Anielle Franco (37) viu a vida mudar completamente quando a irmã, Marielle Franco, foi assassinada pela milícia no Rio de Janeiro em 2018 , cujos mandantes nunca foram presos. A partir daí, ela se tornou uma referência na luta pelo fim do genocídio das mulheres negras no Brasil e, em entrevista ao iG Delas, fala sobre sua história de vida e militância que tem trilhado desde a tragédia.
“Sou uma pessoa que sempre tento manter o otimismo em tudo o que faço, mesmo diante de tanta dor, luta e injustiça que a gente tem passado”, comenta Anielle.
Em sua luta incansável por justiça, Anielle já se manifestou sobre as menções feitas pelo ex-governador Wilson Witzel a Marielle em sessão da CPI , bem como de outras pessoas que buscam macular sua imagem.
“A gente entende que, infelizmente, não tem muitos progressos nas investigações, mas nós precisamos acreditar que teremos mais avanços para que a gente não precise esperar mais quatro anos de injustiça”, desabafa a irmã de Marielle.
Anielle é idealizadora e diretora do Instituto Marielle Franco, iniciativa esta que surge como reflexo da luta pelo legado de sua irmã. “Essa proposta surge de um desejo de centralizar todos os pedidos que nós estávamos recebendo (palestras, livros, falas), desde de 2018, de todo trabalho que já vínhamos fazendo... nos preparamos em 2019 e lançamos em 2020”, explica a diretora, educadora, jornalista, mestra e escritora.
Trajetória pessoal
Formada em Letras e Literatura pela UFRRJ, ela morou por 12 anos nos Estados Unidos, estudando inglês e jornalismo. Nessa mesma época, praticava vôlei, esporte que abriu as portas para que ela pudesse sair do Brasil e se formar em duas faculdades e dois mestrados na América do Norte. Ao final de 2018, Anielle foi mandada embora de três escolas particulares por ser irmã da Marielle, episódio que a deixou desnorteada.
“Disseram na minha cara que não queriam mais que minha imagem estivesse ligada à escola por ser irmã da Marielle. Eu fiquei um pouco sem chão e muitas mulheres negras como Lucia Xavier, Jurema Werneck e Marcele Decote me estenderam as mãos”, menciona.
Por conta disso, ela acredita na sororidade entre todas as mulheres brasileiras. “É muito triste olhar para trás e perceber o quanto a sociedade nos cobra e nos faz mal, acredito muito nesta construção coletiva entre mulheres”, desabafa. “Sou mãe de duas meninas lindas”, comenta Anielle que é casada com o engenheiro Fred Abdullah e é mãe de Eloah (2) e Maria (5).
Militância desde cedo
A jornalista conta que a militância começou cedo em sua vida, desde que a mãe, Marinete da Silva, dizia que "não bastava ser boa, era preciso ser a melhor, porque nós éramos pretas e faveladas". Por este motivo, Anielle lembra que era disciplinada a estudar por muitas horas. Além disso, ela começou acompanhar a irmã mais velha desde cedo na militância.
“Quando eu entrei para o Ensino Médio, que foi na Zona Sul, eu fui aluna do Marcelo Freixo. Ali eu apresentei a Mari [Marielle] para ele, já comecei a militar aqui nos meus 14 ou 15 anos. Quando eu fui para os EUA isso só se aflorou em mim, pois tive a oportunidade de conhecer outras lutas também, além de me entender como mulher negra naquele momento”, comenta.
Uma das principais bandeiras políticas de Anielle é contra a necropolítica e violência policial às pessoas negras . “O genocídio da população negra é muito complicado, são 500 anos de impunidade, então é inadmissível que em 2021 ainda tenhamos uma chacina como a do Jacarezinho ou a Kathlen morrendo grávida . É muito triste isso tudo”, ressalta.
“Eu temo muito, perdi amigos de infância da Maré, que hoje em dia não estão entre nós, perdi pessoas queridas de militância que faziam parte dos movimentos sociais, vítimas desta bala perdida direcionada. Eu espero muito que este genocídio diminua, infelizmente temos uma pessoa no poder que normaliza este absurdo com as nossas vidas”, continua ela.
Anielle lembra que suas primeiras referências negras foram a avó materna, Filomena, a mãe e a a irmã, Marielle Franco. Atualmente, ela também se espelha em outras mulheres fortes que vêm fazendo a diferença como Vilma Reis, Marcelle, Fabiana, Lucia Xavier, Fernanda Lopes, Ana Carolina Lourenço dos Mulheres Negras Decidem, Audre Lorde, Lélia Gonzalez, entre outras.
“São muitas mulheres negras que me representam e me orgulho de ser uma delas também”, finaliza.