Casos de violência policial continuam com números alarmantes no Brasil. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. "Não conseguimos ver avanços contra a violência policial, principalmente, para nós que moramos na favela”, comenta Anielle Franco, do instituto Marielle Franco. A morte de Kathlen Romeu, morta por um tiro durante uma operação ilegal , é mais um desses casos.
“Kathlen era a melhor amiga de uma integrante do nosso movimento. Neste momento ela está sendo velada, expressando o absurdo que representa este projeto de segurança pública no Brasil”, relata Seimour Souza, ativista da Coalizão Negra por Direitos.
Desde o caso George Floyd , que levou a uma série de levantes por parte da população negra dos Estados Unidos, discussões sobre violência policial e racismo institucional têm estado mais presentes nos espaços públicos. Contudo, a paz parece ser uma realidade ainda fora do alcance para pessoas pretas e periféricas, seja no país norte-americano ou no Brasil.
“A nossa luta é para que não haja nenhuma vida perdida mais”, explica Marcelle Decothe, do movimento Favelas em Luta. Os slogans como “Contra o genocídio da população negra”, “Black Lives Matter” ou “Pelo fim do extermínio da juventude negra” são bastante conhecidos no Brasil e levantado por estes movimentos. Contudo, a paz parece ser uma realidade ainda fora do alcance para pessoas pretas e periféricas, seja nos Estados Unidos ou no Brasil.
Mais um "caso isolado"
Para ativistas negros é preciso não naturalizar a violência policial e atentar que, assim como a morte de Kathlen, todos os dias ocorrem novos "casos isolados" em que as políticas de segurança pública vitimam a população preta e periférica do Brasil.
"Não é só uma vida, são sonhos, Kathlen, Marielle, Agatha tinham sonhos... no caso da minha irmã, Marielle, por mais que tenha diferenças com os demais, a dor da perda é a mesma”, diz Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco, criado em memória da vereadora, assassinada em março de 2018.
A morte de Kathlen Romeu não é exceção. Ela é mais uma das 15 mulheres grávidas entre as 715 mulheres baleadas acidentalmente em operações militares desde 2017 no Rio de Janeiro, que também registra diversas crianças atingidas, algumas delas vítimas fatais, como a menina Ágatha Félix, de 8 anos. A filha de Vanessa Francisco foi morta por tiro de fuzil, disparado por um policial militar. As duas voltavam para casa, no Complexo do Alemão, Zona Norte da cidade, quando a menina foi atingida dentro da van que as transportava.
Em uma entrevista anterior ao Delas , a mãe de Ágatha relatou que tem sido difícil seguir sem ela. “Aos poucos fui me acostumando, reformando minha casa e tentando organizá-la, pois a casa era feita para a Ágatha, tudo me lembrava ela. Pedi muita força a Deus e ele me mostrou que eu deveria voltar para casa. Moro na mesma casa e todo momento penso nela, mas sei onde ela está”.
Apesar da grande repercussão dentro e fora do país, o cabo da Polícia Militar autor do disparo continua no emprego, com o mesmo salário, trabalhando em serviços burocráticos da corporação. Até hoje a família de Ágatha não foi indenizada ou recebeu alguma reparação por parte do governo do Rio de Janeiro.
Outro caso recente Assim como Ágatha, o adolescente João Pedro foi morto pelos agentes de segurança do Estado, durante uma operação policial em São Gonçalo, em 18 de abril de 2020. João Pedro foi morto dentro de casa, policiais civil e federal faziam uma operação no local para cumprir dois mandados de prisão.
Segundo parentes e amigos de João Pedro, que estavam presentes no momento de sua morte, os agentes entraram na casa atirando e o balearam. A casa onde João Pedro estava com outros cinco jovens foi alvo de mais de 70 disparos. O caso foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
População negra são as principais vítimas de bala perdida
O termo necropolítica, criado pelo cientista político camaronês Achille Mbembe, frequentemente é citado para descrever o assassinato sistemático de pessoas negras por agentes do Estado. O conceito ajuda a pensar como o Estado gestiona uma política de morte das pessoas negras em países colonizados. Esta política de morte consiste em operações policiais sem cuidado com moradores nas favelas, na falta de política pública ou de um projeto de segurança pública efetivo.
Por conquistar uma grande notoriedade no campo da segurança pública no Brasil, este conceito vem servindo de aliado na denúncia do racismo e das suas violências. Para Anielle Franco, nunca é uma bala perdida, “sempre tem cor, endereço, gênero”.
Para Seimour Souza, é preciso uma outra concepção da polícia no Brasil. “Precisamos de uma polícia baseada na inteligência e não apenas no confronto”. O que as famílias e as ativistas lutam pedem é justiça em todos os casos, nenhuma vida a menos e um projeto de segurança pública efetivo.