"Eu quero que elas deixem de ser MEI e cresçam. Elas não têm um negocinho, para poder comprar uma coisinha. Precisam entender que são donas do próprio negócio e precisam fazer ele crescer", diz a empresária Kênia Gama, que após alguns sustos e uma quase falência, se viu transformada em porta-voz para que outras mulheres encarem com seriedade seus negócios.
Kênia é autora de livros e proprietária de um negócio que já faturou R$ 80 milhões, o Mulher Brilhante, consultoria de apoio a outras mulheres que lideram negócios ou que desejam tirar suas ideias de empreendimento do papel. O propósito central do Mulher Brilhante é incentivar mulheres a alcançarem independência emocional e financeira por meio do empreendedorismo e do aprendizado de algumas habilidades socioemocionais. Para isso, a empresa aposta em eventos, workshops e mentorias, com destaque para palestras que circulam o país todo e destacam temas como produtividade e autonomia.
Após 19 anos no empreendedorismo, Kênia já treinou pessoalmente mais de 23.000 pessoas e organizou 14 eventos anuais que recebem, em média, 10.000 participantes e soma 1.500 mentoradas que, juntas, movimentam R$ 500 milhões.
É uma guinada e tanto para quem saiu da periferia de Brasília para empreender. Kênia conta que engravidou aos 17 anos, o que a fez trancar a matrícula da faculdade na época. Se casou no mesmo período e trabalhava como professora de Espanhol. A vida era dura e sem fartura. O marido foi quem deu o primeiro passo no sentido do empreendedorismo. Juntos, eles abriram uma agência de Turismo para atender o setor público de Brasília.
"Nossa empresa era no setor comercial, com centenas de prédios. Todo dia eu escolhia um prédio e distribuía nossos panfletos. Fiz isso por 4 meses, visitei uns 100 prédios", lembra Kênia. O casal havia decidido se dar um prazo, pois se não conseguisse um cliente teria de desistir. "Consegui o primeiro cliente e, na época, foi uma viagem para a Alemanha de primeira classe. O que ganhamos bancou as contas. Foi o respiro que a gente precisava, uma resposta de Deus", acredita a empresária.
O negócio começou a sobreviver como agência. Kênia passou a fornecer para o governo e a participar de licitações. Não demorou para que ela entrasse no ramo de eventos, tanto para o governo como para institutos internacionais, caso do UNICEF. Foi quando ela ganhou uma licitação de R$ 22 milhões. A essa altura, Kênia já não vivia na periferia, tinha casa própria e sua filha estudava em colégio particular.
"Eu estava cega pelo trabalho e tive de enfrentar um calote do Ministério da Justiça. Por brigas políticas, os novos integrantes não queriam assinar as notas que nós tínhamos acordado com a gestão anterior. Fiquei sem receber R$ 4 milhões, não tinha como pagar os impostos, os fornecedores, me vi sem chão", lembra.
O resultado foi uma depressão aos 27 anos, uma úlcera nervosa e a separação. "Eu fali em todas as áreas", conta. "Tomava remédio pra dormir, como se fosse só um pesadelo que iria passar. Era 2012 e tudo estourou. Um dia a Barbara, minha filha (eu já tinha o Davi), me acordou com um pratinho de miojo dizendo 'mamãe, você precisa comer'. Naquele momento eu vi que estava tudo errado, que eu não podia me entregar", revela Kênia, emocionada.
"A gente vive num país muito corrupto. Eu nunca me corrompi. Entendi que tinha de agradecer por tudo o que eu tenho. Levei meus filhos para um parque da cidade e refleti muito", lembra.
Kênia entrou em contato com os fornecedores e com a imensa maioria teve uma grata surpresa. Conseguiu renegociar suas dívidas, parcelar os impostos e se reerguer aos poucos. "Eu me desesperei, não tinha inteligência emocional, nem mentores ou um grupo de outros empreendedores. Por isso, hoje acho tão fundamental o trabalho do Mulheres Brilhantes, que dá suporte para quem está empreendendo."
Ela voltou com o marido na audiência de divórcio, e a parceria comercial também se reestabeleceu. "Estamos casados há 22 anos", celebra. Nos anos seguintes, Kênia decidiu se desenvolver, fez cursos de gestão, de desenvolvimento humano, tudo para que nunca mais precisasse passar por aquela situação. E passou a dividir seus conhecimentos na internet.
Kênia queria atingir o público BtoB, mas acabou falando em cheio com outras mulheres, que viraram suas seguidoras. "Eu não queria aquelas mulheres que só vinham reclamar, quase desisti, mas vi que elas estavam procurando a mentoria que eu não tive. Criei o núcleo de empreendedorismo feminino, batizei de Mulher Brilhante, que era o nome que tinha disponíveis. Passei a fazer reuniões de empreendedorismo, oferecer processos de consultoria. Em um ano, fiz evento em São Paulo, Brasília, e o negócio prosperou", diz.
Kênia passa adiante todos os perrengues que enfrentou e a melhor forma de gerir um negócio. "Quem quebra é o dono, nunca a empresa", ensina. Hoje o Mulher Brilhante atende mais de 50 mil mulheres. Hoje estou muito feliz, vejo que elas percebem que têm um negócio, têm responsabilidade social, transformam o ecossistema ao seu redor, saem de situação vulnerabilidade. Empreendedorismo é solução para ter mais dignidade, brio, cidadania, além de poder conquistar o próprio dinheiro."