"O Dia das Mães foi o que mais doeu": diz mãe de Ágatha Félix, um ano depois

Em entrevista exclusiva ao Delas, Vanessa Francisco fala sobre luto, impunidade e da luta para que a morte da filha não seja esquecida

Esta semana  o assassinato de Ágatha Félix completa um ano. A filha de Vanessa Francisco foi morta aos 8 anos de idade por tiro de fuzil, disparado por um policial militar do estado do Rio de Janeiro. As duas voltavam para casa, no Complexo do Alemão, zona norte da cidade. Elas estavam dentro de uma van quando a menina foi atingida.

A tragédia teve grande repercussão dentro e fora do país, reacendendo o debate sobre a violência policial. Apesar disso, o cabo da PM autor do disparo continua no emprego, com  o mesmo salário, trabalhando em serviços burocráticos da corporação.  Até hoje a família de Ágatha não foi indenizada ou recebeu alguma reparação por parte do governo do Rio de Janeiro.

Vanessa sobrevive a cada dia, lutando com a saudade da filha
Foto: Arquivo pessoal/Vanessa Francisco
Vanessa sobrevive a cada dia, lutando com a saudade da filha


Em entrevista exclusiva ao Delas, Vanessa contou como foi este ano de luto e a espera por justiça. “O ano teve muitas emoções, muita saudade. Tento me acostumar com uma vida totalmente diferente. Eu vivi 8 anos com ela, a minha vida era em prol dela. De forma brutal me vi sem ela e tive que me adaptar”, desabafa. 

Vivendo uma situação que nenhuma mãe espera viver, Vanessa passou os primeiros seis meses de luto na casa da mãe, avó de Ágatha. “Aos poucos fui me acostumando, fui reformando minha casa e tentando organizá-la, pois a casa era feita para a Ágatha, tudo me lembrava dela. Pedi muita força à Deus e ele me mostrou que eu deveria voltar para casa. Moro na mesma casa e todo momento penso nela, mas sei onde ela está”, conta.


Um dos maiores desafios do luto para uma mãe são as datas especiais. Vanessa conta que neste ano de luto já passou por todas, mas há uma data semanal que dói mais, por ser um momento familiar de brincadeiras e carinho. “Eu suportei e sobrevivi todas as datas, mas o Dia das Mães foi o que mais doeu. Todo mundo foca muito mãe e filho, mas mesmo que eu tenha a minha mãe, eu não tenho a minha filha mais".

Vanessa relata que as sextas-feiras também são dias difíceis, já que lembra dos momentos de lazer no fim de semana ao lado da filha. "Era o dia em que eu sabia que o sábado era todo para ela, o domingo era também, era tudo em prol dela. Quando chega sexta à noite dói por isso. Eu sei que vou voltar para casa e o meu sábado vai ser diferente, vou ter que ocupar minha mente para mim.”, diz.

O apoio da família tem sido fudamental para atravessar esse momento. “Um tenta confortar o outro e passa força, enquanto um estava mal, o outro dava. A união é muito forte, a família é muito importante para mim. Um exemplo é minha mãe, que sofreu duas vezes mais, viu a filha sofrer e a neta partir, ela foi guerreira. Não chorava perto de mim para me dar esta força”, conta. 

Foto: Arquivo pessoal/Vanessa Francisco
Vanessa descarrega a tensão do luto por meio de exercícios e com o trabalho

Com o pai de Ágatha, marido de Vanessa, o recomeço está sendo aos poucos. “A gente está recomeçando sem a Ágatha, sei lá, estamos namorando de novo. Não tem como passar uma borracha na Terra, vivemos, lembramos situações com a gente, é um pouco triste, doloroso, saber que ela não está aqui”, afirma.

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Moradora do Complexo do Alemão, Vanessa ainda tem receio de novos tiroteios, mas não tem mais medo. “ Segura eu não me sinto, a qualquer momento um policial pode fazer outra coisa, pode acontecer outro tiroteio, mas hoje não tenho mais medo como tinha antes. Por qualquer tiroteio eu corria, tinha medo, mas hoje se tiver que correr eu corro. Aquele medo, aquele amedrontamento não tenho mais. O que eu passei, o que eu já vi, não tenho mais medo, eu consigo encarar”, conta.


Vanessa espera justiça pela filha

Foto: Reprodução
A família ainda espera por justiça


Mesmo com a tragédia ocasionada por um funcionário do estado do Rio de Janeiro, até hoje a família de Ágatha não recebeu nenhuma reparação. “Pedi, está na justiça. Mas não sei nada do caso e muito menos se eu serei indenizada. O policial é réu pelo Ministério Público e fico um pouco mais aliviada de saber que ele não está nas ruas armado e sim dentro da corporação, já é uma punição”, diz.  Rodrigo José de Matos Soares, o cabo que fez o tiro que matou Ágatha foi denunciado pelo MPRJ por homicídio qualificado e teve parte do trabalho como policial suspenso.

No momento a Comissão de Direitos Humanos da OAB tem ajudado com apoio psicológico para a família de Ágatha. “Além deles, a defensoria pública me auxilia com o pedido de ação na justiça e a OAB me representa nos processos. Por conta da pandemia os processos estão mais lentos, mas tenho todo esse apoio”, conta.

Além de justiça para a filha, Vanessa também luta e apoia projetos de lei que deem prioridade para investigações de crimes que resultem em morte de crianças e adolescentes por agentes do Estado do Rio de Janeiro, entre eles a  PL Ágatha Félix (número 1622/2019), que acabou sendo barrada pela Assembleia Legislativa do Rio .  “Foram votos de quase empate, os deputados não queriam focar apenas em crianças atingidas por funcionários do estado - que é o que mais acontece, e sim em acidentes além do estado”, conta.

Na sua avaliação não houve no último ano nenhuma mudança positiva com relação ao policiamento. “Não houve reformulação alguma, nem tática. O Estado não se preocupa com pessoas de dentro da comunidade, não se preocupam com pessoas. Nem na saúde! A gente precisa continuar gritando e batendo numa tecla, estamos chegando no momento que podemos bater na porta dos governantes para ter outro olhar para outras pessoas, para nós mães”, diz.

Desde a morte de Ágatha, dados do aplicativo Fogo Cruzado apontam que nove crianças foram baleadas em tiroteios em que haviam agentes de segurança do Rio. Duas delas morreram: João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos , morto por um tiro de fuzil por policiais que invadiram a residência em que estava em São Gonçalo, Anna Carolina de Souza Neves , de 8 anos, baleada na cabeça enquanto estava no sofá de casa, em Belford Roxo.

“O que eu peço e o que eu oro a Deus é que isso não morra, que esse caso não morra, mas que chegue a uma conclusão e a uma justiça. Para repensarem antes de fazer algo com outras famílias”, afirma.