Uma  menina de 10 anos foi estuprada pelo tio e engravidou. O caso veio à tona na última semana e causou comoção social pela demora da Justiça para o conceder o aborto legal . Após o aval jurídico, outro empecilho: o  direito de abortar foi negado à criança no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes , no Espírito Santo, que alegou um estágio muito avançado na gestação -- 22 semanas. Ela precisou ir até Recife (PE) para ser atendida. Na segunda-deira (17), a Secretaria de Saúde do Estado afirmou que o procedimento foi concluído e a criança passa bem .

Foi uma jornada longa até que a menina conseguisse ter seu direito à interrupção da gestação assegurado. Em entrevista ao Delas, a antropóloga Debora Diniz explica por que nada disso deveria ser necessário. Segundo ela, o fato da criança ter sido estuprada é mais do que suficiente para interromper a gravidez. 

Debora Diniz é antropóloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília
Reprodução/Instagram
Debora Diniz é antropóloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília

Para entender o caso da menina de Espírito Santo, Debora resgata o Código Penal de 1940 e uma decisão da Suprema Corte dos anos 2000, que indicam três casos em que o aborto é considerado legal no Brasil: estupro, risco de morte à gestante e feto anencéfalo. "Não é preciso uma decisão judicial ou fazer um pedido", fala a antropóloga. 

Debora ainda observa que a lei indica que toda relação sexual com crianças com menos de 14 anos é considerado estupro. No caso dessa menina, além do estupro, há o risco de morte, já que um corpo de 10 anos não está pronto para uma gestacão. "Ou seja, ela se enquadrava em dois excludentes de punição pela ordem jurídica brasileira. Não precisava ir ao judiciário nem de toda esse peregrinação que ela passou. Não é uma questão da controvérsia do aborto", avalia. Ou seja: não se trata de uma questão de "certo ou errado", mas, sim, de um direito previsto por lei.


Fanatismo x direitos

A pesquisadora comenta sobre o fanatismo político e religioso que atravessa a questão, impondo obstáculos para que o direito ao aborto legal seja colocado em prática. No caso dessa criança estuprada pelo tio, por exemplo, religiosos foram até o hospital onde ela seria atendida para impedir que o aborto fosse realizado . O grupo foi incentivado a ir ao local por Sara Fernanda Giromini, militante da extrema-direita, que divulgou em suas redes sociais o nome da criança e o endereço do hospital . Ela usou o termo "aborteiro" para se referir ao médico responsável pelo procedimento e orientou seus seguidores a rezar com os joelhos no chão. 

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“O aborto é um tema usado para provocar essas reações de fanatismo moral. É uma questão central no controle dos corpos das mulheres. Ao controlar a reprodução biológica, se controla a família, o poder e a hegemonia masculina", explica a antropóloga.

Debora também fala sobre Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humano,  conhecida por se posicionar publicamente contra o aborto.  “Quando a Ministra Damares se pronuncia, há uma intimidação clara. É o uso do aparato do Estado para intimidar representantes do poder judiciário. É uma tentativa de interferência no poder judiciário e nos cuidados da saúde”, comenta.

Avanço da discussão sobre o aborto no Brasil

Para Debora, o caso abriu espaço para o avanço da discussão sobre o aborto no Brasil. “A dramaticidade e a brutalidade da situação foram tão grandes e causou uma dor tão profunda nas pessoas que elas pararam para se perguntar: 'O que está acontecendo para que haja uma perseguição a uma menina de 10 anos?'. Esse foi um momento em que as respostas se reverteram contra o estilo tradicional do bolsonarismo, autoritarismo, conservadorismo e fanatismo", fala. 

Um exemplo disso foi um compartilhamento intenso nas redes sociais de um vídeo de 2018, onde Debora fala sobre a ciência do aborto em uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal :


Para finalizar, Debora diz que espera que o STF aprove uma ação descriminalizando o aborto, assim mais nenhuma mulher será presa por interromper a gravidez ou morta vítima de um procedimento inseguro. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, acontecem 1 milhão de abortos induzidos todos os anos e uma mulher morre a cada dois dias vítima de aborto inseguro. 

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