Um casal de Belo Horizonte decidiu incluir no pacto antenupcial uma multa de R$ 180 mil em caso de traição. O documento foi validado pela juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, titular da Vara de Registros Públicos da capital mineira, que autorizou a inclusão da cláusula no contrato.
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Um pacto antenupcial é um contrato firmado pelos noivos que estabele as regras que irão reger a união, como o regime de bens.
Os dois argumentaram na Justiça que o "lado inocente deverá receber a indenização pelo possível constrangimento e vergonha que pode passar aos olhos da sociedade".
Embora a notícia cause estranheza em algumas pessoas — uma vez que a relação já começa com desconfiança entre as partes —, a juíza ressaltou que os casais têm autonomia para decidir o que vão incluir no pacto antenupcial e que o Poder Público deve intervir o mínimo possível na esfera privada.
O que dizem os especialistas
Segundo o advogado Anderson Albuquerque, especialista em Direito da Família e sócio do escritório Albuquerque & Alvarenga Advogados, apesar de a notícia ser recente, cláusulas como essa, que preveem multa em caso de traição, já são acordadas entre casais há anos.
"No pacto antenupcial, você pode prever o que você bem entender. Por que? Porque o pacto nada mais é do que um contrato entre as partes. O que você não pode incluir são situações que tentam burlar o direito da outra pessoa ou que retroagem ao passado. Por exemplo: eu decido casar hoje pelo regime da separação total de bens, mas eu já tinha União Estável com a minha parceira há sete anos e tínhamos decidido pela comunhão parcial de bens. Eu não posso colocar no pacto que o regime escolhido hoje serve para coisas de sete anos atrás", diz o especialista.
Vale reforçar, entretanto, que o adultério, apesar de considerado "imoral", não é ilegal. Em 2005, a prática deixou de ser prevista como crime no Código Penal brasileiro. A fala de Albuquerque é apoiada pela advogada Débora Ghelman, especialista em Direitos da Família e Sucessões e sócia da Lemos & Ghelman Advogados: "Os casais têm essa autonomia, desde que não haja violação de alguma norma de ordem pública".
"Eles precisam fazer um pacto antenupcial para escolher o regime de bens e as regras que vão reger o relacionamento, tanto em termos patrimoniais quanto extra patrimoniais, por exemplo. A partir do momento que os dois estão de acordo com a clásula, eu não vejo problema nenhum. O combinado não sai caro", completa.
Cláusulas de multa em caso de traição são mais comuns fora do Brasil. Um exemplo famoso é o do casal de atores Michael Douglas e Catherine Zeta-Jones. Juntos desde 2000, os dois firmaram um acordo que prevê indenização de US$ 5 milhões por parte do artista, caso ele traia a esposa. Douglas já admitiu publicamente lutar contra um vício em sexo.
Mas, caso seja da vontade de uma das partes incluir combinados como esse no pacto antenupcial, o ideal é conversar antes com o parceiro. Muitos casais ainda têm receio de falar sobre as cláusulas que vão reger o relacionamento. Além disso, normalmente, traição não confere direito a uma indenização.
"O que confere o direito a uma indenização não é a traição, mas é se essa traição expôs o parceiro ao ridículo, se causou constrangimento ou trouxe prejuízo à sua imagem. Então a pessoa não tem que comprovar somente a traição, mas sim os prejuízos e os danos que ela acarretou. E a indenização não é pela traição, é pelo dano. Quando você estipula isso no pacto antenupcial, o que você busca não é uma indenização pelo dano, é pela traição em si. No pacto, configurado ou não o dano, você tem direito a receber uma indenização, se a traição for comprovada", pondera Anderson Albuquerque.
A cláusula pode pesar em decisões sobre guarda dos filhos, pensão alimentícia e regime de bens?
A resposta para essa pergunta é não. "Você não pode colocar no contrato 'Em caso de traição, a guarda dos filhos é minha'. A relação de marido e mulher pode ter terminado, mas a de mãe e filho ou pai e filho é para o resto da vida. A cláusula diz respeito somente à relação do casal, é específica em caso de infidelidade de alguma das partes. A gente tem no Código Civil normas que regulam a guarda dos filhos e pensão alimentícia, por exemplo. Já o regime de bens vai reger de acordo com o combinado. Se não houver nenhum combinado, o regime aplicado pela lei é o da comunhão parcial de bens", explica Débora Ghelman.
O regime de partilha de bens diz respeito única e exclusivamente à partilha de bens. "Vamos usar um exemplo: um reconhecimento de União Estável não necessariamente lhe confere o direito à partilha de bens, porque você pode ter o reconhecimento da União Estável sob o regime da separação total de bens. A multa é uma ação de reparação de danos para a pessoa que foi traída", complementa Albuquerque.
Por fim, o especialista em Direito da Família reforça que o valor da multa pode ser acordado entre os noivos. "Você pode fixar até um valor para fins de pensão alimentícia, não para o filho, mas para a mulher ou para o marido. Você já tem um valor pré-fixado, só que isso não exclui o seu direito de ingressar na Justiça e falar: 'Olha, no passado, nós fizemos um pacto e além da multa por traição, fixamos também o valor da pensão alimentícia que um pagaria em caso de separação. Contudo, a capacidade financeira dele (a) aumentou, e a minha necessidade também aumentou. Então eu preciso que esse valor seja revisto'. Todo mundo pode, a qualquer momento, pedir a revisão do valor da pensão alimentícia".