ashley Graham, que tinha um corpo muito parecido com o meu. Eu sempre odiei o meu corpo, e quando eu vi o corpo dela, eu achei bonito e me veio aquela luz de 'Será que o meu corpo também é bonito?', 'Será que eu sou bonita também?'".

Foi dessa forma que o que antes parecia improvável virou motriz para que Letticia Munniz cativasse o amor próprio. "E eu decidi ser essa pessoa na internet também, porque essas mulheres, sem nem me conhecerem, mudaram a minha vida de uma maneira tão forte, elas me libertaram de tantos anos de tristeza, de sofrimento, de uma prisão que eu me coloquei, que a sociedade te coloca, que eu pensei que se eu pudesse fazer isso por qualquer pessoa, uma que fosse, eu seria muito feliz".

E deu certo. Com sua autenticidade, confiança e talento, a apresentadora foi escolhida como o rosto da linha Eudora Kiss Me More, nova fragrância da Eudora que exalta a sensualidade feminina. "A sensualidade em corpos gordos é negada. Eu não acho que o sensual é você usar uma lingerie sexy. Eu acho que o sensual é você ter tanta segurança de você, que isso transparece. Eu não tentei ser sensual. Essa sensação veio quando eu passei por todo o meu processo de me amar e de me aceitar, e isso me colocou também nesse lugar de me sentir sensual".

Mas ser a estrela principal de uma campanha publicitária era quase inacreditável para Letticia. "Geralmente, nós entramos para compor um time. Tem várias pessoas e você entra ali como uma representatividade, e não como a principal. Então, a gente sempre foi colocada nesse lugar de representatividade, de estar em um time para representar um corpo fora do padrão, para representar um corpo gordo, e nunca como o centro daquilo", lamenta.

Em entrevista exclusiva ao iG Delas , a modelo, apresentadora e ativista falou sobre esse processo de aceitação, autoestima, truques de beleza e, claro, sensualidade. Confira!

iG DELAS: O que a sua relação com o próprio corpo pode ensinar a outras mulheres?

Letticia Munniz:  A gente vive numa sociedade em que as mulheres nascem e já desde muito pequenas são cobradas em relação ao corpo. O esporte para o menino é o esporte que ele quiser. Já as meninas são incentivadas a fazer esportes que deixem o corpo torneado, bonito, alongado. Nunca me esqueço de quando eu era mais nova e queria fazer ginástica olímpica e muitos pais e mães não deixavam as filhas fazerem porque diziam que o corpo ficava feio, musculoso. A gente é muito cobrada a ter uma boa estética, porque senão nós vamos ficar sozinhas, não vamos arranjar namorado. 

Eu acho que o que eu aprendi é justamente que o meu corpo é só uma parte de mim. E é nisso que eu foco, não no quão belo ele tem que ser para que eu possa agradar os outros. A gente é muito mais do que a imagem do espelho. A gente é muito mais do que o que você está vendo ali agora, porque os anos passam, a gente envelhece, e o nosso corpo muda, se transforma. Se a gente só for feliz pela nossa estética, com o passar dos anos, o que a gente vai fazer, né? A gente vai ser infeliz. Eu não quero ser uma senhora infeliz. Muito pelo contrário. Quando eu chegar lá na frente, vou olhar todas as minhas marcas e rugas da mesma forma que eu vejo hoje, isto é, como linhas que escrevem a minha história.

Como é a sua rotina de beleza? Faz skincare? Qual sua prioridade? Corpo, cabelo?

Minha rotina de beleza é muito focada em bem-estar, sou muito vaidosa, sempre fui, mas também gosto de dissociar isso a questão do "se amar". Não é porque eu faço skincare, cuido do corpo, do cabelo, passo maquiagem e perfume que eu vou me amar. Esse momento serve para que você se dê amor, para que você se dê carinho, sabe? Sou supervaidosa, sempre fui desde muito criança, mas antes eu fazia com uma tentativa de me mudar, de ficar mais bonita, e hoje eu faço para me cuidar com amor. Minha rotina de beleza e cuidados é sempre focada em trazer o melhor de mim, não mudar quem eu sou.

E maquiagem, você usa quando não está trabalhando? Ou prefere ficar de cara lavada?

Eu amo não usar maquiagem quando eu não estou trabalhando! E isso também é um espelho de uma mudança de comportamento, porque até alguns anos atrás, ninguém nunca me via sem maquiagem. Eu lembro que tinha uma viagem da faculdade todo ano, e eu e uma amiga quase não dormíamos para nos maquiarmos antes de todo mundo acordar e ninguém ver a gente sem maquiagem. Eu lembro que uma época lançou uma dessas trends "Poste uma foto sua sem maquiagem". Eu falei: "Gente, ninguém nunca vai me ver sem maquiagem". Era muito nesse sentimento de achar que eu só era bonita com maquiagem. Hoje em dia não. Sempre que saio, gosto de me maquiar, mas não me sinto obrigada. Gosto de reconhecer a minha beleza também sem a maquiagem.

Quais são os seus itens de maquiagem preferidos? O que não pode faltar no seu nécessaire?

Todos, eu amo maquiagem! Amo me maquiar, tanto que, em muitos trabalhos, eu mesma faço a minha make, porque eu sinto prazer me maquiando. Acho que a primeira coisa que não pode faltar é um bom skincare antes da make, eu começo preparando a pele com um hidratante para o rosto. Outra coisa que eu amo muito são essas bruminhas fixadoras, porque eu acho que, além de trazer uma fixação para a maquiagem, elas ajudam a hidratar também. Passo várias vezes ao longo do dia. E amo corretivo, às vezes você não tem a maquiagem completa, mas se você tem um corretivo, ele já salva. Amo bronzer e amo demais um bom batonzinho nude também.

Você tem uma coleção de moda com o Magalu. Você tinha dificuldade em comprar roupa? O que você quis trazer de novo na sua coleção? E qual é a mensagem que você quer passar para outras mulheres gordas por meio da sua coleção?

Eu acho que a minha coleção é a materialização de tudo que eu gostaria de ver nas lojas. Até hoje, quando você entra numa loja, existe uma sessão plus size diferente da sessão regular. Então, você tem a coleção mais "fashion", com itens que estão em alta, e que vai do P até o GG no máximo, e você tem a coleção plus size, que não tem nenhuma informação de moda e é completamente diferente da outra. E isso sempre foi muito triste para mim: chegar numa loja, querer uma roupa, e aquela roupa não ter para mim. 

Você coloca a culpa em você. Você não pensa que é a loja que não está fazendo peças do seu tamanho, você pensa que a culpa é sua, porque se você fosse magra, a roupa ficaria bem em você. Então, você não está podendo comprar o que você quer porque não cabe. É quase como se fosse um castigo. "Olha, se você estivesse magra, a roupa que você gostou caberia em você. Mas como você não está, o que a gente tem para você é essa sessão plus size aqui, com essas roupas que não são jovens, não têm informação de moda e que servem para esconder seu corpo. Se quiser mais do que isso, se quiser usar outra roupa, emagrece".

A campanha para a Eudora fala em sensualidade, como você lida com esse tema?

A sensualidade em corpos grandes, em corpos maiores, em corpos gordos é negada. "Essa mulher não é sensual porque é gorda".  Eu acredito que, na verdade, as pessoas me consideram sensual porque elas me acham muito segura de mim. Eu não acho que o sensual é uma lingerie sexy ou você dançar e botar o dedo na boca, aquelas coisas caricatas, eu acho que o sensual é você ter tanta segurança de você, que isso transparece. Eu lido com a minha sensualidade dessa forma. Para mim, a sensualidade está nesse lugar de eu me amar tanto, de ter tanta certeza de quem eu sou, de ser tão dona de mim, que isso se torna sexy. Quando eu vejo uma pessoa muito segura, ela se torna sensual para mim.

A proposta é um convite para as mulheres descobrirem o próprio eu mais sedutor. Como você passou por esse processo? O que diria a outras mulheres?

Eu não tentei ser sensual. Essa sensação veio quando eu passei por todo o meu processo de me amar e de me aceitar. Quando eu cheguei nesse lugar de ter tanta certeza de quem eu era, isso me colocou também nesse lugar de me sentir sensual. O que eu diria para outras mulheres é que vale muito lutar por esse processo de se amar e se aceitar, porque ele te traz muitos benefícios, e se sentir sensual, sem a necessidade de artifícios, sem tentar ser sensual para agradar o outro, é uma das sensações mais gostosas da vida.

Você acha que hoje as marcas têm tido uma maior preocupação com a representatividade?

Eu acho que as marcas têm tido uma preocupação porque isso é um reflexo do que a sociedade quer. Os clientes chegaram naquele momento de falar: "Isso aí que você está me impondo eu não aceito mais, não concordo, não estou feliz, eu sou o cliente e quero ver isso aqui", e as marcas abriram os olhos para isso. Ao mesmo tempo, eu acho que pessoas jovens, com uma voz potente, com essa transgressão, também estão trabalhando mais nessas marcas e levando essa discussão para dentro delas: "Até aqui, vocês mostraram que o sensual é isso, mas eu acho que o sensual pode ser isso aqui também", mudando a cara da publicidade, da TV. Eu acho que tem uma geração muito forte vindo aí, muito consciente e com muita vontade de mudar o mundo.

Letticia, você nem sempre teve uma relação saudável com o seu próprio corpo, já tendo admitido em entrevistas que chegou a desenvolver transtorno alimentar. Como foi essa virada de chavinha para que hoje você se aceitasse como é e inspirasse outras mulheres por meio do ativismo?

A virada de chave veio através de muito cansaço. Eu já estava há 18 anos nisso: eu deixava de sair para não engordar porque eu ia comer e beber, eu passava mal no trabalho porque eu tinha comido muito pouco para não engordar, eu dormia e acordava todo dia pensando em emagrecer. E era muito sofrido, eu não aguentava mais, eu estava muito cansada mesmo. A internet veio de uma maneira muito potente mostrando coisas que eu não via na TV e na revista, e eu comecei a ver mulheres diferentes. Até então, eu nunca tinha achado um corpo como o meu bonito, eu só olhava com admiração corpos magros.

Se pudesse voltar ao passado, o que você diria para a Letticia adolescente?

Acho que eu pegaria ela no colo, porque Lelê sofreu muito, eu me fiz muito mal fisicamente, psicologicamente. Eu adoraria não ter passado por tudo que eu passei, então é por isso que hoje eu luto tanto para ser vista, para que quem sabe uma menina de 10 anos, que foi a idade que eu comecei a me odiar, me veja e veja que ela não precisa se odiar, que ela pode ter sucesso, ela pode ser feliz, que ela pode ser amada, que ela pode ser realizada, que ela pode seguir a carreira que ela quiser porque vai ter espaço para ela, que ela pode se vestir do jeito que ela quiser porque ela é bonita, que ela vai encontrar o amor, que ela não precisa ter o corpo que dizem para ser amada e que ela não precisa sofrer.

Você também já assumiu publicamente que é bissexual. Como foi esse processo de descoberta da sua sexualidade?

Esse processo foi um processo muito natural. Porque para mim é muito natural a gente se relacionar com quem a gente quer. Não me atrai beleza física, eu sou muito mais dessa beleza interior, de quando a pessoa é tão incrível que você vê a beleza dela, e eu não posso limitar isso a um sexo biológico. Eu sempre me senti assim quando eu era mais nova, mas claro que foi um susto, ainda mais porque eu sou de uma cidade pequena, então era um tabu. Sabe aquelas cidades que todo mundo sabe da vida de todo mundo?

Quando eu fui para São Paulo, na primeira festa da faculdade que eu fui, todo mundo beijava todo mundo, e eu vi que era muito normal, que eu não precisava ter vergonha nem medo. Então, virou um processo natural para mim eu me relacionar com pessoas que eu me atraio, que eu gosto, que eu acho legais, que eu acho divertidas. Eu levo a minha vida assim, eu me sinto atraída, apaixonada, envolvida por pessoas, porque para mim a pessoa tem que ser incrível, o resto nada importa.

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** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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