Uma criança nascida nesta quinta-feira viverá, em média, até 2090. Mas, se os efeitos do aquecimento global não forem contidos, a população infantil estará cada vez mais exposta a doenças respiratórias e epidêmicas, incluindo a dengue, por conta do aumento das temperaturas, da poluição de gases poluentes e de queimadas. O alerta é do relatório anual sobre mudanças climáticas da revista científica britânica The Lancet .
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O The Lancet Countdown on Health and Climate Change , que avalia anualmente o cumprimento das metas firmadas pelo Acordo de Paris, está na sua terceira edição. É a primeira vez que o documento se dedica exclusivamente aos impactos à infância. No ano passado, o relatório destacou, entre outros fatores, o impacto das mudanças climáticas na infraestrutura e economia de países e cidades.
O estudo, assinado por 69 acadêmicos de diferentes instituições ao redor do mundo, projeta os impactos na saúde humana em dois cenários — um no caso de sucesso dos compromissos firmados no Acordo de Paris, que pretende reduzir as emissões de gases poluentes e restringir o aumento dos termômetros globais ao limiar de 2°C até o fim do século, e outro onde as metas não foram atingidas.
Segundo o editor-executivo do relatório, Nick Watts, uma criança nascida nos tempos atuais viverá, em média, até 2090. Se o cenário das emissões de gases do efeito de estufa não for revertido, os termômetros podem subir até 4°C, e as consequências seriam inimagináveis. Oito dos dez anos mais quentes registrados na história ocorreram nesta década.
"Nós mal sabemos o que isso representaria em uma perspectiva climática, e não temos ideia do que significaria para a saúde pública . Mas temos certeza que os efeitos seriam catastróficos', alerta Watts.
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Dengue
Entre os principais riscos elencados pelo estudo, o relatório alerta para os riscos da disseminação dos mosquitos vetores com o aumento nas temperaturas globais, envolvendo inclusive outros males sensíveis ao clima, como a malária. Crianças também são mais suscetíveis aos efeitos mais severos do vírus transmitido pelo Aedes aegypt , como a diarreia, o que amplia os riscos infantis.
O ano de 2017, por exemplo, registrou o segundo maior índice de infecções da dengue
desde 1950. Nos últimos 70 anos, a capacidade de transmissão da doença aumentou 5%. Na série dos dez anos mais suscetíveis à disseminação da dengue, nove ocorreram desde 2000. As estatísticas mais alarmantes de mortes pela doença no período entre 1990 e 2017 se concentram no Sudeste Asiático, segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS). O continente americano também registrou um aumento no índice de óbitos, embora menos expressivo.
Além disso, na hipótese de fracasso dos compromissos do Acordo de Paris , haveria um aumento considerável de problemas de saúde envolvendo a piora da poluição do ar.
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"A cada grau acrescido nos termômetros, uma criança nascida nos dias de hoje encara um futuro no qual sua saúde e seu bem-estar será gradualmente afetado pela realidade e pelo perigo de um mundo mais quente", explica Renee Salas, instrutora clínica de medicina de emergência na Escola Médica da Universidade de Harvard, que participou do estudo.
Ainda segundo Renee, os problemas podem surgir ainda durante a gravidez: "As mudanças climáticas e a poluição do ar com origem em combustíveis fósseis ameaçam a saúde das crianças ainda no útero da mãe, e se acumulam a partir daí".
A vulnerabilidade na infância se explica, em parte, pelas próprias características físicas. Crianças acabam absorvendo mais poluição no organismo do que adultos expostos ao mesmo ambiente, em razão do tamanho de seus corpos, além de outras variáveis.
"O coração das crianças bate mais rápido do que o dos adultos, e a frequência de respiração também é maior", diz Mona Sarfaty, diretora do programa de clima e saúde no Centro de Comunicação das Mudanças Climáticas na Universidade George Mason.
De acordo com o relatório, somente em 2016, a poluição aérea foi responsável pela morte de sete milhões de pessoas ao redor do mundo. A queima de combustíveis fósseis como carvão e gás libera um tipo de poluição muito fina, chamada de PM 2.5, que pode prejudicar o coração e os pulmões quando inalados.
A exposição ao poluente também está ligada à subnutrição no momento do nascimento e ao desenvolvimento de doenças respiratórias crônicas, como a asma.
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Queimadas
O relatório publicado na The Lancet aponta, ainda, para outra ameaça à saúde pública que já se tornou realidade para quem vive na região amazônica: os incêndios florestais. Embora as queimadas da Amazôni a tenham sido promovidas por ações criminosas, o agravamento das mudanças climáticas, a exemplo do clima seco que ajudou a disseminar o fogo no Pantanal, contribui para o aumento no número de incêndios ao redor do mundo, como no estado americano da Califórnia.
Desde 2015, o número de pessoas expostas à fumaça provocada pelo fogo em florestas cresceu 77%, a maior parte na Índia e na China. No Brasil, durante o auge das queimadas na Amazônia, os efeitos foram sentidos pela população de diversos estados. No Pantanal, houve um aumento de 2.025% na ocorrência de incêndios em outubro deste ano, comparado ao mesmo período de 2018.
Os cientistas apontam, ainda, prejuízos à saúde mental dessas crianças.
"Muitas crianças que escaparam dos incêndios serão, na prática, afetadas pelo resto da vida. Há problemas de saúde mental se desenvolvendo em decorrência de eventos climáticos como incêndios e enchentes que crianças nunca enfrentaram na frequência e intensidade como nos dias atuais", avalia Gina McCarthy, ex-diretora da Agência de Proteção Ambiental americana.